A verdade do outro. Artigo de Jean-Claude Guillebaud

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10 Agosto 2018

"A figura de Pierre Claverie esteve presente em minha vida por muito tempo. Eu também nasci na Argélia. Tendo saído de lá aos 3 anos de idade, eu não conheci aquela "bolha colonial", mas um tormento de outra natureza", escreve Jean-Claude Guillebaud, jornalista francês, ex-correspondente do jornal Le Monde, em artigo publicado por La Vie, 07-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini

Eis o artigo.

O título retoma uma expressão cara ao Pierre Claverie, o ex-bispo de Oran (Argélia), que foi vítima de um ataque terrorista em 1996. Um amigo meu de Oran, Bernard Janicot, lembrou-me que tinha acontecido no dia 1º. de agosto. As lembranças logo afloraram. Claverie era um autêntico "pied-noir" (cidadão francês residente na Argélia, pertencente a uma família de colonizadores franceses). Sua família - como aquela da minha mãe - esteve presente na Argélia por quatro gerações. Em seus primeiros escritos, ele observara que, em Bab-el-Oued, onde ele tinha nascido, ninguém sabia quase nada sobre os argelinos e muito menos do Islã. Os primeiros eram chamados de "os indígenas". O segundo, com os minaretes e as chamadas do muezim, fazia parte da cor local. Essa falsa proximidade representava aquela que, mais tarde, ele chamou de "bolha colonial". Sua vida inteira foi condicionada por isso.

Como pré-adolescente, Claverie se adaptava sem problemas, se envolvendo com paixão no escotismo. Então, após o exame de graduação, ele deixou a Argélia para continuar seus estudos na "metrópole", de acordo com a expressão usada na época para indicar a França. A distância abriu seus olhos. Em especial, sobre aquela "bolha colonial" mais carregada de paternalismo e injustiça do que ele pudesse imaginar.

Sobre o assunto, foi extremamente claro. "Nós não éramos racistas, apenas indiferentes. (...) Não fizemos nada, nós, Claverie, para sermos concretos, para nos informar sobre a verdadeira situação dos árabes".

A escolha da vida religiosa nos Dominicanos foi uma resposta pessoal àquela indiferença que, em retrospectiva, continuava a não perdoar a si mesmo. Lembrava-se daquelas "muitas homilias sobre o amor ao próximo, sem nunca perceber que também os árabes são o nosso próximo".

Ao longo de sua vida sentiu a necessidade de estabelecer, finalmente, com aquele "outro" um diálogo de fraternidade e respeito. Em 1965 ele foi ordenado sacerdote. Dois anos depois, voltou a morar na Argélia independente para participar da construção do novo país. Obedecendo a uma urgência interior, aprendeu o árabe e se tornou um bom conhecedor do Islã.

A figura de Pierre Claverie esteve presente em minha vida por muito tempo. Eu também nasci na Argélia. Tendo saído de lá aos 3 anos de idade, eu não conheci aquela "bolha colonial", mas um tormento de outra natureza. Minha mãe era "pied-noir", nascida em Constantine. Sua mãe tinha nascido em Guelma. Ao chegar à França, em Charente, a cidade de meu pai, eu não tinha lembranças pessoais de Argel nem de Constantine.

Mas minha infância ainda estava imersa na cultura, na sensibilidade, nas referências - e no sotaque! – que chegavam a nós pelas tias, primos, amigas da minha mãe. Todos os domingos ela preparava o cuscuz. Eu tinha 10 anos quando a guerra argelina começou em 1954 e 18 quando acabou. Eu então vivi de longe e "por procuração" aquela tragédia.

Minha mãe defendia ferrenhamente a Argélia francesa. Meu pai, ao contrário, gaullista indefectível, alinhava-se com o general De Gaulle. Essa cisão argelina, política e afetiva, acarretou, desde 1956, a separação dos meus pais. Minha infância sofreu a tal ponto que não retornei à Argélia até os meus sessenta anos. Por ocasião de um dos meus "retornos", fui recebido em Oran por Jean-Paul Vesco, o novo bispo. Ele me hospedou no quarto de Pierre Claverie, que tinha sido deixado como naquela época. Uma cama simples, uma mesinha, uma prateleira ...

Eu nunca tinha me sentido tão intensamente comovido. Aquela lembrança está sempre presente em mim.

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