Irlanda. Por dentro do inesquecível encontro entre o Papa Francisco e sobreviventes de abusos

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03 Setembro 2018

O encontro mais extraordinário da história da Igreja Católica na Irlanda foi um acontecimento planejado muito rapidamente. Na noite do último sábado, oito sobreviventes de abusos clericais se encontraram com o Papa Francisco na residência do núncio papal. Os convites aconteceram apenas uma semana antes da visita, depois de constantes petições do arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, ao Vaticano, pedindo que o Papa reservasse tempo para se encontrar com sobreviventes de abusos. A confirmação da hora e do local ocorreu apenas no dia anterior.

A reportagem é de Ronan McGreevy, publicada por The Irish Times, 01-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Os selecionados para participar foram Clodagh Malone e Paul Redmond, o vereador de Dublin, Damian O'Farrell, que foi abusado sexualmente quando criança, Bernadette Fahy, que passou grande parte de sua infância no Orfanato Goldenbridge, a conhecida militante e vítima do abuso sexual clerical, Marie Collins e uma vítima anônima do notório padre pedófilo, Pe. Tony Walsh.

Havia também dois padres presentes. Joe McDonald da Igreja de São Mateus em Ballyfermot e Paddy McCafferty da paróquia de Corpus Christi em Belfast. Eles também foram vítimas de abuso sexual clerical e são grandes críticos da Igreja.

Todos se encontraram na residência do arcebispo de Dublin em Drumcondra e foram transferidos para a residência do núncio papal por uma escolta.

Às 17h15, depois de um longo dia que iniciou 12 horas antes, o Papa entrou em uma sala com seu tradutor Padre Mark Miles, um padre de Gibraltar que o acompanha em todos os lugares.

Não havia mais ninguém e nenhuma verificação de segurança. O grupo não foi solicitado a deixar seus celulares na entrada.

Informalidade

Os oito estavam sentados em círculo. Francisco sentou na frente deles. O Pe. McCafferty notou a informalidade, mas a atmosfera estava longe de ser descontraída.

“Nós pensamos que haveria 100 sobreviventes em uma sala. Achamos que ele nos daria a bênção”, disse Malone.

O’Farrell disse que escreveu suas perguntas em um cartão de sinalização, acreditando que não receberia mais do que um ou dois minutos da atenção de Francisco.

O grupo esperava uma conversa de no máximo meia hora, mas o Papa os ouviu por uma hora e meia. Um de cada vez, os sobreviventes foram falando. O processo foi lento, pois tudo tinha que ser traduzido de um lado para outro.

O Papa usou de um linguajar incomum. Precisamente, utilizou o termo “caca” para se referir àqueles que encobrem abusos.

Malone pediu ao papa que dissesse às mães biológicas que perderam seus bebês para os lares de mães e bebês que elas não fizeram nada de errado, também pediu reconciliação e reunião para essas famílias.

Redmond continuou e disse ao Papa que 100 mil mães e bebês de tais lares haviam se envolvido em adoções na Irlanda. Francisco pediu esclarecimentos sobre o caso.

"Ele colocou as mãos na cabeça e começou a sacudi-la", lembrou Malone.

O Papa disse a eles que mães solteiras tiveram seus bebês tirados de si na Argentina, mas que foram realocados com parentes e não com estranhos.

Clima tenso

O’Farrell lembrou que a atmosfera era tensa, mas civilizada. “Era difícil, mas Francisco é um cavalheiro da terceira idade. Houve um reconhecimento disso. Foi muito apaixonante. As pessoas falavam com seus corações”, completou.

O’Farrell apontou ao Papa que muitas vítimas são abusadas duas vezes - primeiro pelos perpetradores e depois pelas ordens religiosas que obstruem seus esforços para obter justiça. Ele ainda disse que devia um pedido de desculpas aos fiéis - "e eu não sou um deles" - que viram sua fé ridicularizada por causa das ações da Igreja institucional.

Francisco ouviu atentamente e depois contou uma história sobre uma carta que enviara aos cardeais antes do conclave que o elegeu em 2013. "Jesus está batendo à porta. Ele está batendo de dentro para fora, tentando sair desta Igreja que está cheia de corrupção e sujeira", disse o Papa.

Marie Collins renunciou da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores no ano passado, frustrada com os bloqueios da Cúria Romana em relação às reformas.

A comissão havia recomendado a criação de um tribunal centralizado - de responsabilidade do Vaticano -, que julgaria bispos e cardeais suspeitos de encobrir o abuso sexual clerical. O Papa concordou com essa recomendação na época.

Por que então, ela perguntou a ele em Dublin, ele não o implementou?

Collins ficaria amargamente desapontada com a eventual resposta dele, dita no avião para Roma, quando Francisco a acusou de estar "obcecada" com a ideia e que não funcionaria com padrões diferentes em Igrejas diferentes. (Nota de IHU On-Line: Ver o artigo de Marie Collins publicado aqui)

O Padre McCafferty foi o penúltimo a falar. Ele lembrou ao Papa que havia dito à sua congregação em Belfast, apenas algumas semanas antes, que ele não deveria ir à Irlanda. Em vez disso, deveria ficar em Roma e lidar com os escândalos de abuso.

“O Papa sorriu quando eu falei isso, o que aliviou um pouco a atmosfera. De todo modo, ele relatou que a reunião foi ‘altamente estressante e intensa. Não foi moleza’”, disse o Padre McCafferty.

O Pe. McCafferty expressou brevemente a sua opinião ao papa: “Aqueles que estão no mais alto nível da Igreja, que encobrem e lidam de forma incompetente com essas alegações de abuso, devem enfrentar penalidades. Ninguém deve ser isentado da demissão do estado clerical - que é a penalidade máxima”.

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