Além das consequências sociais, o Vaticano enfrenta recuperação espiritual e pastoral

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20 Abril 2020

"Durante a pandemia, o Papa Francisco se pôs mais ou menos como o pároco do mundo, celebrando uma missa transmitida ao vivo diariamente e, em momentos-chave, rezando e dando bênçãos que têm servido de símbolos de esperança extremamente necessários. Sem dúvida, o papa deseja que quando ele falar do “dopo”, isto é, do “depois” desta crise, a dimensão espiritual e pastoral esteja tão premente quanto a dimensão social e política. Vai ser interessante olhar como ele escolherá responder a esses níveis também", escreve John L. Allen Jr, jornalista, em artigo publicado por Crux, 17-04-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo. 

Tentando superar a curva de achatamento da pandemia de coronavírus, o Vaticano anunciou nesta quarta-feira, dia 15, a criação de cinco grupos de trabalho para enfrentar as necessidades imediatas e os desafios da reconstrução assim que a crise começar a diminuir.

O Cardeal Peter Turkson, de Gana, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, disse, na quarta-feira, que o papa lhe pediu, em março, que fosse estabelecida uma comissão para coordenar a resposta da Igreja, que se organizará em cinco grupos:

  • Caridade: grupo para “ouvir e apoiar as igrejas locais” em cooperação com a Caritas Internationalis, com a Esmolaria Apostólica e com a Congregação para a Evangelização dos Povos, na identificação de necessidades concretas.
  • Pesquisa: grupo dedicado ao estudo da pandemia e à reflexão sobre a sociedade e as consequências, em coordenação com a Pontifícia Academia para a Vida, a Pontifícia Academia das Ciências e a Pontifícia Academia das Ciências Sociais.
  • Comunicações: grupo em cooperação com o Dicastério para a Comunicação para fornecer informações sobre os outros grupos e promover a comunicação com igrejas locais em todo o mundo.
  • Relações Exteriores: grupo coordenado pela Seção de Relações com os Estados, da Secretaria de Estado, para coordenar o trabalho social do Vaticano junto a outros países e organismos internacionais.
  • Finanças: grupo financeiro criado para angariar recursos de apoio a igrejas locais, organizações católicas e às atividades dos outros grupos de trabalho.

Juntos, estes cinco grupos parecem representar um esforço amplo no enfrentamento dos desafios sociais e políticos gerados pela pandemia, em sintonia com a preocupação do papa de que as desigualdades que já alimentavam aquilo que ele chama de “cultura de descarte” poderão se exacerbar.

É claro que o Papa Francisco tem ciência de que instituições mundiais como a ONU, a União Europeia, o governo americano e outros também estão ponderando essas questões, embora nenhuma sob a perspectiva exclusiva do Vaticano. No mais, existem também desafios aos quais apenas o Vaticano está em posição de responder, em relação às consequências espirituais e pastorais da pandemia.

A lista potencial dessas questões é longa, mas aqui apresento uma amostra de seis.

Liberdade religiosa: Em todo o mundo, os governos impuseram restrições à vida litúrgica e sacramental da Igreja. Na maioria dos casos, as autoridades eclesiásticas aceitaram tais limitações como razoáveis, mas algumas mostraram-se polêmicas e haverá a necessidade de uma revisão “posterior ao fato” sobre as lições aprendidas. Também há dúvidas sobre se os Estados que assumiram o poder de regular a atividade religiosa durante a emergência abandonarão totalmente esses poderes quando a crise tiver passado.

A missa: Há mais de um mês, católicos em grande parte do mundo estão impossibilitados de comparecer à missa de domingo, com alguns migrando para opções digitais e outros desligando-se completamente. Alguns bispos e teólogos declararam, em privado, que o “jejum eucarístico” forçado levará a um renascimento pós-crise na missa, já que as pessoas que participam dela sem grandes intenções passarão a fazê-lo com outra mentalidade. Talvez, mas também pode ser que alguns que se acostumaram a não ir à missa nunca mais voltem, enquanto outros decidem que estão satisfeitos com o espaço virtual. Pode haver a necessidade de uma nova rodada de catequese e evangelização litúrgica, tanto para os que voltam quanto para os que, pelo menos temporariamente, ficarem longe.

Confissão: A demanda por confissão pode aumentar rapidamente assim que a normalidade retornar, e os pastores precisarão de orientações sobre como lidar com este aumento, incluindo se a autorização limitada do Vaticano em março, para o chamado Terceiro Rito de Confissão, ou seja, para grupos, poderá se estender. Os confessores também podem encontrar um novo conjunto de “pecados de quarentena”, decorrentes da dinâmica destes meses de encerramento doméstico. Historicamente, a teologia moral católica desenvolveu-se a partir de manuais para confessores, textos escritos na Idade Média para ajudar os padres a distinguirem a severidade de vários pecados, e essa crise pode deixar os confessores precisando de orientação semelhante.

Um vade mecum de quarentena: Esta pode não ser a última vez que um vírus atinge o mundo e, mesmo sem uma crise mundial, pessoas e famílias inteiras podem, de tempos em tempos, se ver isoladas por longos períodos. Um manual de boas práticas espirituais e pessoais, com base nas experiências do coronavírus, pode ser realmente útil daqui para frente.

Espiritualidade: Na quinta-feira, o número total de mortes por coronavírus chegou a quase 140 mil, o que significa que o número de pessoas tocadas pelos falecimentos, seja pela perda de um membro da família ou de um amigo, é bem maior. Em muitos casos, a dor agravou-se pela impossibilidade de realizar um funeral. Outros têm enfrentado as dificuldades do isolamento e podem se sentir incapazes de encontrar consolo na oração ou na devoção convencionais. Os pastores precisarão abordar essas questões em confissões, homilias, visitas domiciliares e em várias outras situações, e provavelmente vão gostar de ter alguns recursos e sugestões úteis.

Santidade: Toda grande calamidade gera heróis, a começar, neste caso, com os médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros profissionais de saúde que formam a linha de frente da resposta à crise. Pelo menos alguns que deram a vida o fizeram motivados pela católica. Também existem numerosos padres e religiosos que fizeram sacrifícios semelhantes. Em 2017, o Papa Francisco criou uma nova categoria de santidade para os fiéis que morreram prematuramente por meio da doação da própria vida em amor a Deus e ao próximo, mesmo que sua morte não atenda à definição tradicional de martírio porque não havia perseguidor. Pode haver muitos casos desse tipo de coronavírus, e a Igreja talvez queira começar a coletar testemunhos e documentação enquanto as memórias estão frescas.

Durante a pandemia, o Papa Francisco se pôs mais ou menos como o pároco do mundo, celebrando uma missa transmitida ao vivo diariamente e, em momentos-chave, rezando e dando bênçãos que têm servido de símbolos de esperança extremamente necessários.

Sem dúvida, o papa deseja que quando ele falar do “dopo”, isto é, do “depois” desta crise, a dimensão espiritual e pastoral esteja tão premente quanto a dimensão social e política. Vai ser interessante olhar como ele escolherá responder a esses níveis também.

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