01 Julho 2020
Mais de uma década de evidências contundentes vincula a poluição do ar e a exposição ao calor a resultados negativos em gravidezes nos EUA, de acordo com uma nova revisão de dezenas de estudos.
A reportagem é de Emily Holden, publicada por The Guardian e reproduzida por National Catholic Reporter, 30-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A investigação, publicada no Journal of American Medical Association, identificou 57 estudos desde 2007 que mostram uma associação significativa entre os dois fatores e o risco de nascimento prematuro, baixo peso dos recém-nascidos e até bebês natimortos.
As mães negras estão particularmente em risco, assim como as pessoas com asma.
A revisão analisou 32 milhões de nascimentos rastreados em 68 estudos. Desses, 84% consideravam a poluição do ar e o calor como fatores de risco.
Os distúrbios climáticos provocados pelo ser humano estão forçando o aumento das temperaturas e da umidade e a redução da capacidade das pessoas de se refrescarem mesmo à noite. As mudanças climáticas também pioram a poluição do ar. A poluição atmosférica resultante da queima de combustíveis fósseis se forma em dias quentes. E os incêndios florestais que levam à inalação de fumaça são exacerbados pela crise.
“Quando você fala sobre clima, as pessoas pensam em condições climáticas severas, grandes tempestades ou grandes incêndios (...) mas queríamos falar sobre os impactos comuns, generalizados e contínuos, e que raramente são atribuídos à crise climática”, disse Bruce Bekkar, coautor do estudo e obstetra aposentado.
“Já estamos tendo gerações enfraquecidas desde o nascimento. Simplesmente não podemos permitir que isso aconteça, e eu gostaria de ver não apenas as mães, seus maridos e filhos aparecerem nas reuniões de conselhos, mas também gostaria de ver muito mais profissionais de saúde envolvidos na demanda por leis que reduzam o ônus sanitário contínuo e realmente assustador provocado pela crise climática.”
As descobertas ocorrem enquanto o governo Trump tenta enfraquecer a proteção contra a poluição e os esforços climáticos, inclusive revertendo os padrões de emissões de carros e usinas de energia. A Agência de Proteção Ambiental de Trump também ignorou o conselho dos cientistas de aprovar regras mais restritas para a qualidade do ar.
O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas já considera as mudanças climáticas como uma ameaça urgente à saúde da mulher, além de um grande desafio à saúde pública. As mudanças climáticas estão ligadas ao agravamento das doenças cardíacas, doenças respiratórias, saúde mental e exposição a doenças infecciosas. Mas as mulheres grávidas e os fetos em desenvolvimento são especialmente vulneráveis a seus efeitos.
Na revisão, 19 estudos vincularam a poluição do ar ao nascimento prematuro, definido como um bebê nascido vivo antes das 37 semanas de gravidez. Vinte e cinco estudos vincularam a poluição do ar ao baixo peso dos recém-nascidos. E quatro estudos vincularam a poluição do ar a bebês natimortos. Um estudo constatou que o risco de natimortos aumentava 42% com uma alta exposição no terceiro trimestre. O nascimento de natimortos é raro, portanto, os dados são limitados, e é difícil tirar conclusões amplas sobre por que isso acontece, disse Bekkar.
A revisão considerou estudos sobre poluição atmosférica e poluição por partículas finas.
A ciência emergente está cada vez mais vinculando a poluição do ar a uma série de problemas de saúde, incluindo demência. Um novo estudo baseado em roedores da Universidade da Califórnia em Davis descobriu que a poluição do ar relacionada ao tráfego está ligada a um maior risco de alterações no desenvolvimento do cérebro que podem causar distúrbios no desenvolvimento neurológico.
“O que testemunhamos são mudanças sutis”, disse a coautora Kelley Patten. “Mas estamos vendo esses efeitos usando exposições à poluição do ar que se enquadram dentro dos limites regulatórios.”
Havia menos estudos a serem analisados sobre o efeito do calor nas gestações, mas quase todos consideravam-no prejudicial. Um estudo postula que o risco de nascimento prematuro aumenta 11,6% a cada aumento de 5,6ºC. As temperaturas médias globais já estão mais de 1ºC mais altas do que antes da industrialização e estão a caminho de aumentar mais 3ºC.
A revisão confirmou que as mães negras correm um maior risco de parto prematuro e de baixo peso do recém-nascido. Os determinantes sociais da saúde – incluindo a pobreza, níveis de estresse de longo prazo e acesso à assistência médica – prejudicam desproporcionalmente as pessoas negras.
O estudo conclui que “as exposições ambientais exacerbam ainda mais esse risco de fundo e podem ser incluídas entre esses determinantes sociais”.
Os estadunidenses entendem cada vez mais que a crise climática está prejudicando a saúde humana, de acordo com uma pesquisa do Programa de Comunicação sobre as Mudanças Climáticas da Universidade de Yale.
Neste ano, muito mais estadunidenses provavelmente responderão que esperam que a insolação, a asma, as doenças transmitidas por insetos e as alergias relacionadas ao pólen pioram com o aquecimento do planeta.
Por exemplo, em 2014, 37% dos estadunidenses achavam que as insolações causadas por ondas de calor extremas se tornariam mais comuns. Em abril, 57% afirmaram o mesmo.
Um movimento crescente entre os médicos visa a educar os pacientes sobre as mudanças climáticas. Bekkar espera que os profissionais de saúde compartilhem as descobertas da revisão com os seus pacientes e os exortem a evitar exposições prolongadas ao calor e à poluição.
“Isso não é possível para todos, mas aqueles que podem, deveriam fazê-lo. Se uma mulher não tem um condicionador de ar em casa e está grávida, quanto mais tempo puder passar em locais com ar-condicionado que filtram o ar, melhor para o resultado da sua gravidez”, disse Bekkar.
Mas ele também quer que os defensores das mulheres exijam mais das autoridades eleitas.
“Reduzir a poluição do ar e combater as mudanças climáticas é uma questão de sobrevivência e de saúde dos seus filhos”, afirmou.
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Pesquisa aponta que crise climática representa sério risco para a gravidez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU