No Cazaquistão, o Papa Francisco relança seu multilateralismo

Papa Francisco conversa com o metropolita Antonioj de Volokolamsk, chefe de relações exteriores da Igreja Ortodoxa Russa, e outros líderes ortodoxos durante uma reunião privada durante o Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais no Palácio da Paz e Reconciliação em Nur-Sultan, Cazaquistão. (Foto: Paul Haring | CNS)

15 Setembro 2022

 

Desde ontem, o Papa está no Cazaquistão, no coração da Ásia Central; um país imenso, de maioria muçulmana, localizado em uma posição geográfica estratégica e delicada: a maioria de seus limites corre ao longo das fronteiras com a Rússia e a China. A partir daqui Bergoglio lançou o seu apelo a favor da paz, do crescimento da democracia, da liberdade religiosa e da colaboração entre as religiões e os povos. Uma mensagem, inevitavelmente, ligada de uma forma particular ao conflito em curso na Ucrânia.

 

A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 14-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Não por acaso, em seu primeiro discurso perante as autoridades políticas e civis do país lideradas pelo presidente Kassym-Jomart K. Tokayev, Francisco lembrou como Wojtyla, poucos dias depois do 11 de Setembro, quis enfrentar justamente a viagem ao Cazaquistão para contrastar, com sua peregrinação, o clima de guerra total que se respirava naquele momento histórico.

 

“O Cazaquistão - disse o pontífice - configura-se como uma encruzilhada de relevantes junções geopolíticas: portanto, desempenha um papel fundamental na mitigação dos conflitos. Aqui João Paulo II veio semear esperança logo após os trágicos atentados de 2001. Eu chego aqui durante a louca e trágica guerra originada pela invasão da Ucrânia, enquanto outros confrontos e ameaças de conflitos põem em perigo os nossos tempos”. "Venho - acrescentou - para amplificar o grito de muitos que imploram a paz, via de desenvolvimento essencial para o nosso mundo globalizado".

 

O nosso tempo, continuou o papa, precisa de "líderes que, em nível internacional, permitam que os povos se entendam e conversem, e gerem um novo ‘espírito de Helsinque’, a vontade de fortalecer o multilateralismo, de construir um mundo mais estável e pacífico".

 

Depois, o bispo de Roma exaltou a democracia como um sistema político capaz de servir aos interesses de toda a população e não de poucos privilegiados, mais uma vez promoveu sua ideia de uma religião do diálogo e do encontro que rejeita fanatismo e extremismo, e nesse sentido expressou sua admiração pelo país asiático onde convive uma vasta pluralidade de diferentes etnias e tradições culturais.

 

Fracassa o encontro com Kirill

 

Por outro lado, Francisco foi à capital Nur-Sultan para participar do VII Congresso dos líderes mundiais das religiões tradicionais. Um encontro inter-religioso de relativa importância com a participação de 108 delegações de 50 países, entre os quais os líderes espirituais do islamismo, cristianismo, budismo, judaísmo, hinduísmo, taoísmo, zoroastrismo, xintoísmo; junto com eles também líderes políticos e representantes de organizações internacionais.

 

Além disso, este tinha que ser o local perfeito, em um território eclesialmente neutro, para o encontro entre Bergoglio e Kirill, o patriarca ortodoxo russo bastante próximo de Putin. Nas intenções da Santa Sé, o encontro com Kirill deveria ser completado por uma rápida visita do papa a Kiev: um duplo abraço às duas partes em conflito para mostrar, concretamente, que o diálogo é possível mesmo nos momentos mais difíceis.

 

Mas, de fato, o patriarcado de Moscou informou que não está disponível, pelo menos por enquanto; seria muito complicado administrar o encontro com o Papa e sua mensagem de paz e diálogo no momento em que os combates estão em curso. No entanto, em Nur-Sultan, também acontece outra situação: o líder chinês Xi Jinping vai estar hoje na capital do Cazaquistão, em sua primeira viagem transfronteiriça depois de mais de dois anos (a última viagem ao exterior remonta a janeiro de 2020, quando foi para Mianmar).

 

Xi, que hoje estará no Cazaquistão, depois se encontrará com Vladimir Putin na cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), agendada para estes dias em Samarcanda, no Uzbequistão. É muito difícil que o chefe do Partido Comunista Chinês e o Papa Francisco possam ter uma conversa, mas com certeza estarão na mesma cidade por algumas horas.

 

Mesmo assim, a ocasião pode ser propícia para contatos informais entre as duas delegações, a chinesa e o Vaticano, considerando também que está em curso a renovação do acordo secreto entre a Santa Sé e Pequim sobre a nomeação "compartilhada" dos bispos católicos na China. Nesta ocasião - o acordo é reconfirmado a cada dois anos a partir de 2018 - o Vaticano esperava conseguir algo mais em termos de liberdade religiosa, mas a proximidade do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês a ser realizado em outubro próximo, com seu corolário de lutas internas, não é um bom presságio para mais concessões à Igreja Católica.

 

Contra o fanatismo

 

Francisco, no entanto, leva ao Cazaquistão sobretudo uma mensagem de paz e fraternidade, além de preocupação pelo risco de uma escalada nuclear, não mais tão remota considerando o poder atômico da Rússia. Deve-se notar que, entre os líderes religiosos presentes em Nur-Sultan, há também um importante aliado do papa, o grande imã do centro teológico sunita de al Azhar, no Cairo, Ahmad al-Tayyib.

 

Ambos assinaram em 2019 o famoso documento sobre a "Fraternidade Humana", texto ao qual, segundo afirmou o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, deveria haver referência na declaração final do congresso.

 

Além disso, o congresso abordará questões-chave do diálogo entre as religiões, como "a contribuição dos líderes religiosos e dos políticos na promoção do diálogo inter-religioso global e da paz, na luta contra o extremismo, o radicalismo e o terrorismo, especialmente de bases religiosas” e "a contribuição das mulheres para o bem-estar e desenvolvimento sustentável da sociedade e o papel das comunidades religiosas no apoio à condição social das mulheres".

 

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