Mina Guaíba está suspensa no RS, mas projeto de desmonte ambiental segue sem alteração. Entrevista especial com Marcelo Dutra da Silva

"O setor carbonífero é forte e bem estruturado, tem apoio e permanece nos planos do governo", afirma o professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Foto: Agapan

Por: Patricia Fachin | 08 Outubro 2021

 

As recentes declarações do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, sobre o arquivamento do projeto da Mina Guaíba no estado, não sugerem o inicio de uma mudança de postura em relação aos investimentos no polo carboquímico. Afinal, segundo Marcelo Dutra da Silva, "o governo Leite tentou impedir a participação popular no processo de instalação da 'Mina Guaíba', promoveu mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente e mais recentemente avançou algumas casa no desmonte do sistema de proteção ambiental do Estado, ao conquistar a aprovação do uso de moléculas químicas de lavoura (agrotóxicos) de uso proibido em seus países originários".

 

O discurso do governador, ao contrário, "pode ter como intenção verdadeira, apenas, esconder que a estratégia de desenvolvimento do Rio Grande, baseada no carvão, foi derrotada e que é melhor deixar que caia no esquecimento". Entretanto, a suspensão do projeto, "deve ser recebida como vitória da mobilização da sociedade civil organizada", destaca na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

 

Silva também não vê nas declarações do governador uma estratégia para se lançar na disputa eleitoral de 2022. Elas podem ser compreendidas, afirma, como "uma mensagem oportuna" em um momento em que "o mundo debate sobre mudanças climáticas, que os EUA pressionam por mais responsabilidade ambiental e que a China anuncia, em plena Assembleia Geral da ONU, que não vai mais investir em termas de carvão".

 

Marcelo Dutra da Silva (Foto: Arquivo pessoal)

Marcelo Dutra da Silva é graduado em Ecologia pela Universidade Católica de Pelotas - UCPel, mestre e doutorado em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Atualmente, leciona na Universidade Federal do Rio Grande - FURG, no Instituto de Oceanografia - IO. É coordenador do Laboratório de Ecologia de Paisagem Costeira - LEPCost e vice-presidente da Sociedade de Ecologia do Brasil.

 

Confira a entrevista.

 

IHU - Alguns especulam que a fala do governador do RS, Eduardo Leite, sobre a suspensão do projeto da Mina Guaíba, é uma estratégia tendo em vista uma possível candidatura à presidência da República. Concorda?

Marcelo Dutra da Silva – Não, necessariamente. Foi uma mensagem oportuna, sem dúvida, comunicar a suspensão de um projeto polêmico no momento que o mundo debate sobre mudanças climáticas, que os EUA pressionam por mais responsabilidade ambiental e que a China anuncia, em plena Assembleia Geral da ONU, que não vai mais investir em termas de carvão. Mas nada além disso.

O “projeto” de desmonte ambiental e flexibilização das normas e regras legais segue sem alteração. E as mudanças na política ambiental chegaram nos municípios, que também estão alterando suas políticas ambientais e flexibilizando normas, como Pelotas, no sul do estado. Por aqui, essas mudanças tiveram início nas alterações do plano diretor, que fragilizaram a estratégia de conservação do nosso projeto de cidade. Agora, está sendo elaborado um novo código ambiental, que deve passar por todas as instâncias até que chegue na Câmara Municipal de Vereadores para o devido debate e concertações entre os pares. É o que esperamos, pelo menos.

 

IHU – Então, como o senhor interpreta a declaração do governador sobre a suspensão do projeto da Mina Guaíba?

Marcelo Dutra da Silva - As afirmações na fala do governador Eduardo Leite (PSDB) ao Flow Podcast, de São Paulo, de que o processo da Mina Guaíba estaria “arquivado” e que a mina “não vai sair”, devem ser recebidas como vitória da mobilização da sociedade civil organizada, que viu neste projeto ruim um risco severo à saúde, ao meio ambiente e à qualidade de vida de milhares de gaúchos.

Alguns sugerem que é o início de uma mudança de postura, mas não consigo ver desta forma, pelo menos ainda não. Afinal, o governo Leite tentou impedir a participação popular no processo de instalação da “Mina Guaíba”, promoveu mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente e mais recentemente avançou algumas casa no desmonte do sistema de proteção ambiental do Estado, ao conquistar a aprovação do uso de moléculas químicas de lavoura (agrotóxicos) de uso proibido em seus países originários. Portanto, mudar o discurso pode ter como intenção verdadeira, apenas, esconder que a estratégia de desenvolvimento do Rio Grande do Sul, baseada no carvão, foi derrotada e que é melhor deixar que caia no esquecimento.

 

 

IHU - O governador tem recebido críticas por ter dito que o projeto está "arquivado". Alguns dizem que, ao contrário, ele foi suspenso por decisão judicial até que a empresa revise o EIA/RIMA. Qual é a diferença entre "arquivamento" e "suspensão" nesse caso?

Marcelo Dutra da Silva - Neste momento, o projeto da “Mina Guaíba” está suspenso e pode ser retomado a qualquer momento. O processo de licenciamento ambiental é público (6354-05.67/18-1) e pode ser consultado no sistema da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler - FEPAM por qualquer cidadão. Não está arquivado, como alguns afirmam. Está, sim, suspenso por decisão judicial para que a empresa sane as omissões de seu EIA/RIMA. Se tivesse sido arquivado, isso significaria dizer que o projeto foi rejeitado, o que não é verdade. Ainda não!

 

(Mapa cedido por Rualdo Menegat)

 

IHU - O que essa decisão significa? Quais as dúvidas e certezas quanto a eventual mudança de rumo?

Marcelo Dutra da Silva - Difícil definir algum significado neste momento. Foi uma decisão isolada, em meio a outras muito ruins. Sinceramente, eu gostaria que o governador estivesse inclinado a percorrer um caminho diferente, em atenção aos nossos ativos ambientais e potencialidades do nosso território, ainda pouco explorados. Riquezas que podem nos garantir um novo ciclo de desenvolvimento, a partir do agronegócio verde e sustentável, que se movimenta sobre trilhos e por meio de rotas hidroviárias, que faz uso de fontes alternativas de energia, que aposta na produtividade, na tecnologia, na redução do veneno, na conservação da biodiversidade e na qualidade de vida. Este é o governo que queremos ver.

 

IHU - Na Assembleia Geral da ONU, o governo chinês comunicou que deixará de investir na construção de usinas termelétricas a carvão no exterior. Essa decisão impacta nos projetos carboníferos do RS? De que modo?

Marcelo Dutra da Silva - Sim! E foi determinante para o anúncio do governador, de que estaria suspenso o projeto “Mina Guaíba”, mesmo que a suspensão não tenha relação direta com a decisão do governo chinês, que terá repercussão no mundo inteiro. Os investimentos programados para o setor talvez não se realizem, o que significa dizer que novos projetos podem não acontecer, inclusive aqui.

 

 

O mundo acordou para o aquecimento global e dois acontecimentos políticos recentes colocaram este debate em outro patamar. A vitória de Biden nos EUA e o reposicionamento energético da China, que anunciou na última Assembleia-Geral da ONU que deixará de ter participação na construção de usinas termelétricas a carvão no exterior. Evidentemente, o governo do Estado contava com o investimento chinês para impulsionar o chamado “polo carboquímico”. Mas, com a China fora e os americanos de volta ao Acordo de Paris, o ambiente de negócio para o uso do carvão mineral, uma fonte suja e poluente de energia, ficou comprometido e talvez inviável.

 

 

IHU - Alguns analistas têm mencionado um possível "desembarque" de alguns setores e do próprio governo do setor carbonífero. Isso está acontecendo?

Marcelo Dutra da Silva - É muito cedo afirmar qualquer coisa neste sentido. O setor carbonífero é forte e bem estruturado, tem apoio e permanece nos planos do governo. Mas é fato que queimar carvão mineral para gerar energia está perdendo sentido. É uma tecnologia ultrapassada, que não dialoga mais com o futuro e fortemente criticada por ser suja, contaminante e contribuinte para o aquecimento global. Ou seja, apostar no carvão como matriz de desenvolvimento é um erro estratégico e tenho esperança de que seja corrigido.

 

 

IHU - Apesar da suspensão do projeto da Mina Guaíba, o Protocolo de Intenções firmado entre o Governo do Estado e a mineradora Copelmi (Expediente nº 18/1701-0000261-2), que oferece facilidades administrativas e fiscais ao setor, ainda vigora. O que isso significa?

Marcelo Dutra da Silva - Isso mais do que confirma a força do setor e o quanto está acolhido pelo governo do Estado, que o vê como estratégico para o nosso desenvolvimento. Talvez seja um furada apostar tanto nisso. E talvez o governador já tenha se dando conta disso. Difícil avaliar.

 

 

IHU - Uma crítica feita ao governo Leite é que ele promoveu um "retrocesso legal" na Política Ambiental do RS, ao alterar mais de 500 pontos no Código Ambiental Estadual e revogar artigos fundamentais do Código Florestal Estadual e fazer alterações na Lei Gaúcha dos Agrotóxicos. Do ponto de vista ambiental, como o senhor avalia o governo?

Marcelo Dutra da Silva - Na minha avaliação, o governador Eduardo Leite assumiu e deu continuidade a uma série de pautas iniciadas no governo anterior, incluindo reformas na política ambiental, reivindicadas pela indústria, pelo agronegócio, mineração... Infelizmente, o governador não vislumbrou que este é um caminho ruim, que segue na contramão do desenvolvimento com características de sustentabilidade. As alterações no Código Ambiental, mais de 500, em prazo recorde, sem a devida apreciação das comissões de Meio Ambiente, de Agricultura e de Economia da Assembleia, foi um duro golpe à democracia ambiental, já que não houve diálogo nem mesmo tempo hábil para permitir a formação de consensos e alternativas em nome do bom senso e interesse coletivo.

Perdemos todos e ficamos menos preparados para as dificuldades que se avizinham, sejam elas impostas pelas mudanças anunciadas pelo aquecimento global ou cobranças que passaremos a enfrentar no mercado internacional. Enfraquecer o rigor ambiental, as regras e medidas que garantem precaução nunca é um bom negócio e vamos descobrir isso em breve.

 

 

IHU - Como o setor carbonífero e os ambientalistas têm reagido à decisão sobre o projeto da Mina Guaíba?

Marcelo Dutra da Silva - Evidentemente estamos em posições opostas. São interesses antagônicos, sem dúvida. Não vejo motivos para o setor estar preocupado. As intenções e os laços de apoio permanecem firmes. Por outro lado, continuamos temerosos, na esperança de ver uma mudança real na política de desenvolvimento, que seja mais saudável, mais justa e responsável. Um Rio Grande forte, que cresce sem negligenciar o futuro das próximas gerações.

 

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