A Amazônia e o regime de chuvas e clima no Sul do Brasil

Foto: Margi Moss/Projeto Brasil das Águas

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

09 Setembro 2020

"Faz-se necessário derrotar os capatazes, mas também esse modelo capitalista agroexportador, que alimenta os países do capitalismo central, caso contrário as chamas continuarão cada vez mais freqüentes e intensas, assim como a falta de água e os períodos de estiagem no Sul do Brasil", escreve Eduardo Luís Ruppenthal, biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (Uergs), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/Ufrgs) e militante do coletivo Alicerce e da Setorial Ecossocialista do PSOL/RS, em artigo publicado por Sul21, 06-09-2020.

Eis o artigo.

Para não ser mais uma data vaga que preenche o calendário de dias comemorativos, esse 5 de setembro não está sendo diferente dos anos anteriores: a Amazônia está em chamas[1]. O que mudou é a intensidade dessas chamas e a sua dimensão, impulsionadas pelo discurso, pelo apoio e política ecocida e genocida do governo Bolsonaro e de seu anti-ministro “incendiárioRicardo Salles, capatazes do agronegócio.

As consequências dessa política anti-ambiental espalhou as chamas e o desmatamento para outros biomas brasileiros, como o Pantanal, em uma tragédia socioambiental sem precedentes, que coloca em risco toda a dinâmica pantaneira; o Cerrado, onde a expansão agrícola tem convertido áreas com enorme biodiversidade em extensas monoculturas para exportação, basicamente soja, e ameaça a “caixa d'água” do Brasil. Todos os demais biomas estão sob risco, já que a lógica degradadora é a mesma. Mata Atlântica, Caatinga e Pampa, as ameaças históricas são potencialiazadas pelos discursos, intenções e ações para “passar a boiada” de qualquer jeito, com ou sem pandemia, com ou sem os holofotes da mídia, a mesma que diz que o “agro é pop, é tech, é tudo”.

A intenção do texto não é aprofundar e enumerar a importância da Amazônia para o equilíbrio ambiental do Planeta, mas essencialmente à região Sul do Brasil. Nesta primeira parte, não se abordará as mudanças climáticas e demais consequências da devastação da Amazônia, mas da relação direta com a quantidade de chuvas que caem no Sul, provenientes de massas de ar de vapor de água e de nuvens formadas no Bioma Amazônico.

Isso se deve a um fenômeno chamado rios voadores, que são “cursos de água atmosféricos” que viajam centenas e milhares de quilômetros e que regam o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul do Brasil, além dos países vizinhos. A Amazônia funciona como uma bomba d'água. Toda a umidade evaporada do Oceano Atlântico segue floresta adentro pelos ventos alíseos, é descarregada em forma chuva, que cai na floresta, e é muita chuva, que coloca a região em uma das mais quentes e úmidas do planeta. Com esse calor tropical, acontece a evapotranspiração nas árvores, retornando toda essa água para a atmosfera em forma de vapor de água. Os ventos direcionam essas massas de ar carregadas de umidade para o oeste, mas no caminho encontram a Cordilheira dos Andes, com mais de 4.000 metros de altitude. Uma parcela das massas de umidade precipita nas encostas da Cordilheira, o que forma as nascentes dos rios amazônicos que abastecem vários países e se transformam na maior bacia hidrográfica do mundo, a do Rio Amazonas. Nos impressionamos com a imensidão, grandeza e vazão do Amazonas (200.000 m³/s). A evapotranspiração não fica para trás. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a quantidade de vapor de água evaporada pelas árvores da floresta pode ser a mesma ou até maior do que a vazão do Amazonas.

Outra parte dessas massas de ar carregadas de vapor de água são direcionadas para o Sul, os rios voadores percorrem centenas e milhares de quilômetros, levam umidade que se transforma em chuva para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além dos países vizinhos. Vale lembrar que essas chuvas abastecem o próprio Pantanal que, além do desmatamento e dos incêndios, atravessa estiagem histórica. Assim, outras áreas abastecidas pelos rios voadores passam por estiagem em 2020: o Paraná, onde há neste momento racionamento de água em Curitiba e região metropolitana, e o Rio Grande do Sul, que passou por uma estiagem de mais de seis meses no início do ano, com consequências para centenas de municípios gaúchos.

O caminho dos rios voadores. (Fonte: Projeto rios voadores)

A Amazônia é essencial para o regime de chuvas e clima para a região Sul. E essa água que chega até aqui é devido às árvores e à floresta em pé. As consequências já sentidas, amplamente estudadas e descritas por vários cientistas e centros de pesquisa (CPTEC, Inpa, Inpe, LBA e Imazon)[2], e nos cenários colocados nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), tendem a se intensificar e aprofundar com o modelo predatório do agronegócio brasileiro, encabeçado pelo projeto ecocida e genocida do Bolsonaro e Salles.

Faz-se necessário derrotar os capatazes, mas também esse modelo capitalista agroexportador, que alimenta os países do capitalismo central, caso contrário as chamas continuarão cada vez mais freqüentes e intensas, assim como a falta de água e os períodos de estiagem no Sul do Brasil. Essas chamas não queimam somente a floresta lá no Norte, mas a umidade, as chuvas e a água no Sul.

 

Notas:

[1] Filme “Amazônia em chamas” de 1994. Disponível aqui.

[2] Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

 

Leia mais