Domingo de Ramos – Ano C – Estamos diante de duas cruzes: a cruz de Cristo e a cruz da humanidade

09 Abril 2022

 

"Sim, estamos diante de duas cruzes: a cruz de Cristo e a cruz da humanidade. A cruz da humanidade crucifica milhares e milhares de pessoas de uma forma ou de outra com sofrimentos que não precisariam e não deveriam existir. Esses são a manifestação viva dos servos sofredores de hoje, multiplicados entre nós, como nos fala a 1ª leitura. Na prática, é sempre a mesma cruz de Cristo, porque 'o que fizer ao menor dos meus irmãos é a mim que o fazeis', disse Jesus. Foi escandaloso para os discípulos ouvir Jesus anunciando sua morte de cruz. Foi escandaloso para os amigos de Jesus vê-lo pregado na cruz. Assim deverá ser escandaloso para um cristão e uma cristã ver tantos homens e mulheres, jovens e crianças, sendo crucificados por injustiças e pela falta de sensibilidade humana. Essa Liturgia nos ensina que além do louvor a Cristo é preciso assumir com ele o compromisso de fidelidade ao Reino e esta fidelidade passa pela cruz e pela incompreensão de muitos."

 

A reflexão é de Liane Terezinha Berres, religiosa da Congregação Filhas do Amor Divino - FDC. Ela possui graduação em teologia pelo Instituto Missioneiro de Teologia, Santo Ângelo, e especialização em teologia da Vida Religiosa. Atualmente vive em Cerro Largo/RS, é agente de pastoral e integra o comitê gestor de sua Província.

 

 

Leituras do Dia

 

1ª Leitura - Is 50,4-7
Salmo - Sl 21,8-9.17-18a.19-20.23-24 (R.2a)
2ª Leitura - Fl 2,6-11
Evangelho - Procissão - Lc 19,28-40
Evangelho - Lc 22,14-23,56

 

Neste final de semana celebramos o Domingo de Ramos e Paixão do Senhor. Seguindo os passos de Jesus no caminho da cruz, fazemos memória de sua entrada em Jerusalém. Esta liturgia marca o início da Semana Santa, centro do grande acontecimento da nossa fé: o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Com os ramos nas mãos, reconhecemos e aclamamos que Jesus é o verdadeiro Messias, a manifestação de Deus, que veio trazer a salvação para a humanidade. A multidão o acolhe com alegria e entusiasmo, pois ele chega à maneira dos pobres, com humildade, num total despojamento, montando um jumentinho. Lembramos que logo, uns dias depois de ser acolhido com entusiasmo pelo povo, Jesus é levado ao julgamento e condenação pelas autoridades.

 

A liturgia da Palavra deste final de semana nos leva a vivenciar uma profunda experiência. Dada a situação mundial, com guerras, desemprego, fome, vulnerabilidade social, conflitos e outras mazelas que afetam a vida do povo, especialmente dos mais pobres, percebemos duas faces da mesma fé, na Liturgia deste domingo. A fé em Cristo é única, mas ali ela mostra duas situações distintas: a manifestação da fé pela louvação e a manifestação da fé na dureza do sofrimento, a ponto de deixar nossa esperança por um fio, como cantamos no salmo responsorial, “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste” (Sl 21). Essa exclamação nos coloca diante de sensações do abandono em relação a Deus e essas, não são poucas, no atual contexto mundial e local.

 

No início da celebração, no Evangelho de Lucas (Lc 22,14-23,56), o povo demonstra uma fé alegre: cantando, louvando e aclamando Jesus como rei e Senhor, reconhecendo também em Jesus aquele que veio como trazendo a paz. Cantar, louvar, aclamar com certeza é bonito, importante e necessário, porque participamos da glorificação que Jesus recebeu do Pai, como diz a segunda leitura (Fl 2,6-11): “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo o nome” e assim “toda a língua proclame: Jesus Cristo é o Senhor”, para a glória de Deus Pai”. (Fil 2,9.11). 

 

Mas existe a outra parte que, neste momento histórico, nos leva a considerar como urgente. O drama de Deus para salvar a humanidade também torna-se nosso, pois o grito de Jesus é o grito de tantos irmãos e irmãs sofredores.

 

Somos convidados e convidadas, uma vez mais, a nos tornar parceiros e parceiras de Deus para que o mundo viva os valores do Reino. Pois Deus conta conosco para sermos seus instrumentos de paz e amor, como rezava São Francisco de Assis. Quando nos fazemos parceiros de Deus, como refletimos durante a Quaresma, somos convidados, muitas vezes, a mostrar o nosso rosto - e por que não dizer a cara? - para defender nossa posição de cristãos e cristãs... é quando corremos o risco de ter que oferecer nosso rosto para bofetadas e abrir os ouvidos para ouvir desaforos, como dizia a 1ª leitura: “Oferecerei as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas o Senhor é meu auxiliador...” (Is 50,6-7). E isso é um tanto assustador.

 

Mas em meio a tudo isso, o que nos dá alento, força, coragem e alimenta a nossa fé, é lembrar que o grito de Jesus também é revelador de sua total confiança em Deus. Ele não está sozinho: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Lembramos também que sua morte não será o fim, pois, no terceiro dia, a semente sepultada renascerá exuberante.

 

Todo esse envolvimento da preparação da Páscoa de Jesus Cristo nos encaminha a um compromisso de vida, especialmente quando se refere ao drama de Deus para salvar a humanidade. Diante desse compromisso podemos diferenciar três atitudes de cristãos e cristãs:

 

Que esta celebração nos ajude a compreender mais e mais esta realidade do compromisso da fé: entrar na festa nos comprometendo com o projeto do Reino. A grande maioria dos cristãos gostam de olhar para Cristo, mas não querem assumir com Ele um Projeto de Vida, para o bem dos irmãos e irmãs. Muitos cantam “hosanas” e acenam com ramos, mas poucos se empenham em favor do projeto de Deus, como fez Jesus Cristo. Somos chamados a mudar essa consciência, pois olhar para a cruz de Cristo significa também olhar e comprometer-se com a cruz de milhares de irmãos e irmãs sofredores.

 

Sim, estamos diante de duas cruzes: a cruz de Cristo e a cruz da humanidade. A cruz da humanidade crucifica milhares e milhares de pessoas de uma forma ou de outra com sofrimentos que não precisariam e não deveriam existir. Esses são a manifestação viva dos servos sofredores de hoje, multiplicados entre nós, como nos fala a 1ª leitura. Na prática, é sempre a mesma cruz de Cristo, porque "o que fizer ao menor dos meus irmãos é a mim que o fazeis", disse Jesus. Foi escandaloso para os discípulos ouvir Jesus anunciando sua morte de cruz. Foi escandaloso para os amigos de Jesus vê-lo pregado na cruz. Assim deverá ser escandaloso para um cristão e uma cristã ver tantos homens e mulheres, jovens e crianças, sendo crucificados por injustiças e pela falta de sensibilidade humana. Essa Liturgia nos ensina que além do louvor a Cristo é preciso assumir com ele o compromisso de fidelidade ao Reino e esta fidelidade passa pela cruz e pela incompreensão de muitos.

 

Alimentemos em nós a esperança, a coragem e disposição de assumir em nosso projeto de vida o Projeto de Deus, manifesto em Jesus, como modo de ser, de pensar e de agir. Uma abençoada Semana Santa.

 

Leia mais: