China, o bispo ''clandestino'': ''Seguimos o papa e confiamos no Senhor''

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17 Fevereiro 2018

Ele, com sua comunidade, seguirá o papa e a Santa Sé, “independentemente de como acabarem as relações entre a China e o Vaticano”. E, a partir de agora, convida todos os “amigos” de Hong Kong, Macau, Taiwan e de outros lugares ao redor do mundo a deixar de lado a “pretensão de falar em nosso lugar, de falar em nome da Igreja clandestina”, porque, “na realidade atual da República Popular da China, ninguém pode dizer que representa a Igreja clandestina”.

A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 16-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Na “tempestade midiática” destes dias, à qual também não são alheias motivações políticas, e que relança as campanhas orquestradas por alguns grupos em Hong Kong e em alguns setores do Ocidente contra uma possível reviravolta nas relações entre China popular e Vaticano, as palavras de José Wei Jingyi, bispo católico da diocese de Qiqihar, na província a nordeste de Heilongjiang, merecem uma atenção particular. Porque vêm da China. E por causa da autoridade de quem as pronuncia, abertamente.

José Wei Jingyi, nascido em 1958 em Baoding, é uma das figuras mais relevantes e respeitadas da chamada área “clandestina” da Igreja Católica presente na China. Mesmo agora, os aparatos do governo chinês não reconhecem sua ordenação episcopal. Aos 31 anos, ele estava presente como jovem sacerdote – com tarefas não marginais – na reunião que cerca de 20 personalidades, bispos “clandestinos” ou seus delegados, realizaram em novembro de 1989, no pequeno vilarejo de Zhangerce, na província centro-setentrional de Shaanxi, com a intenção de dar vida à Conferência Episcopal da China que operasse fora do controle do governo.

Wei, consagrado bispo secretamente em junho de 1995, viveu no passado três períodos de detenção e de restrição das liberdades pessoais. O mais longo deles foi após a “reunião secreta” de Zhangerce e durou mais de dois anos, de setembro de 1990 a dezembro de 1992. Também por causa disso, hoje, suas palavras soam mais do que nunca eloquentes e exigentes.

Eis a entrevista.

Dom Wei, há uma grande atenção e também estranhas iniciativas sobre a situação presente e futura da Igreja Católica na China...

Desde o fim de janeiro, quando começaram os rumores sobre um possível desdobramento nas relações entre a China e o Vaticano, seguiram-se muitas reportagens, comentários, análises e hipóteses sobre essa questão. Ouvindo o que foi divulgado na mídia, há quem ficou desapontado, e outros, emocionados. Há também aqueles que falam em nome da comunidade “clandestina” e levantam a voz dizendo que devem defendê-la das injustiças. Dizem que a Igreja clandestina na China é a “vítima” do papa e da Cúria Romana no processo para melhorar as relações entre o governo chinês e o Vaticano.

E o senhor, Dom Wei, como vê para tudo isso?

Sou um bispo da comunidade clandestina da Igreja Católica no continente chinês. Exprimo minha gratidão por aqueles que se interessam por nós e nos ajudaram de todos os modos. Mas também quero dizer a todos que a China é imensa, que a condição da Igreja varia de um lugar para outro, e isso vale principalmente para a Igreja clandestina. Então, quero pedir aos amigos de fora da China continental, incluindo os de Hong Kong, Macau, Taiwan e todos os outros espalhados pelos vários continentes, de todo o coração: por favor, não falem em nosso nome, não tenham a pretensão de falar em nosso lugar, de falar em nome da Igreja clandestina. Peço-lhes isso porque não são vocês que podem representar a Igreja clandestina que está na China.

Alguns apresentam a área eclesial “clandestina” como uma realidade preocupada ou até mesmo hostil diante da possibilidade de um entendimento entre Pequim e a Santa Sé. Como está a situação?

Na realidade atual da República Popular da China, ninguém pode dizer que representa a Igreja clandestina. Se alguém recebeu de uma comunidade particular ou de uma única pessoa o pedido de divulgar mensagens em nome deles, que declare abertamente que fala em nome e em prol dessa determinada comunidade ou daquela pessoa individual, e de ninguém mais. Eu mesmo não quero ser “representado” por outra pessoa, sem ser sequer informado. E, seguindo o que a fé me sugere, em meu nome e no da comunidade confiada por Deus ao meu cuidado pastoral, quero declarar solenemente: independentemente de como acabem as relações entre a China e o Vaticano, nós obedeceremos totalmente a decisão do papa e da Santa Sé, seja ela qual que for. E nem sequer perguntaremos o porquê.

Em que baseia essa confiança? É apenas respeito pelas decisões da autoridade eclesiástica?

Quando Abraão foi chamado por Deus, as condições ao redor dele eram duras e desfavoráveis. Abraão não pediu a Deus que mudasse a situação antes de se mexer. Abraão apenas teve fé em Deus, no seu Deus, que o havia chamado. Ele se confiou a Deus sem hesitar. Quando Deus me chamou, os seminários na China ainda não tinham sido reabertos. Mas Deus me deu Sua luz. Ele me fez entrever também qual podia ser o futuro da Igreja na China. Quando fiz o pedido para entrar no seminário recém-aberto, me disseram que eu devia fazer um exame admissional. Preparei um texto de apresentação com este título: “Se o fim de um duro inverno chegou, será que a primavera pode estar longe?”.

E agora?

Agora devemos olhar para o tempo presente. A situação ao nosso redor não está ótima, longe disso, e isso faz com que muitas pessoas se preocupem. Mas, agora também, a nossa ajuda vem do Senhor. Foi Ele quem criou o céu e a terra e todo o universo. Nossa esperança está totalmente confiada ao Senhor. É só Ele que a conservará. Será Ele que não nos fará sentir vergonha de nós mesmos. Por isso, as palavras do cardeal Parolin, que eu pude ler, me encorajaram muito.

O que, em particular, lhe confortou naquelas palavras?

Há muito tempo, nós da Igreja da China, só sabíamos que a Santa Sé e a República Popular da China estão negociando para superar as distâncias. Mas as negociações eram confidenciais, e não tínhamos como avaliar quais critérios estavam inspirando o diálogo. Também por isso, encontravam espaço as vozes daqueles que espalhavam preocupação sobre o possível acordo. As respostas de Parolin nos confirmaram que não têm fundamento as teses daqueles que defendem que um acordo acabará contradizendo os princípios católicos. O papa não é um político. Os colaboradores do papa não se movem seguindo critérios políticos. Todo seu compromisso é animado e iluminado pela fé. E a fé também alimenta o desejo de que todas as ovelhas retornem à unidade no mesmo rebanho, sob o mesmo pastor. Esta é a tarefa do papa: conservar a comunhão na Igreja.

O senhor se refere também aos bispos ordenados de forma ilegítima?

Entre os sete bispos ilegítimos, há alguns excomungados, e alguns deles fizeram coisas nada boas. Alguém poderá se perguntar: eles ainda são dignos e capazes de guiar as comunidades como bispos? O meu modo de ver as coisas é este: nós sabemos que o papa é pai, e os bispos ilegítimos são como o filho pródigo, cometeram erros e foram embora de casa. Quando o filho se arrepende e pede para retornar ao pai, poderá haver, talvez, motivos pelos quais o pai lhes recusa o perdão? Ao contrário, o pai esperava há muito tempo seu retorno.

Há quem diga que uma coisa é a misericórdia para a pessoa, outra coisa é confiar novamente o exercício do ministério episcopal...

Mas se o papa diz que eles podem ser bispos, então eles podem ser bispos. Tendo uma vez voltado para casa, eles podem viver como parte da família. Devemos nos ajudar, nos encorajar, nos amar e seguir em frente juntos. Tudo isso me faz lembrar aquilo que Jesus diz à mulher adúltera no Evangelho: “Mulher, ninguém te condena? Então eu também não te condeno. Vá e não peques mais”. E também me lembro de outra frase de Jesus: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”.

O que acontece se as coisas mudarem, se uma das partes não manter seus compromissos?

Para encontrar um acordo, sempre é preciso confiar um pouco no outro. Se não houvesse um pouco de confiança recíproca, também não haveria a possibilidade de falar, e não se chegaria a nenhum acordo. A Santa Sé tem como objetivo a propagação da fé em Cristo, enquanto o governo chinês tem outros objetivos. A Santa Sé é séria e não tem nada a esconder quando fala com os Estados. Mas a China também é uma grande nação, que sabe honrar os acordos feitos. Nós, cristãos, sabemos que é possível confiar nas pessoas. E confiamos sobretudo no Senhor. É ele quem guia todas as coisas.

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