Advento: fazer a experiência de sentir-se crucificado

Foto: Exe Lobaiza | Cathopic

03 Dezembro 2021

 

A experiência de sentir-se crucificado se dá em duas vias: na interiorização e na ação, à medida que a contemplação do crucificado e nossa união a Ele nos empurra, como destaca Ademir Guedes Azevedo, "para gestos concretos".

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.


Por ocasião da Páscoa deste ano, Ademir Guedes Azevedo, padre passionista, mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana, sugeriu aos nossos leitores fazer "a experiência de sentir-se crucificado, pois é nela que podemos renascer para uma sabedoria mais profunda". Na cruz, sublinhou, "vemos dor e solidão, mas, por outro lado, um homem que confia".

 

A estética da cruz – e mais do que isso, o desejo de sentir-se crucificado com Cristo – disse, "provoca a uma decisão radical que põe o nosso corpo a serviço do próximo. Na cruz, Jesus conclui sua missão todo desfigurado, sem aparência humana, como diz o profeta Isaías. No entanto, ele está pleno de beleza, porque repleto de sentimentos nobres. Às vezes, nós pensamos mais em nossa própria aparência e calculamos as nossas ações em benefício próprio. Esta sociedade que vive para si mesma está com os dias contados, pois ou nos unimos pelo bem do próximo ou infartaremos com o excesso de espelhos que refletem a nossa própria imagem".

 

 


O Cristo Crucificado, de Peter Paul Rubens (Foto: Reprodução)

 

A experiência de sentir-se crucificado se dá em duas vias: na interiorização e na ação, à medida que a contemplação do crucificado e nossa união a Ele nos empurra, como destaca Azevedo, "para gestos concretos".

 

Em a Imitação de Cristo, o livro mais popular da história da humanidade depois da Bíblia, que trata sobre o cultivo da vida interior a partir da espiritualidade cristã, Tomás de Kempis dedica um capítulo sobre quão poucos são os que amam a cruz de Jesus Cristo:

 

"Jesus Cristo tem agora muitos que amam seu reino celestial, mas poucos que levam a sua cruz.
Muitos desejam sua consolação e mui poucos desejam a tribulação.
Muitos companheiros acham de sua mesa, e poucos de sua abstinência.
Todos querem gozar de sua alegria, poucos, porém, querem sofrer alguma coisa por Ele.
Muitos seguem a Jesus até ao partir do pão, poucos, porém, até beber o Cálice da sua Paixão.
Muitos admiram seus milagres, mas poucos abraçam a ignomínia da cruz.
Muitos amam a Jesus, quando não há adversidades.
Muitos o louvam e exaltam enquanto dele recebem algumas consolações.
Porém, se Jesus se lhes esconde e os deixa por algum tempo, logo se queixam ou demasiadamente desanimam".

 

 

No centro da vida passionista, que consiste em atualizar a Paixão de Cristo na vida contemplativa, cotidiana e concreta, podemos encontrar algumas pistas para aprender a amar a cruz.

 

Para viver essa espiritualidade, ensinou Azevedo, é preciso três elementos:

 

1) Frequentar o calvário: "O passionista sobe ao calvário, ou seja, frequenta os porões da humanidade, deve estar onde ninguém deseja frequentar. Os passionistas fazem dos calvários atuais o seu hospital de campanha (Papa Francisco), onde devem curar as feridas dos corpos crucificados, chamando-os à vida";

 

2) Fazer a experiência: "Estando no calvário, atualizam o significado da Paixão em suas vidas e o fazem ao descobrirem que são amados por Deus. Tal descoberta reside quando se tornam objeto de contemplação do Crucificado. Ao invés de contemplarem o Crucificado, ocorre justo o contrário: é o Crucificado que se torna sujeito e nós objetos de seu olhar, pois nos deixamos ser contemplados pelo Cristo da cruz. Justo aqui está a descoberta: aquele olhar que emana da cruz me diz que sou amado. Exatamente isso é o que significa fazer Memória da Paixão, pois se atualiza o seu significado na vida pessoal, tornando-se uma experiência que marca toda a existência";

 

 

3) Ter uma missão a cumprir: Da descoberta de que é amado por Deus, independentemente de ser digno ou não, o passionista torna-se discípulo e sai para anunciar a Palavra da Cruz (Deus ama a todos) sem medir esforços, contando apenas com a Graça de Deus. Esta é a missão do passionista: anunciar que Deus ama a humanidade. Foi justo o esquecimento dessa boa notícia que gerou os males do mundo, segundo São Paulo da Cruz (1694-1775). Por isso, o remédio para as feridas do mundo reside na Memória daquele evento que se descobre a partir do olhar envolvente do Crucificado que está nos calvários da humanidade".

 

Que possamos amar a cruz e o Crucificado livremente e de todo coração para estarmos vigilantes, como reiteradamente nos convida e exorta o Papa Francisco e também o autor de a Imitação de Cristo: "Ninguém é mais livre, que aquele que sabe deixar-se a si e a todas as coisas, e pôr-se no último lugar".

  

 

 

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