06 Dezembro 2021
“Certamente, após essa tempestade sobre a barca de Pedro, Jesus acalmará as águas. Talvez a Igreja do futuro será menor, menos famosa, mais testemunhal, mais próxima a Belém, ao Horto e ao Cenáculo e, portanto, mais ressuscitada”, escreve Pedro Miguel Lamet, jornalista, padre jesuíta espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 02-12-2021. A tradução é do Cepat.
Observo que as pessoas, sobretudo os católicos praticantes, andam muito preocupados com a imagem atual da Igreja nos meios de comunicação. Primeiro porque aparece bem pouco nos meios de comunicação laicos, e quando isso acontece, majoritariamente, é para a publicação dos escândalos relacionados à sexualidade. Por exemplo, a denúncia de pedofilia ou os recentes casos de abandonos, inclusive episcopais, por causa da descoberta de relações com alguma mulher. Curiosamente, esses são os que mais se destacam.
Lembro-me, em minha longa trajetória de jornalista, especialmente no pós-concílio, dos tempos em que os jornais dedicavam páginas inteiras à vida eclesial, onde além das notícias de nomeações, do Vaticano ou da vida das dioceses, incluíam-se entrevistas com teólogos, o livro religioso, o heroísmo dos missionários, mártires contemporâneos e até da vida espiritual e comentários sobre o Evangelho. Havia um interesse pela religião, pelo ecumenismo e os artigos de opinião de líderes eclesiais.
É verdade que o mundo mudou. A secularização, o laicismo e a autonomia do homem sobre a sociedade teocrática relegaram o poder da Igreja. Ouço dizer que, apesar das liberdades democráticas, inclusive cresceu o “ódio à Igreja”, o revanchismo contra sua influência desmedida, e até que as forças do mal a estão abatendo.
Mas, mudou para pior? Era melhor quando os padres e a hierarquia eram invioláveis? Quando suas máculas permaneciam ocultas, quando a verdade de suas perversões ficava em sussurros de sacristia?
Vamos ao Evangelho. Jesus era um pregador rural, que desenvolveu sua missão sobretudo no ambiente camponês e de humildes pescadores da Galileia. Só adquiriu certa notoriedade – e pouca – quando os poderes de sua época encontraram sua mensagem e seus feitos, perigosos para suas instituições, quando censurou seus dirigentes fariseus e a religião opressiva e hipócrita que manipulava as pessoas de seu tempo. Jesus denunciou o principal escândalo religioso de pessoas intocáveis e suas instituições, não o fundo das tradições judaicas.
A agressividade atual de alguns meios de comunicação laicos se deu após séculos de corrupção de uma grande parte da instituição eclesial, secretismo, orgulho, dominação sobre as consciências, falta de liberdade de expressão, investigação e opinião em seu seio e máculas que agora são difundidas sem rodeios.
É verdade que, como acontece após toda repressão, a reação vem e às vezes é excessiva, como acontece, por exemplo, em outras situações da vida, como com o feminismo, a homossexualidade, etc. Hoje, por exemplo, esquece-se a outra face da Igreja, a santidade, a mística, os que dão a vida com ou sem sangue pelos pequenos, os pobres, os esquecidos ou depositam energia e graça pela oração e o trabalho em silêncio.
Portanto, minhas conclusões sobre esse fenômeno são as seguintes:
1. É bom que nossos pecados, as máculas ocultas da Igreja, sejam descobertas. A roupa suja não é lavada no quarto, mas é lavada e pendurada na varanda para tomar vento.
2. Em relação à pedofilia, escândalo que mereceu a mais dura condenação de Jesus, já estava na hora de ser conhecida, esclarecida e punida eclesial e civilmente. Claro, com justiça, provas concludentes e sem difamar os inocentes, nem esconder a outra pedofilia secreta nas famílias e na sociedade civil.
3. Não queremos uma Igreja impecável e triunfalista. O reconhecimento da fragilidade e a humildade, que é nossa verdade, mais do que o escândalo, deveria nos aproximar de Jesus em vez de nos vermos como perfeitos, porque “ninguém é perfeito, só Deus”.
4. Evangelizar não é buscar o aplauso, nem o prestígio da Igreja, mas fazer o bem “sem que a nossa mão direita saiba o que faz a esquerda”.
5. É um estímulo a dar exemplo de vida, não de palavra, de sucesso, de números estonteantes. As palavras movem, os exemplos arrastam.
6. Ter medo que de a Igreja diminua por perder prestígio social é uma tremenda falta de fé e confiança em Deus.
7. Precisamos perdoar. Isso não significa justificar, nem continuar com permissividade com quem comete crime, mas continuar amando-os porque o pai nosso e a misericórdia nos exigem, virtude essencial do cristão.
8. Evitar a tentação de abominar a Igreja, até mesmo a institucional, que é o pretendido por aqueles que usam seus pecados para aniquilá-la, mas amá-la mais para melhorá-la por dentro, defendendo-a no que é injusto e proclamando sobre os telhados o seu lado carismático e suas virtudes, que existem e hoje são pouco ressaltadas.
9. Exigir seus direitos democráticos, denunciar sua perseguição quando houver e desmentir o que há de falso divulgado nas redes sociais e nos meios de comunicação. “A verdade vos libertará”.
10. E sobretudo nunca desanimar, praticando também a esperança. Ao longo da História, houve situações piores na Igreja, como, por exemplo, a corrupção do Papado no Renascimento. Certamente, após essa tempestade sobre a barca de Pedro, Jesus acalmará as águas. Talvez a Igreja do futuro será menor, menos famosa, mais testemunhal, mais próxima a Belém, ao Horto e ao Cenáculo e, portanto, mais ressuscitada.