Kirill e as sugestões ignoradas. Artigo de Lorenzo Prezzi

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25 Outubro 2022

"A maior preocupação parece ter se tornado a sobrevivência do poder russo e o medo da possível desintegração da Federação."

O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 21-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

A enésima intervenção do patriarca de Moscou, Kirill, a favor da guerra diante da ineficácia das intervenções críticas de teólogos e igrejas, atesta o fechamento persistente, pelo menos até agora, da liderança eclesial russa.

O discurso foi proferido por Kirill em 18 de outubro na Catedral da Dormição em Moscou (doravante Kirill).

As intervenções críticas são aquelas sobre os cerca de 500 intelectuais e teólogos ortodoxos na declaração sobre o "mundo russo", publicada em 13 de março de 2022 (Teólogos), e o texto aprovado pelo Conselho Ecumênico de Igrejas em sua 11ª Assembleia em Karlsruhe de 31 de agosto a 8 de setembro, declaração sobre a guerra na Ucrânia (Conselho Ecumênico).

Unidade russa ou guerra injustificável

Rezemos "pelo Estado russo, para dissipar todas as calúnias do inimigo que visam destruir definitiva e irrevogavelmente a unidade da Rússia" (Kirill).

"Esta assembleia apoia firmemente a posição expressa pelo comitê central e denuncia esta guerra como ilegal e injustificável" (Conselho Ecumênico).

Os pensamentos e as orações de todos os participantes da 11ª assembleia do CEI se voltam para o povo e a nação da Ucrânia e para as trágicas consequências sofridas pela população após a invasão russa de 24 de fevereiro de 2022” (Conselho Ecumênico).

Operação especial ou blasfêmia

Possa o Senhor inclinar a sua misericórdia para todo o nosso povo, parar a luta interna que hoje, infelizmente, em algumas terras da Rússia histórica assume a forma de verdadeiras operações militares. Que o Senhor ilumine todos os envolvidos nessas hostilidades. Todos devem entender que é um tiroteio entre irmãos e, portanto, (invocar) o fim da guerra, o estabelecimento da paz e a unidade espiritual de todo o nosso povo” (Kirill).

Esta guerra é incompatível com a própria natureza de Deus e com sua vontade para a humanidade. É contrária aos nossos princípios cristãos e ecumênicos fundamentais. Opomo-nos a toda manipulação da autoridade e das palavras religiosas para justificar o ódio e a agressão armada” (Conselho Ecumênico).

"Portanto, rejeitamos a heresia do ‘mundo russo’ e as ações vergonhosas do governo da Rússia em desencadear a guerra contra a Ucrânia que surge desse ensinamento vil e indefensável, com a conivência da Igreja Ortodoxa Russa, como um ensinamento profundamente não ortodoxos, não cristãos e contra a humanidade” (Teólogos).

O “mundo russo” ou o Reino de Deus

Pronuncio com ousadia a expressão ‘mundo russo’ nestas paredes (da catedral), embora saiba que algumas forças na Ucrânia a demonizam. Mas eu uso a palavra ‘russo’ não para identificar uma única parte da Rússia histórica, correspondente à Federação Russa. Uso esse termo no mesmo sentido que Nestor, o Cronista, que falava de ‘terra russa’. Não russo, não ucraniano, não bielorrusso: mas em todos os lugares há ‘terra russa’. Este é o sentido em que usamos a expressão, com total responsabilidade, paz interior e confiança na retidão de nossa posição” (Kirill).

Condenamos como não ortodoxo e rejeitamos qualquer ensinamento que subordine o Reino de Deus, manifestado na Única Santa Igreja de Deus, a qualquer reino deste mundo e que busque outros senhores, sejam eles eclesiásticos ou seculares, que possam nos justificar ou redimir. Rejeitamos firmemente todas as formas de governo que deificam o Estado (teocracia) e absorvem a Igreja” (Teólogos).

Um povo só ou o povo de Deus

"Os próprios muros clamam esta verdade, que somos todos um só povo, e esta catedral de toda a Rússia traz a marca da responsabilidade pelo bem espiritual de todos os cristãos ortodoxos que estão no espaço da Santa Rússia. Responsabilidade da nossa Igreja, una e indivisível, de preservar a sua unidade e através dessa unidade manifestar a vontade de Deus para todo o nosso povo, onde quer que viva, em Moscou ou Kiev, em Minsk ou noutras cidades” (Kirill).

"Condenamos como não ortodoxo e rejeitamos qualquer ensinamento que atribua instituição ou autoridade divina, santidade especial ou pureza a qualquer identidade local, nacional ou étnica, ou qualifique uma cultura particular como especial ou divinamente ordenada, seja ela grega, romena, russa, ucraniana ou qualquer outra" (Teólogos).

"Rejeitamos qualquer divisão maniqueísta ou gnóstica que eleve a cultura ortodoxa oriental e os povos ortodoxos como 'santos' acima de um Ocidente degradado e imoral" (Teólogos).

Diálogo e coragem da paz

Falando com grande energia na abertura da Assembleia Ecumênica, o presidente da Federação Alemã, Frank-Walter Steinmeier, lembrou os exigentes pedidos de diálogo.

À medida que a assembleia se aproximava, foi enfatizado que o diálogo havia sido tonado possível. Muito bom. Mas o diálogo não é um fim em si mesmo. O diálogo deve lançar luz sobre o que está acontecendo. O diálogo deve chamar a atenção para a injustiça, deve identificar as vítimas, os autores dos crimes e seus perpetuadores. Se o diálogo se resolve em exortações piedosas e generalizações vagas pode, na pior das hipóteses, tornar-se uma plataforma de justificação e de propaganda”.

Portanto, nós o condenamos como não ortodoxa e rejeitamos qualquer promoção de ‘quietismo’ espiritual entre os fiéis e o clero da Igreja, do mais alto patriarca ao mais humilde leigo. Repreendemos aqueles que rezam pela paz, enquanto são incapazes de fazer a paz ativamente, por medo ou falta de fé” (Teólogos).

Enquanto, na propaganda interna, o presidente Putin reforça a memória da ‘grande guerra patriótica’ contra os nazistas, que agora estariam ativos em Kiev, o tema do ‘mundo russo’ é firmemente defendido pelo patriarca Kirill. Ainda que, em suas últimas falas, ele pareça se expor menos sobre as questões teológicas e muito mais no lado histórico-civil.

A maior preocupação parece ter se tornado a sobrevivência do poder russo e o medo da possível desintegração da Federação.

 

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