“No mínimo, a França deveria reembolsar mais de 28 bilhões de dólares americanos ao Haiti”. Entrevista com Thomas Piketty

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30 Janeiro 2020

O jornal Le Nouvelliste publicou uma entrevista realizada pelo doutor em economia Thomas Lalime, cronista da seção de economia do jornal, com o famoso economista francês Thomas Piketty sobre como seus trabalhos poderiam ajudar a esclarecer a escolha das políticas públicas no Haiti. O diretor de estudos na Escola Superior de Ciências Sociais e eminente professor da Escola de Economia de Paris, Piketty, respondeu com transparência e sem maquiagem suas perguntas.

Segundo os cálculos, “a dívida da Independência representava, em 1825, o equivalente aproximado de três anos da produção do Haiti (300% do PIB, diríamos na linguagem de hoje). Isso sem sequer levar em conta os interesses dos banqueiros franceses, e os anglo-saxões que não os deixaram parar de pagar, até 1950, em troca do “refinanciamento dessa dívida”.

Hoje, no mínimo, a França deveria reembolsar o Haiti com o equivalente a três anos do atual PIB haitiano, ou seja, mais de 28 bilhões de dólares norte-americanos. Nota-se que o PIB nominal subia para 632 trilhões de gourdes (moeda haitiana) no ano fiscal de 2017-2018, ou seja, 9,6 bilhões de dólares norte-americanos , com a taxa de câmbio, então, de 65,6 gourdes por um dólar dos Estados Unidos.

A entrevista é de Thomas Lalime, publicada por Le Nouvelliste e reproduzida por Rebelión, 29-01-2020. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Depois de "O Capital no século XXI", em 2013, você apresenta ao público em geral "Capital e ideologia", em 2019, a fim de apresentar uma imagem bastante fiel das desigualdades. O Haiti, uma ex-colônia francesa, continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. O Haiti ocupou um lugar importante em suas pesquisas?

Meu novo livro, Capital e ideologia, apresenta uma história de regimes de desigualdade, em particular os sistemas de justificação ideológica das desigualdades. O caso do Haiti tem um papel muito importante em meu livro, porque a maneira pela qual a ilha foi tratada pelo poder colonial francês e pelos antigos proprietários de escravos ilustra, de maneira extrema (mas infelizmente representativa), a brutalidade da ideologia proprietária em vigor no século XIX, tendo como fundamento uma quase-sacralização dos direitos dos proprietários, quaisquer que sejam as origens e formas de propriedade.

Por que, na sua opinião, as desigualdades são tão escandalosas no Haiti? Qual é o papel da herança colonial na emergência, agravamento e persistência dessas desigualdades de riqueza no Haiti?

A revolta de escravos no Haiti é sem dúvida o momento mais subversivo da Revolução Francesa. Alguns na França estavam dispostos a responder positivamente a ela. No final, a linha que foi imposta em Paris foi dura e repressiva. Em 1825, a monarquia francesa impôs uma dívida muito dura ao Haiti para compensar os proprietários de escravos despojados de seus direitos de propriedade. Essa dívida injusta pesava muito sobre o desenvolvimento econômico, político e humano da ilha. A dívida foi paga oficialmente até meados do século XX. Na verdade, até hoje essa pesada herança escravagista e colonial faz sentir seus efeitos.

Você propõe tributar os mais ricos, mas em países de baixa renda como o Haiti, onde as instituições são muito fracas, os ricos costumam monopolizar o aparato estatal que deveria proceder para impor esses impostos. Frequentemente, eles não pagam impostos ou pagam muito pouco. Os ricos podem facilmente causar a mudança de um governo ou de um funcionário que gostaria de fazê-lo pagar mais. Como aplicar uma medida semelhante nesse contexto?

Penso que todos os países, incluindo o Haiti, precisam deixar claro quem é dono do quê, quem recebe determinada renda e quanto uns e outros pagam ou não de impostos para contribuir com a infraestrutura coletiva, o sistema educacional e o sistema de saúde. Um sistema tributário justo deve se basear em um imposto progressivo sobre a propriedade e em um imposto progressivo sobre a renda.

Qualquer que seja o grau de desenvolvimento do país e da administração fiscal, os governos devem se comprometer a registrar as propriedades e a renda de seus cidadãos, aplicar os impostos apropriados e publicar os resultados dessas operações. Quantos contribuintes foram registrados com tal e tal nível de patrimônio e renda, em tal cidade, ano após ano. Assim, os cidadãos podem ter uma ideia do progresso (ou falta de progresso) da administração tributária, podem solicitar contas e se apropriar da questão da justiça fiscal e social.

O Haiti foi forçado a pagar uma dívida da independência de 150 milhões de francos-ouro em 1825, ou seja, uma quantia capitalizada de mais de 21 bilhões de dólares hoje, o que em grande parte afundou a possibilidade de sua decolagem econômica. Você considera que o Haiti hoje tem direito a uma reparação por parte da França?

Essa dívida representava, em 1825, o equivalente a cerca de três anos de produção do Haiti (300% do PIB na linguagem de hoje). Isso sem levar em conta os interesses dos banqueiros franceses, e os anglo-saxões não os deixaram parar de pagar até 1950, em troca do “refinanciamento dessa dívida”. Hoje, no mínimo, a França deveria reembolsar o Haiti com o equivalente a três anos do atual PIB haitiano.

Em meu livro, também estudo formas mais ambiciosas de justiça transnacional, baseadas na desigualdade de acesso à educação e a outros bens fundamentais, onde quer que alguém tenha nascido, independentemente das origens de uns e de outros e de qualquer lógica de solidariedade intergeracional. Na prática, isso conduziria a uma compensação muito mais importante ainda em benefício dos jovens haitianos. Mas a partir do momento em que uma norma de justiça desse tipo não é implementada, é preciso aceitar, então a lógica das reparações.

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