07 Dezembro 2021
Recentemente, as leis sobre o aborto aprovadas na Geórgia e no Alabama elevaram a temperatura do debate nacional quase ao ponto de ebulição. A lei na Geórgia, baseada na detecção da atividade cardíaca fetal, limitaria o aborto depois da sexta semana de gravidez; e define os seres humanos no útero, em qualquer estágio de desenvolvimento, como “pessoas naturais”. A lei do Alabama veta o aborto em qualquer fase da gravidez.
Publicamos aqui o editorial da revisa America, 03-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, a Suprema Corte dos Estados Unidos ouviu os argumentos orais do primeiro caso referente ao aborto que entrou em seus tribunais há décadas, que diz respeito à lei promulgada no Estado do Mississippi. A maioria da corte parece ser parcialmente favorável ao reconhecimento de constitucionalidade da lei, e a sentença é esperada para a primavera de 2022.
Recentemente, as leis sobre o aborto aprovadas na Geórgia e no Alabama elevaram a temperatura do debate nacional quase ao ponto de ebulição. A lei na Geórgia, baseada na detecção da atividade cardíaca fetal, limitaria o aborto depois da sexta semana de gravidez; e define os seres humanos no útero, em qualquer estágio de desenvolvimento, como “pessoas naturais”. A lei do Alabama veta o aborto em qualquer fase da gravidez.
Embora essas leis permitam exceções para os casos em que a vida de uma mulher esteja em perigo quando a gravidez é levada até ao parto, nenhuma das duas traz exceções que permitam o aborto em caso de estupro ou incesto.
Muitas discussões sobre essas leis as descreveram como “extremas”, ignorando quase completamente a causa mais significativa de tal “extremismo”. Muitos comentaristas reconhecem que essas novas leis foram elaboradas para iniciar uma contestação legal contra a sentença Roe vs. Wade [que reconheceu o direito ao aborto nos Estados Unidos], mas não percebem que as restrições moderadas dessas leis são uma imagem espelhada da ampla rejeição da sentença Roe vs. Wade a quaisquer limitações práticas ou eficazes ao aborto.
Quando os defensores dos direitos ao aborto defendem a sentença Roe vs. Wade para rejeitar qualquer proposta de restrição ao aborto, eles estão tomando uma posição extrema. Isso não deixa margem para nenhum compromisso sobre leis menos extremas. Os legisladores pró-vida encontrarão a mesma oposição com unhas e dentes, quer visem a proibir todos os abortos ou, como se viu recentemente no Senado dos Estados Unidos, quer tentem exigir que os bebês nascidos vivos durante um aborto recebam tratamento médico.
Coerentemente, ao longo das décadas, as pesquisas mostram que uma maioria significativa de estadunidenses apoia restrições mais severas ao aborto do que as permitidas pela sentença Roe vs. Wade, mas não tão severas quanto as estabelecidas por essas novas leis. A opinião pública estadunidense sobre a legalidade do aborto é conflitante e contraditória.
De acordo com uma pesquisa realizada neste mês, metade dos eleitores acredita que as “leis sobre o batimento cardíaco” de seis semanas são “justas” ou até “indulgentes demais”; outra pesquisa constatou que dois terços dos adultos estadunidenses se opõem à derrubada da sentença Roe vs. Wade.
Mas de acordo com a sentença Roe vs. Wade e a decisão subsequente, Casey vs. Planned Parenthood, os limites ao aborto que muitos eleitores desejam, mesmo que este permaneça legal, são considerados inconstitucionais. Cerca de 60% dos estadunidenses apoiam o aborto legal durante os primeiros três meses de gravidez, mas muito menos – menos de um terço – o apoiam até os seis meses. Mas o padrão de “ônus indevido” da sentença Casey vs. Planned Parenthood não permite restrições ao aborto em nenhum momento antes da viabilidade do feto (cerca de seis meses), o que não é aquilo que a maioria dos estadunidenses escolheria.
Há uma grande lacuna entre aquilo que Roe vs. Wade exige e aquilo que os estadunidenses acreditam em relação ao aborto. Mas enfrentar essa lacuna continua sendo algo politicamente inimaginável para os ativistas pró-escolha, pois eles apresentam a possibilidade de a sentença Roe vs. Wade ser derrubada como uma crise política aguda. Na verdade, é o contrário. A crise política em curso é uma consequência do persistente fracasso das sentenças Roe e Casey em resolver a questão do aborto e do fracasso da Suprema Corte em oferecer qualquer sinal de que esses casos um dia a resolverão.
Na sua opinião majoritária que defendia a sentença Roe vs. Wade na decisão Casey vs. Planned Parenthood, a juíza Sandra Day O’Connor escreveu que “a interpretação da Corte Constitucional pede que as partes de uma disputa nacional ponham fim à sua divisão nacional aceitando um mandato comum enraizado na Constituição”. Sobre a questão do aborto, esse apelo manifesta e expressamente falhou por mais de 45 anos, distorcendo a política nacional e contribuindo para a divisão nacional. Os escombros desses casos devem ser removidos para que o país possa seguir em frente.
As leis do Alabama e da Geórgia estão longe de ser perfeitas. Elas deveriam ter sido acompanhadas por um apoio igualmente vigoroso para as mulheres que estão em dificuldade para levar a gravidez em frente. Elas quase certamente serão suspensas por uma liminar antes de serem implementadas e, quando finalmente chegarem à Suprema Corte, é improvável que sejam mantidas em todos os detalhes da sua forma atual.
Se essas leis forem confirmadas e a sentença Roe vs. Wade for anulada ou limitada, elas deverão ser modificadas para serem aplicadas prática e justamente.
Mas o trabalho legislativo de responder às desafiadoras questões morais sobre o aborto pelo menos se tornará possível. Embora isso não dará fim às divisões políticas sobre o aborto, nos permitirá abordá-las de um modo mais honesto.
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EUA e aborto: o debate impossível - Instituto Humanitas Unisinos - IHU