17 Abril 2023
Páscoa é o Porquê
fora de si.
Não se pertence,
nem se detém:
Deus se abandona.
O homem é o seu ícone:
mortos eu e você,
morto Jesus,
Cristo é Ressuscitado;
mesmo transporte.
Sim, de repente:
Por nós partilhado.
O artigo é de Piotr Zygulski, jornalista e membro da Ação Católica, publicado por Settimana News, 13-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No Tríduo Pascal não vivemos três episódios distintos da existência histórica de Jesus, mas o único evento do Deus que, sempre e eternamente, se envolve entre nós até se dar por inteiro: se faz Nada por Amor. A sua Palavra é corpo que se deixa mastigar por nós, rasgar até ao fim e transfigurar. Entrega-se – todo, todo – à mercê da nossa humanidade, até à possibilidade da mais dilacerante rejeição, até deixar-se privar do próprio Deus, mas não da força de clamar aqui pelo Céu no seu corpo que impele, e nos impele, aos extremos mais impensáveis. Jesus Abandonado, "Deus do nosso tempo" (Chiara Lubich), está despojado de tudo: está sem-Deus, e por isso mesmo nos explica, gritando o seu Abandono. No seu grito está o grito de todos, a começar pelos ateus. Tudo é acolhido e recapitulado, no Deus que vai sempre além, para se tornar "tudo para todos" (1Cor 9, 22).
O Ser, que tudo pode, deixa-se não-ser, escuro, vazio, crucificado: nada. Não é sofrido, mas acolhido; não é derrota, mas vitória imperecível, embora longe de triunfalismos mundanos. Precisamente esta terra pertence ao Céu, não tanto a periferia como o seu coração, que transborda de paixão. Um corpo, um só corpo esclarece o olhar de quem se aproxima da Cruz: "A fonte da vida está em ti, e com tua luz vemos a luz" (Sl 36,10).
De fato, agora reencontramos o Ser no não ser: na escuridão, Luz; na ausência, Presença; na morte, Vida. Aquele corpo sem vida sem-Deus, no seu silêncio eloquente, clama por Amor que, Abandonado, se abandona: tão extremo que é reconhecidamente Deus! A humanidade mais frágil, na Páscoa como no Natal, convida ao abraço divino, acessível a todos e em todos os lugares, com “os que estão nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1, 79). De fato, “para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também. [...] Se disser: Decerto que as trevas me encobrirão; então a noite será luz à roda de mim. Nem ainda as trevas me encobrem de ti; mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa" (Sl 139:7-8.11-12).
O Todo-poderoso, morto mortal, é realmente Onipresente: condição definitiva de possibilidade para a novidade da vida, nesta hora que dilacera a história, a dilata, permite atravessá-la para além de cada seu instante. Confia a nós a responsabilidade: renova em plenitude a liberdade, sobretudo para acolhê-la e reconhecê-la, vivendo-a entre nós, como Ele. Descobrimos que a vontade de Deus está nas nossas mãos. E só aqueles que ousam o Abandono acolhem a Ressurreição. Jesus está morto, Cristo ressuscitou: crucificadas as individualidades mortais, encontramo-nos incorporados justamente ali, no Ressuscitado, realidade comunitária que revela plenamente a verdadeira vida que se esconde em nossas vidas, capazes de se confiar, se abandonar, se acolher e acolher. Este nosso corpo definitivo, pronto para tudo, para todos e para todas, na espera acolhedora de cada seu membro passado, presente e futuro, é Luz no íntimo de todos os sepulcros da humanidade: “Olharam para ele e foram iluminados” (Sl 34,6).