30 Julho 2024
O artigo é de Juan Masiá, teólogo jesuíta espanhol, publicado por Religión Digital, 20-12-2023.
Em 27 de julho, sétimo aniversário da entrada na Vida do jesuíta japonês Kakichi Kadowaki (1926-2017), seu legado continua vivo nos grupos de Exercícios Espirituais Ignacianos integrados com a prática do Zen.
El Arte Zen para recuperar tu mejor estado, de Pedro Vidal (Foto: Divulgação)
Em seu terceiro aniversário (ano inaciano, 2021), este blog apresentou as Jornadas Zen e os Exercícios Espirituais, sobre a obra póstuma de Kadowaki: Aliento de vida e luz do caminho. O Espírito, intérprete da Palavra (Madrid, San Pablo, 2020); colaboração do Centro Sincronía (Pedro Vidal, Molina de Segura, Murcia) e o Seminário de Filosofia e Espiritualidade K. Kadowaki (J. Masiá, Tokyo).
Este ano, o colóquio cristão-budista foi na Associação Budista Laica Koseikai (Paróquia de Nerima, Tóquio). Foi apresentado o livro de Pedro Vidal, Yasenkanna: a arte Zen para recuperar seu melhor estado. Permitam-me reproduzir aqui o prólogo para a edição em espanhol da obra de Pedro Vidal sobre Hakuin.
“Olhe para a profundidade do Coração, mergulhe em sua vastidão”.
Para prologar estas páginas, nas quais Pedro Vidal encarna sua assimilação do Yasenkanna, o mais indicado seria o Mestre Shidô Bunan (1603-1721), “avô espiritual” de Hakuin na linha genealógica do Zen de Rinzai. A Hakuin Ekaku (1685-1768), seus predecessores convidavam a cruzar o umbral da morte enquanto ainda está vivo, para assim despertar para a realidade da vida.
Desejando que o próprio Shidô assuma desde o além a autoria do prólogo ao Yasenkanna, um servidor o assina como amanuense com gratidão a Pedro Vidal e como discípulo do K. Kadowaki.
Após compartilhar alguns meses por Zoom com Pedro Vidal a leitura do Yasenkanna, rondam em minha mente os temas-chave: Silêncio contemplativo, Olhar Interior, Grande Morte e Despertar para a Vida.
Visitei em Tóqui a exposição de caligrafias do Zen, na qual três caracteres kanji convocam à Verdade do Dharma: sentir (Kan, 感), meditar (Mei, 瞑), Praticar (Gyô, 行). Sua trilogia configura a base de um cone invertido, no fundo do qual o caráter do ócio e silêncio (Kan, hima, 閑), desenho original do Mestre Shidô, sugere a profundidade contemplativa, chave do Naikan, 内観, Olhar Interior, de Hakuin.
Desfrutei dessas caligrafias originais de Shidô e Hakuin na exposição Zen e Arte com quadros da coleção de Shigyô Sosyu, polímata japonês, diretor da Galeria Toshima Yasumasa e do Instituto Biotec. Este pensador japonês une estética, biotecnologia e biossapiencia, sintonizando com Velázquez e Toshima, Mishima e Unamuno, o Zen e a Bíblia. Seu presente a Pedro Vidal permite a reprodução da caligrafia de Shidô como capa do Yasenkanna: Kan, 閑, expressa a vivência de interioridade, moldura para a reflexão autobiográfica de Hakuin em seu Yasenkanna. Conversas tranquilas no barco ao entardecer.
Com a orientação dos mestres Arao Arai e Koyama Shikei, Pedro Vidal transformou a leitura do Yasenkanna em um Kôan ecfrásticamente assimilado. Sua leitura não surge da prática filológica, mas da vivência pessoal do Zen plasmada em seu diário espiritual. Ele nos convida a mergulhar na profundidade do Olhar Interior para passar pela Grande Morte rumo ao Despertar para a Vida.
Fui gentilmente guiado pela exposição de Arte e Zen por uma experta hispanista japonesa, professora Misaki Abe, curadora artística na Galeria Toshima e tradutora de Larra e Unamuno. Suas explicações me ajudaram a saborear a caligrafia que concentra a semântica do silêncio: O citado pictograma Kan (reproduzido aqui, em sua forma caligráfica, do quadro original de Shidô) é apropriado para designar a calma silente contemplativa. Ele é composto do radical Ma ou Kado: umbral, à sombra do qual se abriga uma arvorezinha. À esquerda da caligrafia, os versos seguintes:
Mire cada qual para a profundidade de seu Coração / Mergulhados nesse oceano, dissipam-se todas as perguntas humanas.
Em outro quadro, o citado caráter Kan 閑 se junta com o caráter Jaku, 寂, solidão e nostalgia tranquila; resulta no vocábulo Kanjaku, 閑寂, silêncio eloquente, solidão silenciosa. Associado a esta interpretação, surge outro sinônimo Seijaku, 静寂, solidão e nostalgia tranquilas. Assim relacionamos o silêncio eloquente de Shidô com a solidão sonora. Por isso a experta hispanista escolheu este termo ao traduzir a citação do místico castelhano no poema de Unamuno diante do Cristo de Velázquez.
Pedro Vidal nos convida nesta obra a saborear pausadamente e assimilar contemplativamente os aforismos Kôan que iluminam o sentido profundo de viver morrendo e morrer vivendo:
Agora que estou vivo, vivo como um morto, morro para o passado e vivo neste Lugar do Aqui e neste Momento do Agora.
Quem morre uma vez já não pode morrer mais e já não teme mais a morte, não é um suicídio, mas um morrer enquanto se vive e morrer vivendo.
Quem assim morre uma vez já não morre mais.
O verdadeiro caminhar em busca do Caminho, com atenção ao Interior (João da Cruz), para Dentro (Unamuno), deve ser acompanhado de um Olhar Interior para a profundidade de si mesmo, abandonando tudo nas mãos do Caminho, diz Pedro Vidal, deixando-se guiar pelos mestres Koyama Shikei e Kadowaki Kakichi.
Em que consiste este estar, viver e morrer no Espírito do Caminho? Perguntaria a Shidô através de Hakuin; a Hakuin através de Koyama e Kadowaki; aos três, através de Pedro Vidal.
Eles responderiam: “Descer à profundidade na qual se descobre o triplo mistério que revela o enigma radical, as três expressões da pergunta fundamental no início do Yasenkanna: A palavra silenciosa, voz sem voz que me descobre a mim mesmo, está no fundo e centro de mim mesmo (nas entranhas do Tanden). Lá, na profundidade do Coração, está a vastidão rumo à Transcendência. Lá está, diz Hakuin, lá existe e é o meu eu originário. Lá, meu Paraíso. Lá, o Buda Amida. Lá o Caminho, Ele em mim e em tudo e eu n'Ele e em Tudo”.