Presidente troca de timoneiro em meio à tempestade

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21 Abril 2020

"Não que o novo ministro, Nelson Teich, represente necessariamente um risco. O risco está em trocar a condução do barco no olho de uma tormenta. Aliás, expressões como 'o presidente sou eu', 'ele está se achando, falando demais, devia ouvir o presidente', 'o paciente pode trocar de médico' ou 'a minha caneta funciona' – são muito comuns a quem se sente inseguro da própria autoridade", escreve Alfredo J. Gonçalves, cs, padre, vice-presidente do SPM.

Eis o artigo.

A insensatez aliada ao poder faz coisas imprevistas, e as faz da forma mais imprevisível que se possa imaginar. Que diria o lendário capitão Acab se estivesse presente para ouvir essa notícia: o presidente Jair Bolsonaro troca de timoneiro em meio à tempestade! O capitão Acab é um personagem fictício, protagonista da clássica obra de Herman Melville, Moby-Dick. O flagelo da Covid-19 expande-se, gerando uma tormenta de ondas cada vez mais fortes e bravias. Apesar disso – ou justamente por causa disso – o capitão resolve substituir o Ministro da Saúde, cuja equipe vinha combatendo nas trincheiras do front. “Em time que está ganhando, não se mexe”, diz com razão nossa cultura futebolística.

Qual a razão? Circulam várias: na imprensa falada e escrita, nas redes sociais, nas ruas, praças e botecos (os que insistem em descumprir a quarentena). Alguns falam de inveja e ciúmes doentios incontroláveis. Outros argumentam que, no quadro de ministros, ninguém pode brilhar mais que o supremo mandatário. Também há quem entrelace motivações pessoais e políticas, num jogo complexo de bastidores do poder. Outros, ainda, entendem que Jair Bolsonaro caminha de olhos fixos nas próximas eleições, jamais tendo deixado o palanque mesmo após alcançar a presidência. “O ciúme e a inveja matam”, diz ainda a sabedoria popular! O mais grave é que, neste caso, matam não tanto quem se sente dominado por tais sentimentos, e sim as potenciais vítimas da pandemia de Covid-19. Ao tomar decisões por motivos emocionais, decisões que costumam ser instintivas, imediatistas e impulsivas, e ao agir do alto do trono, as consequências nefastas tendem a atingir muito mais gente. E atingir, de forma particular, os estratos mais indefesos e vulnerabilizados da população. Quanto mais elevada a posição de quem comanda tanto mais afeta, para o bem ou para o mal, os comandados.

Não que o novo ministro, Nelson Teich, represente necessariamente um risco. O risco está em trocar a condução do barco no olho de uma tormenta. Aliás, expressões como “o presidente sou eu”, “ele está se achando, falando demais, devia ouvir o presidente”, “o paciente pode trocar de médico” ou “a minha caneta funciona” – são muito comuns a quem se sente inseguro da própria autoridade. A necessidade de afirmar e reafirmar o papel a ser desempenhado, é sinal evidente que o desempenho, justamente, está sendo falho. Quando o próprio poder precisa ser relembrado a todo custo, acaba revelando sua fragilidade oculta. É quando, então, a autoridade converte-se em autoritarismo. Não havendo argumentos racionais e científicos para contestar o ex-ministro, nem para apresentar uma alternativa viável no combate à pandemia, impõe-se o punho de ferro, ou, mais razoavelmente, a prometida canetada.

O que nos reserva o futuro? Com Luiz Henrique Mandetta ou com Nelson Teich, estamos diante de uma crise humanitária que tende a agravar-se nas próximas semanas, ou meses. O problema principal talvez não seja como se comportará o Ministério da Saúde, mas por quanto tempo o sistema suportará a pressão desse inimigo invisível que se espalha por todo o planeta. Também não é justo contrapor a saúde à economia. Ambas estão sendo feridas de morte pela virulência do coronavírus. O problema maior continua sendo a instabilidade e a irresponsabilidade de Jair Bolsonaro e sua “seita” de seguidores. Por exemplo, poderá o novo ministro da saúde agir com liberdade de ação, usando as informações, os conhecimentos e os instrumentos de que dispõe a ciência sobre a pandemia? Não será atropelado pelas exigências de uma “campanha eleitoral” que insiste em ignorar que a morte segue batendo à porta?

É dever de cidadania desejar bom trabalho e sucesso à nova equipe que haverá de assumir as decisões no Ministério da Saúde. Também é dever de cidadania preocupar-se com a economia, o desemprego e suas consequências. Mas isso não implica, evidentemente, colocar uma coisa contra a outra. Preservar a saúde dos cidadãos é tentar uma economia alternativa, e investir nesta última é proteger os cidadãos para o amanhã.

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