Centenas de migrantes presos na neve sem comida nem água. A denúncia das ONGs: “É o abismo da humanidade”

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05 Janeiro 2021

"Todos os outros dormem ao relento, em prédios e fábricas em ruínas abandonados pela guerra na ex-Iugoslávia. É a rota invisível, esquecida. 'É o abismo da humanidade'", escreve Gianluca Modolo, em artigo publicado por Repubblica.it, 28-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

“Vivemos como animais. Na verdade, pior ainda. Se ninguém nos ajudar, morreremos”. O grito desesperado de Kasim, um paquistanês, vem do inferno de Lipa. Esta cidade de tendas maltratada e improvisada é o campo de refugiados que pegou fogo na semana passada, dois dias antes do Natal, a cerca de trinta quilômetros de Bihac, no norte da Bósnia-Herzegovina. Agora quase mil pessoas dormem ao relento, no frio, sem água nem comida. Ou na única tenda que restou no acampamento, em condições precárias. Construído em abril para enfrentar a emergência do Covid, administrado pela OIM (Organização internacional para a migração), deveria abrigar mil pessoas, embora houvesse pelo menos mais 500 lá dentro. Várias vezes a OIM pediu às autoridades locais que o equipassem para o inverno: sem água e eletricidade não se consegue sobreviver às temperaturas gélidas deste período, quando as temperaturas caem abaixo de zero e começa a nevar.

Campo de refugiados de Lipa.
(Fonte: Google Maps)

“O acampamento de Lipa já nasceu errado. Quatro barracas-dormitório, forradas de oleado, cada uma com 120 beliches. Mais outra barraca que servia de refeitório e alguns banheiros químicos. A eletricidade era fornecida por geradores a querosene, que deixaram de funcionar com as primeiras nevascas. A água começou a congelar", relata ao Repubblica, Silvia Maraone, coordenadora de projetos ao longo da rota dos Bálcãs para Ipsia, uma ONG ativa na Bósnia há 25 anos e que atua nos campos de refugiados no país balcânico desde 2018.

Diversas vezes nos últimos meses, a OIM deu um prazo para o fechamento do campo que foi montado às pressas para a emergência. Na manhã de 23 de dezembro, deveria haver a evacuação final, mas às 11h uma das tendas-dormitório pegou fogo. “Há duas versões do incêndio: alguns dizem que foi a OIM, outros que foram alguns migrantes. O fato é que essas pessoas agora não têm para onde ir. Os campos em Sarajevo estão superlotados. Quem tentou ir para Bihac a pé foi barrado e mandado de volta pela polícia. Todos os dias a Cruz Vermelha distribui refeições, mas não é suficiente", prossegue Maraone.

Campos de refugiados de Lipa e Bihac. 
(Foto: Google Maps)

Os desesperados de Lipa são todos muito jovens, entre 23 e 25 anos. E também alguns menores estão presentes no meio das montanhas, neste planalto de pouco mais de mil metros onde sopram impiedosos os ventos frios dos Balcãs. Eles vêm principalmente do Afeganistão e do Paquistão. “Eles pedem comida, roupas, sacos de dormir e barracas. As pessoas precisam de tudo. É um desastre humanitário”, continua Maraone.

Alguns, depois do incêndio, saíram para tentar o que chamam de the game "o jogo": chegar à Croácia. E, portanto, à Europa. Mas se esquecem da polícia: assim que chegam à fronteira são capturados, muitas vezes espancados, despojados do pouco que trazem consigo, levados de volta e abandonados nas montanhas, no meio dos bosques ou nas margens de um rio.

Enquanto aguardam acomodação, os migrantes poderiam retornar ao acampamento de Bira, no cantão de Una Sana, dois mil lugares, o maior de toda a Bósnia até ser fechado pelas autoridades da região em 30 de setembro. Mas há semanas os moradores organizam piquetes em frente ao acampamento: não querem carregar esse "fardo". Hoje em Sarajevo, em uma reunião extraordinária entre os governos central e local, tentarão encontrar uma solução. “É o abismo da humanidade. Há muita cegueira por parte das instituições locais. Pessoas que eram refugiadas há 25 anos e escapavam da guerra, hoje não reconhecem essas pessoas que estão morrendo de frio. É como se tivessem esquecido o que já passaram. Uma violência indescritível”, diz Maraone.

A Bósnia se tornou o gargalo de uma rota de migrantes dos Balcãs para aqueles que tentam chegar à Europa vindos da Ásia. Fechada oficialmente pela UE em 2016, nos últimos dois anos já foram registrados no país quase 70.000 pessoas desesperadas - refugiados, migrantes e requerentes de asilo. Das aproximadamente 9.000 pessoas que vivem atualmente na Bósnia, apenas 6.000 estão nos campos. Todos os outros dormem ao relento, em prédios e fábricas em ruínas abandonados pela guerra na ex-Iugoslávia. É a rota invisível, esquecida. “É o abismo da humanidade”.

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