A economia chinesa como alternativa ao Consenso de Washington. Entrevista especial com Luis Antonio Paulino

China | Foto: PQS.pe

Por: Wagner Fernandes de Azevedo | Edição: Patricia Fachin | 08 Mai 2019

As declarações dos membros do Partido Comunista Chinês sugerem que a China considera a atual ordem mundial “injusta e ultrapassada”, porque “os países em desenvolvimento, que respondem por mais de 50% do PIB mundial, não têm voz nem peso nos principais órgãos de governança global, nomeadamente o FMI e o Banco Mundial”. Entretanto, “isso não quer dizer que a China pretenda substituir a atual ordem mundial, com os Estados Unidos no topo, por uma outra ordem sob o seu comando”, afirma o economista Luis Antonio Paulino à IHU On-Line. Na sua avaliação, a atuação chinesa no mercado internacional visa defender “reformas no atual sistema de governança global, que o torne mais equilibrado, multipolar e em sintonia com a nova realidade mundial”.

De acordo com Paulino, embora a China tente “transformar Xangai em um centro financeiro global” para promover a internacionalização do renminbi, moeda oficial do país, os chineses não têm interesse pela completa internacionalização de sua moeda porque “isso implicaria na completa abertura de sua conta de capitais e na impossibilidade de controlar sua própria taxa de câmbio”. O controle de fluxos de capitais e da taxa de câmbio pelo Banco Central da China, pontua, “são elementos importantes de sua política macroeconômica e de sua estratégia de desenvolvimento, e o que a China poderia ganhar com a completa internacionalização de sua moeda, sobretudo em termos de senhoriagem internacional, possivelmente não compensaria perder totalmente o controle sobre um elemento tão essencial em sua estratégia de desenvolvimento”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Paulino também explica o “socialismo chinês”, que mescla uma economia de mercado com o monopólio político do Partido Comunista Chinês. “O que se convencionou chamar de socialismo chinês foi adoção dos mecanismos de mercado para responder àquelas perguntas fundamentais que qualquer sistema econômico precisa responder, quais sejam, o que produzir, quanto produzir, como produzir e para quem produzir, na medida em que o sistema de planejamento centralizado mostrou-se ineficaz para resolver essas questões. (...) Destaque-se que também nesse aspecto o Partido Comunista Chinês abandonou a ideia de que representa apenas os interesses dos trabalhadores. Em 2002, o então presidente da China, Jiang Zemin, propôs por meio da Teoria das Três Representações a entrada de capitalistas no Partido Comunista Chinês. Segundo essa teoria, o Partido Comunista Chinês representa simultaneamente as forças produtivas sociais avançadas que respondem pela produção, a cultura avançada da China, que responde pelo desenvolvimento cultural, e os interesses sociais da maioria, que respondem pelo consenso político”, informa.

Para o economista, com esse modelo, a China “mostrou aos demais países em desenvolvimento” que “existem outros caminhos para alcançar o desenvolvimento além do chamado ‘Consenso de Washington’. Aliás, em nenhum lugar do mundo em que o Consenso de Washington foi aplicado houve desenvolvimento”, assegura.

Na manhã de ontem, 07-05-2019, Paulino participou do Ciclo de Estudos "A China e o mundo. A (re)configuração geopolítica global", promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, e realizado na Unisinos Campus Porto Alegre, onde proferiu a palestra "O papel da China na economia e na divisão internacional do trabalho", que pode ser acessada no final da entrevista.

Luis Paulino (Foto: Reprodução | Youtube)

Luis Antonio Paulino leciona na Universidade Estadual Paulista - Unesp, na Faculdade de Filosofia e Ciências e nos cursos de graduação em Relações Internacionais e pós-graduação em Ciências Sociais. É graduado em Engenharia pela Faculdade de Engenharia Industrial – FEI, tem mestrado em Economia e Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas - FGV e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas.

É diretor do Instituto Confúcio na Unesp e membro do Conselho da Matriz do Instituto Confúcio, em Pequim, e do Conselho Assessor do Centro Regional dos Institutos Confúcio para a América Latina, em Santiago do Chile.

É "short term consultant" do Banco Mundial, na área de desenvolvimento regional, consultor cultural do governo da cidade de Jining, na China, e supervisor convidado da Universidade de Hubei, Wuhan, China.

Foi assessor especial do Ministério da Fazenda (2003), secretário-adjunto da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República (2004-2005) e chefe das Assessorias do Ministério do Esporte (2012-2014).

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line — Como compreender a construção do sistema econômico chinês a partir das suas particularidades culturais?

Luis Antonio Paulino - Cada sociedade é construída sobre uma base econômica, ou modo de produção. Essa base é constituída por forças de produção (tecnologias, máquinas, habilidades humanas) e pelas relações de produção (direitos de propriedade, relações de emprego, divisão do trabalho). Sobre essa base está a superestrutura, que compreende a cultura, a política e outros aspectos da vida humana, que, por sua vez, afetam a maneira como a economia é posta em prática. No caso específico da China, o Confucionismo é um traço cultural milenar e profundo na sociedade chinesa. Quando, em 1949, os comunistas chineses chegaram ao poder, o Confucionismo foi combatido, na medida em que sua grande ênfase no respeito à hierarquia era considerada contrarrevolucionária em um momento em que a China, para construir a sociedade socialista, precisava romper com o conformismo decorrente dos costumes e tradições. Mas o fato é que o Confucionismo se constitui em um sistema de valores éticos e sociais tão profundos na sociedade chinesa, e mesmo em outros países asiáticos, que é parte da sua identidade nacional. Há um ditado que diz que todo chinês é confucionista na vida pública, taoísta na vida privada e budista na morte. Hoje a China denomina o seu principal órgão de divulgação da língua e da cultura chinesa no mundo de “Instituto Confúcio”.

O aspecto que o governo chinês e a própria comunidade acadêmica chinesa mais destacam atualmente no pensamento confuciano é o conceito de “harmonia”, o qual tanto se aplica à sociedade chinesa (sociedade harmoniosa), como às relações da China com o resto do mundo (comunidade de futuro compartilhado pela humanidade). Desde os anos 1990, tem sido bastante frequente em estudos acadêmicos na área de administração de empresas referir-se ao “empreendedor confuciano” em contraposição ao “empreendedor ocidental”. Uma ideia recorrente nesses estudos é que o comportamento do empreendedor confuciano seria mais restringido por questões éticas do que o empreendedor não-confuciano. De fato, o ambiente de trabalho na China tem uma série de características muito peculiares, tais como a maior valorização do trabalho coletivo e das redes de relações interpessoais, mas daí a dizer que o comportamento dos empresários chineses se orienta por valores confucianos vai uma grande distância. O ambiente de competição no setor de alta tecnologia e inteligência artificial na China, por exemplo, não tem, a meu ver, nada de confuciano, no sentido proposto acima. A competição no “Vale do Silício” da China é tão ou mais feroz quanto no “Vale do Silício” americano, na Califórnia. É uma arena de gladiadores. Só os vencedores sobrevivem.

IHU On-Line — No que consiste o socialismo chinês?

Luis Antonio Paulino - Quando o Partido Comunista Chinês chegou ao poder em 1949 e estabeleceu a República Popular da China, a estratégia foi seguir o modelo soviético de industrialização pesada. Isso se deve a vários motivos: primeiro a aversão ao Ocidente que os chineses nutriam depois de mais de um século de agressões e humilhações das grandes potências e do Japão; segundo porque a ex-URSS foi o único país que apoiou efetivamente o povo chinês em sua luta contra os invasores estrangeiros; e terceiro porque o sucesso da ex-URSS em seu esforço de industrialização, na década de 1930, quando o mundo capitalista estava mergulhado na Grande Depressão e o seu papel decisivo na vitória contra o nazismo a tornaram referência a todos os povos que lutavam para livrar-se do atraso econômico e do domínio imperialista. Mas já no início da década de 1960, os comunistas chineses, sobretudo Mao Tsé-tung, passaram a expressar algumas discordâncias em relação ao modelo soviético.

Em 1958, Mao Tsé-Tung escreveu um texto intitulado “A respeito do livro do Stalin sobre os Problemas Econômicos do Socialismo na União Soviética”, no qual acusa os soviéticos de “andarem com uma perna só” por privilegiarem a indústria pesada em prejuízo da indústria leve e da agricultura. Fica evidente a partir dali o desejo dos chineses de abandonar o modelo soviético de desenvolvimento e encontrar um caminho próprio para o socialismo. Mao Tsé-tung também temia a burocratização do Partido Comunista Chinês e a sua transformação em uma nova casta dirigente, como estava ocorrendo na ex-URSS. Esse desejo de encontrar o caminho próprio inicialmente revelou-se desastroso. Os movimentos das “Cem Flores”, o “Grande Salto Adiante” e a “Grande Revolução Cultural Proletária” deixaram um saldo terrível em termos políticos e econômicos.

Economia de mercado e monopólio político

Quando Mao Tsé-Tung morreu, em 1976, a China encontrava-se com graves problemas econômicos e à beira de uma guerra civil. É quando entra em cena Deng Xiaoping, que inicia, em 1978, o processo de reforma e abertura e abre, finalmente, o caminho para o tão sonhado modelo de socialismo chinês, que logrou transformar a China, em pouco mais de 30 anos, na segunda maior potência econômica do mundo e retirar da pobreza mais de 700 milhões de pessoas, feito único na história da humanidade. O que se convencionou chamar de socialismo chinês foi adoção dos mecanismos de mercado para responder àquelas perguntas fundamentais que qualquer sistema econômico precisa responder, quais sejam, o que produzir, quanto produzir, como produzir e para quem produzir, na medida em que o sistema de planejamento centralizado mostrou-se ineficaz para resolver essas questões. Hoje os chamados “Plano Quinquenais”, tão característicos dos sistemas socialistas, na China são apenas indicativos.

Nesse sentido, a economia chinesa pode ser considerada uma economia de mercado, embora isso não deva ser confundido com uma economia capitalista. O sistema político chinês mantém as características básicas do sistema socialista, ou seja, a propriedade coletiva ou estatal dos principais meios de produção, nomeadamente a terra. A bem da verdade, com o passar dos anos, desde o início da reforma e abertura da China, em 1978, a China vem atribuindo ao setor privado da economia um papel cada vez mais relevante na economia. Na nomenclatura chinesa, hoje o setor privado joga um papel “decisivo”, na medida que a maior parte dos empregos é gerada no setor privado, o qual contribui também com a maior parcela do PIB chinês. No plano político, entretanto, o monopólio do poder continua nas mãos do Partido Comunista Chinês. Destaque-se que também nesse aspecto o Partido Comunista Chinês abandonou a ideia de que representa apenas os interesses dos trabalhadores. Em 2002, o então presidente da China, Jiang Zemin, propôs por meio da Teoria das Três Representações a entrada de capitalistas no Partido Comunista Chinês. Segundo essa teoria, o Partido Comunista Chinês representa simultaneamente as forças produtivas sociais avançadas que respondem pela produção, a cultura avançada da China, que responde pelo desenvolvimento cultural, e os interesses sociais da maioria, que respondem pelo consenso político.

IHU On-Line — O modelo de socialismo chinês pode ser “exportado” para outros países?

Luis Antonio Paulino - Não creio que seja possível. O que de fato a China mostrou aos demais países em desenvolvimento, e isso de fato representa uma possibilidade para outros países, é que existem outros caminhos para alcançar o desenvolvimento além do chamado “Consenso de Washington”. Aliás, em nenhum lugar do mundo em que o Consenso de Washington foi aplicado houve desenvolvimento.

IHU On-Line — A China é o maior parceiro comercial brasileiro há quase uma década. De que forma essa relação impacta o planejamento econômico brasileiro?

Luis Antonio Paulino - Na medida em que a China se torna simultaneamente a segunda maior economia do mundo, podendo tornar-se a primeira em algumas décadas, o principal parceiro comercial do Brasil e uma das nossas principais fontes de investimento direto externo, não há como negar que o desempenho da economia brasileira, nos próximos anos, será diretamente influenciado pelo que acontecer com a China nos próximos anos e pela maneira como nos relacionarmos com aquele país. Mas eu diria que isso não é um problema apenas do Brasil. Depois de 2008, a China tornou-se a principal fonte do crescimento mundial. Hoje a China sozinha responde por cerca de 25% do crescimento da economia global.

IHU On-Line — Qual é a compreensão que o Partido Comunista Chinês tem sobre a atual ordem mundial?

Luis Antonio Paulino - Não conheço especificamente a posição do Partido Comunista Chinês sobre o tema, mas a considerar as declarações das principais lideranças chinesas, que creio refletirem a opinião do próprio Partido, acredito que considerem a atual ordem mundial, baseada no predomínio econômico, militar e político global dos Estados Unidos e na predominância do dólar americano no sistema financeiro e de comércio internacional, uma ordem injusta e ultrapassada, na medida em que os países em desenvolvimento, que respondem por mais de 50% do PIB mundial, não têm voz nem peso nos principais órgãos de governança global, nomeadamente o FMI e o Banco Mundial.

Isso não quer dizer, entretanto, que a China pretenda substituir a atual ordem mundial, com os Estados Unidos no topo, por uma outra ordem sob o seu comando. O que a China vem defendendo são reformas no atual sistema de governança global, que o tornem mais equilibrado, multipolar e em sintonia com a nova realidade mundial. A China vem propondo que a nova ordem mundial deveria se constituir como uma “comunidade de futuro compartilhado para a humanidade” sem a predominância de uma potência em particular. Como expliquei acima, é aplicação do princípio confuciano da harmonia aplicado às relações internacionais.

IHU On-Line — Como a política externa chinesa pode transformar a atual ordem mundial?

Luis Antonio Paulino - Não creio que a política externa chinesa isoladamente possa e nem pretenda transformar a atual ordem mundial. Ciente de quanto as inúmeras agressões sofridas em sua história recente limitaram o seu desenvolvimento, a República Popular da China sempre deu ênfase à paz como elemento central para a continuidade de seu desenvolvimento, o respeito à soberania nacional como princípio básico de seu relacionamento com o mundo, e a defesa à integridade territorial como seu principal objetivo. Tal visão de política externa foi estabelecida logo nos primeiros anos da fundação da República Popular da China por meio dos “Cinco Princípios da Coexistência Pacífica (mútuo respeito à integridade territorial, a mútua não agressão, a não interferência em negócios internos de outro país e a relação pacífica de coexistência mutuamente benéficas). Como já afirmei acima, o que a China vem defendendo são reformas no atual sistema de governança global que o torne mais equilibrado e multipolar, sem a predominância de um país sobre os demais. O que a China propõe é a substituição do conceito atual de hegemonia pelo conceito de “comunidade de futuro compartilhado para humanidade”.

IHU On-Line — Quais são as possibilidades de a ascensão econômica chinesa reconfigurar o sistema financeiro internacional?

Luis Antonio Paulino - No momento são limitadas, dado o papel dominante dos bancos americanos e do dólar no sistema financeiro e de comércio internacional. E o dólar é dominante não só porque interessa aos Estados Unidos, mas porque a maior parte dos agentes econômicos tem preferência pelo dólar enquanto moeda internacional. Isso não vai mudar tão cedo. Um aspecto importante a se destacar é a participação e liderança da China na criação de novas alternativas para o financiamento de obras de infraestrutura em países em desenvolvimento, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura - AIIB e o Novo Banco do Desenvolvimento - NDB, ou Banco do BRICS, como foi inicialmente chamado. A preocupação do Banco Mundial com a sustentabilidade financeira dos seus empréstimos, ou seja, a capacidade dos tomadores de empréstimos de honrar a dívida, somada à enorme burocracia para a liberação de empréstimos, que pode levar anos, e uma certa má vontade em financiar obras de infraestrutura a partir do momento em que, por volta da década de 1990, as empresas americanas passaram a perder quase todas as concorrências para fornecedores de equipamentos e empreiteiras localizadas em países em desenvolvimento, praticamente fechou as portas aos países mais pobres para o financiamento de obras de infraestrutura.

Um Cinturão, Uma Rota

Esses novos bancos, associados à iniciativa chinesa chamada “Um Cinturão, Uma Rota” vieram para atender essas demandas por financiamento para infraestrutura nos países em desenvolvimento. Gostaria de destacar, neste ponto, que algumas críticas que vêm sendo feitas à China, alegando que os projetos financiados pela Iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” estão levando ao endividamento dos países tomadores, são no mínimo hipócritas. O fato é que se não houvesse esta nova alternativa chinesa de financiamento para a infraestrutura, não haveria alternativa nenhuma para esses países mais pobres, uma vez que o Banco Mundial, como eu disse, mudou seu foco de investimentos em infraestrutura para questões políticas e institucionais. Países do Sudeste Asiático, da Ásia Central, da África e mesmo da América Latina, nomeadamente o Brasil, estão contando com financiamentos chineses para a execução de importantes obras de infraestrutura que não teriam como ser financiadas de outra forma. Diga-se, ainda, a favor da China, que esses empréstimos têm cláusulas de pagamento muito mais flexíveis. Nos casos de inadimplência, a China tem aceitado realizar operações de “leasing” de obras financiadas por ela, como foi o caso do porto de Hambantota, no Sri Lanka, ou receber o pagamento em mercadorias, como no caso da Venezuela e outros países em desenvolvimento.

IHU On-Line – Como se constitui atualmente o processo de internacionalização do renminbi? O que está em jogo para que o renminbi de fato possa transformar o atual sistema monetário internacional, que hoje tem como padrão o dólar?

Luis Antonio Paulino - Como afirmei acima, o papel dominante do dólar no sistema monetário internacional não é algo que vá mudar tão cedo. O que a China tem procurado é criar uma zona do renminbi, que, no momento, está restrita ao seu entorno geográfico e, muito parcialmente, à África. A China também tem fechado alguns acordos de “swap cambial” ou “troca de moedas” com diversos países com que tem fortes relações comerciais — hoje a China é o principal parceiro comercial de mais de 45 países. O objetivo é usar sua própria moeda para o fechamento sobretudo de operações de comércio, inclusive para proteger-se do uso do dólar como arma política pelos Estados Unidos, como ficou demonstrado pela prisão da vice-presidente da Huawei, no Canadá, por essa empresa chinesa ter supostamente usado o sistema bancário americano para fazer negócios com o Irã, que está sob embargo americano.

Xangai como centro financeiro global

A China tenta hoje transformar Xangai em um centro financeiro global, para que possa, ao lado de Hong Kong, promover a internacionalização do renminbi. Londres e Frankfurt são também, hoje, grandes centros mundiais de negociações de títulos denominados na moeda chinesa. Outra vantagem importante para a internacionalização da moeda chinesa, mesmo que de forma limitada, é diminuir a necessidade de manter grandes reservas em moeda americana, que hoje ultrapassam US$ 4 trilhões. Isso é um péssimo negócio para a China, na medida em que essas reservas acabam aplicadas em Títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que pagam juros muito baixos, e um bom negócio para os Estados Unidos, que podem financiar seu déficit comercial a um custo mínimo.

Concluindo, eu diria que não é de interesse da China a completa internacionalização de sua moeda agora, uma vez que isso implicaria na completa abertura de sua conta de capitais e na impossibilidade de controlar sua própria taxa de câmbio. O controle de fluxos de capitais e um relativo controle da taxa de câmbio por parte do Banco Central da China são elementos importantes de sua política macroeconômica e de sua estratégia de desenvolvimento, e o que a China poderia ganhar com a completa internacionalização de sua moeda, sobretudo em termos de senhoriagem internacional, possivelmente não compensaria perder totalmente o controle sobre um elemento tão essencial em sua estratégia de desenvolvimento.

IHU On-Line — Qual o panorama dos estudos sobre a China, no Brasil?

Luis Antonio Paulino - Criamos recentemente uma Associação Brasileira de Estudos Chineses - ABEC que atualmente já possui mais de 200 membros em todo o Brasil e no exterior e cuja coordenação temporária, este ano, está na Unicamp, em São Paulo. Trata-se de uma rede virtual de pesquisadores cujo objetivo é impulsionar o estudo e o conhecimento sobre o gigante asiático em diversas áreas como negócios e investimentos, meio ambiente, relação bilateral, política, cultura, entre outros. Há inúmeras iniciativas semelhantes em diferentes estados do Brasil voltadas para o estudo da China e da Ásia. O número de pesquisadores brasileiros desenvolvendo teses de mestrado e doutorado sobre os mais diferentes temas na China já é bastante expressivo. A China entrou definitivamente no radar da pesquisa brasileira.

IHU On-Line — Em que pontos o Brasil ainda falha no que diz respeito à interpretação da realidade chinesa? Qual a importância desse entendimento nas construções sino-brasileiras?

Luis Antonio Paulino - É de certo modo natural que na impossibilidade de haver um conhecimento mais amplo sobre determinado país se formem certos estereótipos que nada mais são do que formas simplificadas de se tentar compreender uma determinada realidade. O problema é que essas reputações, boas ou ruins, raramente refletem a realidade atual do lugar. No que diz respeito à China, seja pela distância física e psicológica, seja pelas diferenças culturais e políticas, abundam entre nós visões estereotipadas sobre a realidade daquele país, algumas positivas, outras nem tanto. No sentido oposto ocorre exatamente o mesmo, como qualquer um que teve oportunidade de conversar com um cidadão chinês, mesmo supostamente bem informado sobre o Brasil, já teve oportunidade de constatar.

Os estereótipos positivos podem de alguma forma facilitar o entendimento. Quem de nós, visitando países aparentemente tão distantes de nossa realidade, não se surpreendeu com a acolhida cordial quando se diz que é brasileiro? Mas os estereótipos negativos podem predispor as pessoas de forma negativa em uma relação. O chamado “soft power” da China é muito pequeno, como se constata em diversas pesquisas sobre a imagem da China nos países do Ocidente. Em minha experiência de trabalho com a China tenho notado que algumas coisas que não dão certo se devem mais ao desconhecimento cultural mútuo do que por razões puramente econômicas. Em um momento em que o futuro do Brasil está cada vez mais atrelado ao destino da China, é fundamental aprofundar nosso conhecimento sobre a realidade chinesa e eliminar visões estereotipadas, que nada mais são do que frutos da ignorância, quando não do obscurantismo.

Assista à íntegra da conferência de Luis Paulino:

 

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