08 Dezembro 2018
"Existe um mito de que a Terra tem amplas condições de atender a demanda mundial por alimentos até 2050. Mas a realidade mostra que o quadro alimentar no mundo é mais complexo e há dificuldades crescentes para produzir comida de forma sustentável", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 07-12-2018.
Eis o artigo.


Existe um mito de que a Terra tem amplas condições de atender a demanda mundial por alimentos até 2050. Mas a realidade mostra que o quadro alimentar no mundo é mais complexo e há dificuldades crescentes para produzir comida de forma sustentável.
Artigo de Chris Clayton (17/10/2018) utilizando o Índice de Produtividade Agrícola Global (GAP, em inglês) – compilado pela Global Harvest Initiative – mostra que a produção de alimentos não está crescendo rápido o suficiente para atender a demanda de comida da população mundial de forma sustentável.
O problema é mais grave em países de baixa renda onde o crescimento da produção tem ficado, persistentemente, abaixo da demanda. O relatório mostra que 2018 é o quinto ano consecutivo de desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Desta forma, se esta tendência não for revertida, o mundo pode não ser capaz de fornecer os alimentos, rações, fibras e biocombustíveis necessários para uma população global em crescimento.
A “Produtividade Total dos Fatores” (TFP, em inglês) nos países de baixa renda está crescendo em 0,96% ao ano, o que está abaixo do crescimento projetado nos últimos dois anos. Isso fica bem abaixo da taxa de crescimento necessária para atingir as metas de sustentabilidade de dobrar a produtividade dos alimentos nos países de baixa renda e alcançar a “fome zero” até 2030 ou mesmo até 2050.
Para atender à demanda projetada de cerca de 10 bilhões de pessoas na década de 2050, o relatório afirma que a produtividade agrícola global deve aumentar em 1,75% ao ano. Esse crescimento é necessário, mesmo que os cientistas do clima avisem que a produção das colheitas diminuirá, especialmente em ambientes tropicais nas próximas décadas, devido às temperaturas mais altas e padrões climáticos mais voláteis.
Até o momento, o Índice de Preços da FAO (gráfico abaixo) não tem apresentado uma tendência de subida muito forte. O Índice atingiu o seu valor máximo (em termos reais) no auge da crise de petróleo de 1973 e 1974. Depois, iniciou uma trajetória de queda, apresentando os valores mais baixos na virada do milênio. Nos primeiros anos do terceiro milênio o índice subiu até 2008, caiu com a recessão de 2009 e voltou a subir até 2011 e 2012, quando os preços dos combustíveis fósseis estavam muito elevados. Entre 2013 e 2018, o Índice diminuiu, com a queda do preço do petróleo, mas está em um patamar mais alto do que nas décadas de 1980 e 1990.


O relatório do GAP considerou o impacto da mudança climática sobre a produção e os preços dos alimentos, adotando 10 modelos diferentes, sugerindo que a mudança climática gerará preços mais altos para commodities agrícolas em geral e particularmente para as culturas de subsistência. O impacto do aquecimento global ter um efeito negativo na oferta de bens essenciais.
O relatório também concluiu que a média da Produtividade Total dos Fatos não cresceu de 2006 a 2015 tão rapidamente quanto nas décadas anteriores. A Produtividade Total dos Fatores considera os aumentos na produção agrícola, mas também os custos para os agricultores produzirem alimentos, perdas e desperdícios na cadeia de fornecimento e custos para os consumidores.
A fome global, impulsionada por secas e conflitos, aumentou no ano passado, atingindo 821 milhões de pessoas que foram consideradas cronicamente famintas pelas Nações Unidas. Cerca de 124 milhões de pessoas enfrentaram desnutrição aguda e fome.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou a campanha “Um mundo #fomezero para 2030 é possível” nas comemorações do Dia Mundial da Alimentação de 2018. Mas esta meta pode ficar somente no papel se não houver aumento da produtividade e redução do ritmo de crescimento demográfico.
O fato é que a população mundial continua crescendo e a biocapacidade do Planeta continua diminuindo. A Pegada Ecológica, em 2014, estava 70% acima da biocapacidade da Terra. O modelo de produção e consumo global é insustentável e o tripé da sustentabilidade virou um trilema (Martine e Alves, 2015).
No longo prazo, só o decrescimento demoeconômico pode garantir o equilíbrio entre as demandas humanas e a saúde dos ecossistemas.
Referência:
Chris Clayton. Global Food Gap Growing, DTN, 17/10/2018.
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês).
Leia mais
- Consumidores não reconhecem que produção de alimentos ameace o meio ambiente
- Dia Mundial da Alimentação e a campanha pela fome zero até 2030
- Combate ao desperdício de alimentos e aproveitamento das sobras do processo de produção exigem políticas públicas
- "O sistema alimentar é um retrato fiel dos piores aspectos de nossos tempos". Entrevista com Soledad Barruti
- Produção de alimentos x produção de energia: o desafio do século XXI. Entrevista especial com Patrick Criqui e Martin Penner
- Alimento saudável versus produção mercantil do agronegócio
- Agricultura comercial causou 70% do desmatamento na América Latina
- 'Agricultura atual não é sustentável', afirma diretor-geral da FAO
- Fome zero depende da adaptação ao clima
- ''Um mundo com fome zero é possível.''. Entrevista com Graziano da Silva
- A explicação da fome em uma sociedade capitalista globalizada
- Dia Mundial da Alimentação leva à reflexão sobre o desperdício
- FAO: mudanças climáticas desafiam políticas de combate à fome
- Combate à fome: o desafio de equacionar problemas estruturais. Entrevista especial com Dom Mauro Morelli
- Uma agricultura sustentável para alimentar o planeta
- Por trás da fome, as verdades da economia e da política. Artigo de Amartya Sen
- A redução da fome no mundo e o futuro de insegurança alimentar
- “Ainda se morre de fome no Brasil”
- FAO quer promover agrofloresta para combater fome e pobreza
- Desnutrição: um problema de saúde pública. Entrevista especial com Maria Luiza Garnelo Pereira
- Como alimentar uma população crescente em tempos de mudança climática?
- Da mudança climática à crise alimentar
- 'Eles querem baratear a produção agrícola, em detrimento da saúde e do meio ambiente'. Entrevista com Karen Friedrich
- O grande crescimento da Pegada Ecológica no mundo e nos continentes
- O trilema da sustentabilidade e o decrescimento demoeconômico
- Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A agricultura pode não atender a demanda de alimentos nas próximas décadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU