27 Novembro 2023
O economista francês afirma que a desigualdade de classe deve estar no centro da resposta ao clima e defende a implementação de impostos progressivos sobre o carbono.
A reportagem é de Fiona Harvey, publicada por The Guardian, 22-11-2023. A tradução é de Arthur Lersch Mallmann.
"As questões de classe social e econômica devem estar no centro de nossa resposta à crise climática, para lidar com as enormes desigualdades entre as pegadas de carbono dos ricos e dos pobres e evitar reações contrárias às políticas climáticas", diz o economista Thomas Piketty.
"Serão necessárias regulamentações para proibir bens e serviços que tenham emissões de gases de efeito estufa desnecessariamente altas, como jatos particulares, veículos de grande porte e voos de curta distância", acrescentou em entrevista ao The Guardian.
O economista francês Thomas Piketty. (Foto: Fronteiras do Pensamento | Flickr)
"Os países ricos também devem implementar impostos progressivos sobre o carbono que considerem a renda das pessoas e sua capacidade de reduzir suas emissões, já que as políticas atuais geralmente não se ajustam às necessidades reais das pessoas", falou Piketty.
Segundo ele, "precisamos colocar a classe social e os estudos sobre a desigualdade entre as classes sociais no centro de nossas análises dos desafios ambientais em geral. (...) Se não o fizermos, simplesmente não conseguiremos obter uma maioria [de pessoas a favor de ações robustas] e não conseguiremos alcançar isso".
O proeminente economista francês é autor da obra seminal "O capital no século XXI" e um dos principais pensadores mundiais sobre desigualdade. Seu trabalho foi altamente influente após a crise financeira de 2008, e ele está voltando cada vez mais sua atenção para a crise climática como codiretor do World Inequality Lab.
Até o momento, enquanto os ambientalistas têm mirado nos países desenvolvidos, contrastando suas altas emissões com a situação do mundo em desenvolvimento, toda forma de análise de classe – abordando as preocupações das pessoas pobres nos países ricos – tem estado amplamente ausente, segundo Piketty. "Um dos grandes fracassos do movimento ambiental até agora foi a tendência de ignorar a dimensão de classe e a desigualdade social. Isso chama muito minha atenção".
Ele explica que a questão da desigualdade de carbono é agora um dos problemas mais urgentes do mundo. A distância na desigualdade de carbono "é maior agora do que tem sido desde o século XIX", afirmou. Isso é um fator importante nos ataques que estão sendo feitos às políticas climáticas de alguns setores.
Políticas mal direcionadas sobre energia em todo o mundo colocam um fardo maior sobre os pobres, para quem energia, comida e moradia consomem uma parcela muito maior do orçamento doméstico do que para os mais ricos. Isso, de acordo com Piketty, está provocando uma reação negativa.
Se as políticas climáticas forem vistas como injustas, afetando pessoas com baixos rendimentos enquanto aqueles com estilos de vida luxuosos continuam intocados, movimentos de protesto surgirão, semelhantes aos "coletes amarelos" que paralisaram a França há cinco anos, afirmou o economista.
"Hoje as pessoas entendem que todos precisariam fazer algum esforço [para reduzir as emissões], não será apenas para os ricos. Mas esse esforço deve ser distribuído de uma maneira que possa ser aceito pela população. Se não abordarmos isso, teremos um movimento gigantesco de coletes amarelos em todos os lugares. E é um pouco isso o que temos".
Além da regulamentação para reduzir as emissões mais desnecessárias, Piketty sugere um "imposto progressivo sobre o carbono", pelo qual todos teriam uma cota gratuita de emissões cobrindo necessidades comuns, mas atividades além disso – como voos frequentes de férias, casas grandes ou veículos grandes – seriam taxadas com incrementos maiores, de modo que as atividades mais poluentes estivessem sujeitas a "uma taxa de imposto enorme".
Ele acredita que tal abordagem seria popular. Atualmente, muitas pessoas com menos recursos temem que serão as mais afetadas pelas medidas para reduzir as emissões.
"Muitas pessoas, principalmente os grupos mais socioeconomicamente desfavorecidos, sentem que tudo está contra elas, e que elas estarão pagando por todos, especialmente as pessoas em áreas rurais. Isso é uma grande parte da dificuldade política que temos hoje", disse ele. "Temos que fazer tudo o que podemos para convencer esses grupos de que as pessoas no topo estão pagando a sua parte justa. Temos que começar lá no topo, com pessoas que viajam de jato privado".
A crise climática é frequentemente vista como uma oposição entre países desenvolvidos, o chamado Norte Global, versus países em desenvolvimento, no Sul Global. No entanto, muitos pobres dentro de países ricos correm o risco de serem atraídos por políticos nacionalistas ou populistas que se opõem à ação climática.
Piketty argumenta que essas pessoas precisam ser tranquilizadas de que seus interesses também estão sendo atendidos. "Se queremos escapar desse tipo de sentimento nacionalista, país contra país, precisamos desenvolver alguma nova forma de solidariedade de classe que vá além do Estado-nação", disse ele. "Precisamos convencer a classe média e os grupos de renda mais baixa no Norte Global que fazendo com que os grupos mais ricos contribuam muito mais e reduzam seu estilo de vida, isso ajudará a resolver o problema no Sul Global, mas ao mesmo tempo pode resolver alguns dos problemas no Norte".
Sem tais reformas, Piketty afirmou que "teremos uma grande catástrofe climática", pois as políticas atuais não estão funcionando.
O The Guardian consultou as opiniões de 15 economistas e especialistas em clima e encontrou um alto grau de consenso de que a grande discrepância entre as emissões dos ricos e dos pobres ao redor do mundo deve ser abordada por meio de políticas mais bem ajustadas do que as atuais.
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"Para enfrentar a crise climática, precisamos proibir jatos privados”, diz Thomas Piketty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU