E se a ‘Praedicate Evangelium’ fosse um estratagema como a tela de Penélope?

Papa Francisco e a Cúria Romana. (Foto: Vatican Media)

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

15 Fevereiro 2022

 

Conforme antecipamos, recolhendo informações de várias fontes, o Motu Proprio número 48 do pontificado, com o qual o Papa Francisco modifica a estrutura interna da Congregação para a Doutrina da Fé (passando de 4 departamentos para apenas 2), chegou hoje ao meio-dia.

Ninguém esperava um documento tão relevante e de tamanha natureza jurídica, pois, segundo o afirmado pelo Pontífice na entrevista à Cope (1 de setembro de 2021), o texto da nova Constituição Apostólica "Praedicate Evangelium" estava concluído e, portanto, estava lendo a última minuta.

Ou seja, a promulgação da Constituição que substitui a "Bonus Pastor" (28 de junho de 1988), de fato obsoleta devido a várias mudanças, modificações e reformas muito importantes introduzidas pelo Santo Padre Francisco na estrutura curial a partir de 2013, estava próxima. Esperava-se que a nova Constituição fosse um documento da máxima autoridade, um resumo jurídico geral das reformas desejadas pelo Papa e entre estas, obviamente, também a da Cúria Romana, que desde sempre Francisco criticou duramente. Parecia um tema muito reservado. O Conselho de Cardeais, pelo menos no que resulta nos 39 comunicados emitidos, essencialmente nunca tratou desse assunto enquanto, ao contrário, tratou bastante de outros dicastérios.

 

O comentário é publicado por Il Sismografo, 14-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Depois da Secretaria para a Economia, o Dicastério para a Comunicação, o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral e outras mudanças canônicas e legislativas, bem como administrativas e regulamentares, agora chega a reforma ("modificação da estrutura interna") da Congregação para a Doutrina da Fé. E é uma verdadeira surpresa que, aos poucos, certamente oferecerá outras.

Todas essas reformas ou mudanças substanciais sempre foram feitas com um Motu proprio. Como já mencionado, em quase 9 anos de pontificado são 48 esses textos, que tratam não só da questão das reformas, mas também de outras matérias e todos dizem respeito a decisões relevantes e inquestionáveis.

Obviamente, há reformas e mudanças que podem ser consideradas um sucesso. No entanto, muitas dessas reformas não estão trazendo resultados. Algumas se transformaram em fontes de brigas, disputas e lutas internas. Outras ainda não revelam eficácia e eficiência, mas, ao contrário, facilitam a burocratização excessiva, o desperdício de recursos e verticalismos incompreensíveis.

Em torno dessas mudanças se chocam grupos, panelinhas, facções e lobbies que não poupam modalidades e instrumentos de luta. O clima é pesado. A tendência de muitos é não participar, fazer o próprio dever (mínimo) e depois "desligar da tomada". O feitiço e a mística acabaram. O encanto desapareceu.

O Papa Francisco às vezes parece querer buscar consensos, apoios e encorajamentos do outro lado das barreiras. Pelo que ele vem dizendo nos últimos tempos, pareceria que ele sente o peso da indiferença dentro da Igreja.

A Igreja com Francisco está no centro de um processo muito difícil, controverso, polêmico, sem projetos declarados com abertura e parrésia. A prática de agir de forma oculta, sem transparência - gravíssimo pecado secular da Igreja Católica e que a pedofilia demonstra que acaba se pagando caro - nos últimos anos tem complicado irremediavelmente tudo.

Exemplo clamoroso são essas reformas, subterrâneas, sem explicações, não compartilhadas, ao contrário do que afirma uma frase agora famosa - "caminhar juntos" - de aspecto sinodal. É cada vez mais comum não entender o que está acontecendo, onde está a verdade, por que algumas coisas são feitas e outras não, quem, como e quando comanda, que poderes têm as hierarquias e quais são os tantos círculos mágicos, pequenos e grandes, quem são e que função têm os conselheiros atrás do trono.

O "caminhar juntos" sinodal, a parrésia e a transparência, na verdade e dito sinceramente, hoje na Igreja são mais palavras e frases feitas que reais, tangíveis e visíveis. O "Santo Povo de Deus", formado por pessoas com igual dignidade diante de Deus, todos irmãos, e não pacotes que podem ser trocados de lugar em conformidade com determinados algoritmos, ignora clamorosamente o que está acontecendo em sua Igreja e, portanto, é difícil que possa acompanhar os necessários processos de reformas com vigor, força e entusiasmo.

A crise é muito séria e muito grave. É aquela que leva a fingir, a ser coletivamente "muitas máscaras e poucos rostos", como dizia Luigi Pirandello.
Por isso, cabe pensar que a Constituição Apostólica "Praedicate Evangelium" tenha se tornado um estratagema: sempre pronta, mas nunca publicada porque, como Homero escreveu na Odisseia sobre a tela de Penélope: "Ela desmanchava à noite À luz da lâmpada o lavor diurno".

 

Leia mais