Processos educativos para a sinodalidade. Artigo de Alzirinha Souza

(Foto: Reprodução)

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02 Dezembro 2022

A teóloga Alzirinha Souza nos mostra neste texto a relação estreita fecunda e pedagogicamente decisiva entre sinodalidade e comunidade. Isso porque sinodalidade é “a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus” e a comunidade é “a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história... a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se reflete, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem”.

Alzirinha enfatiza que “é em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação” e “a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos aos mesmos bens (1Cor 13)”. E ao constatar que “muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje”, afirma que “é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo – logo, para a sinodalidade – que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade”.

Alzirinha Souza é doutora em Teologia pela Université catholique de Louvain, na Bélgica, mestre em Teologia pela Universidad San Dámaso (Madri, Espanha), e bacharel em Teologia pela PUC-SP. É membro da Sociedade Internacional de Teologia Prática (SITP) e fundadora e colaboradora do Centro de Pesquisa de Documentação José ComblinUniversidade Católica de Pernambuco (UNICAP). É também professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Comunicação e Teologia (NECT), na PUC-Minas.

Este é o sétimo texto da iniciativa do Serviço Teológico-Pastoral, que publica quinzenalmente, em diversas mídias católicas, textos opinativos que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco. O Instituto Humanitas Unisinos – IHU acolheu o convite de participar desta iniciativa. 

Eis o artigo.

Em tempos de distanciamentos, secularismos, individualismos e dinâmicas de poder que já entraram em nossas comunidades eclesiais, a sinodalidade – enquanto nova forma de convivência proposta a partir do Evangelho – torna-se “o” caminho por excelência para cristãos e cristãs desejosos de constituir uma Igreja que quer ser sinal do Reino de Deus nesse processo histórico.

Por isso, não se trata apenas de “caminhar juntos”. Isso é o que vimos tentando fazer desde o princípio da Igreja. Sinodalidade é, antes, a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus (EG, 228).

Tal processo de retomada exige que voltemos a nos compreender como comunidade. Elemento central para o cristianismo e, em especial, para a teologia paulina (que a toma como modelo concreto de caminho de transformação humana), a reflexão sobre a comunidade deve ser a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história. Desde o Novo Testamento, elas são em si mesmas a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se refletem, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem. Por isso, desde o cristianismo primitivo, “homens novos” constituem uma realidade social, concreta, visível e palpável que vai sendo afirmada através da expressão revestir-se do homem novo (Ef 4,22-24).

Revestir-se significa entrar na comunidade cristã e adotar seu modo de viver. Dessa forma, a comunidade cristã reafirma o que é a mensagem fundamental do Novo Testamento: o homem novo não é um indivíduo nem é uma humanidade total concebida como grande corpo, em que os indivíduos seriam uma grande engrenagem. A comunidade é mais: “representa o homem novo, frente a todos os individualismos e todos os totalitarismos sociais, eclesiásticos, civis ou militares” (COMBLIN, 1987, p. 23). [1] É em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação. Elas são constituídas pela liberdade. Todos tomam a iniciativa e ninguém está obrigado a fazer a vontade do outro – o que não quer dizer uma anarquia, mas, sim, que cada um faz voluntariamente o que é bom para a comunidade. A liberdade sem serviço mútuo leva ao individualismo, e o serviço sem liberdade leva ao totalitarismo (Gal 5,13) (COMBLIN, 1987, p. 114). [2] Ser livre é ser com os outros, entrar nas relações novas movidas pelo amor. Nesse sentido, não existe liberdade do homem só. O conteúdo concreto da liberdade é a relação mútua entre homens e mulheres a partir da chave do serviço mútuo (COMBLIN, 1974, p. 91). [3]

Essas relações são baseadas pelo ágape, que, ao contrário do amor como disposição subjetiva individual, é a alma da comunidade, pois permite estabelecer uma relação de compromisso mútuo entre pessoas, em que todos participam do bem comum. Logo, a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos nos mesmos bens (1Cor 13). Por isso, o Papa Francisco nos pede que promovamos uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, que estimule os organismos de participação e outras formas de diálogo pastoral com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns (EG, 31).

Ora, esse processo não é dado por si mesmo. É necessário formar as pessoas para essa dinâmica, conscientizá-las da possibilidade de novas formas de ser Igreja. Estabelecer uma nova dinâmica que nasce do diálogo para nós, não é fácil. Como apresentado anteriormente, à luz do pensamento de Joseph Moingt, [4] recordamos as bases históricas da formação eclesial que limitaram o aprendizado para o diálogo. E, apesar de o Concílio Ecumênico Vaticano II ter afirmado que a vida de todo cristão é sacerdotal na medida em que ele se entrega ao poder do amor (encarnado na autodoação salvífica de Jesus Cristo ao nos olharmos hoje), constatamos muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje.

Por isso, é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo – logo, para a sinodalidade – que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade. É preciso que esses processos incluam todos(as) em seu sentido mais lato, ou seja, tanto aqueles(as) que pretendem formar para a sinodalidade (mas que, eventualmente, não percebem que em muitas práticas não o fazem) como os que se formam para uma mudança de atitude, estabelecendo uma dinâmica global na Igreja.

Não é nossa intenção aqui propor métodos ou práticas formativas. Antes, queremos exortar a que eles sejam desenvolvidos, considerando cada contexto concreto, e implementados a partir da chave de ressignificação da comunidade em todos os espaços de nossa comunidade eclesial, desde as comunidades e paróquias até os seminários e casas de formação. A riqueza da Igreja consiste numa diversidade ampla, constituída por cada pessoa que pode contribuir para o estabelecimento de uma nova dinâmica. Isso é apreendido, exercitado e construído à medida que nos colocamos na dinâmica do Espírito que nos impulsiona às transformações de nós mesmos e de nossas realidades.

Notas

[1] COMBLIN, J. Antropología cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 23. (Colección Teología y Liberación).
[2] COMBLIN, J. Antropología cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 114. (Colección Teología y Liberación).
[3] COMBLIN, J. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.Referências.
[4] SOUZA, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

Referências

COMBLIN, José. Antropología cristiana. Madrid: Ediciones Paulinas, 1987.
COMBLIN, José. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.
SOUZA, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

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