Igrejas europeias denunciam abuso da fé cristã e sacralização do poder político pelo Patriarcado de Moscou

Vladimir Putin e Patriarca Kirill (foto: wikimedia commons)

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11 Dezembro 2025

A denúncia da instrumentalização da fé cristã e o “desmascaramento da sacralização do poder político” por parte da Igreja Ortodoxa Russa e outras igrejas deste país surgem como pontos salientes da tomada de posição saída de um recente encontro da Conferência das Igrejas Europeias, realizado em Helsinque, na Finlândia.

A reportagem é publicada por 7Margens, 09-12-2025.

Cerca de 90 líderes religiosos, parceiros ecuménicos e académicos reuniram-se de 1 a 3 deste mês para abordar, por meio da análise histórica e da reflexão teológica, “as narrativas imperiais e a ideologia do ‘Mundo Russo’”, elaboradas pelo Patriarca Kirill, para justificar, nomeadamente, a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O documento saído dessa reunião, intitulado Resistindo ao Império, Promovendo a Paz: Igrejas Confrontam a Ideologia do ‘Mundo Russo’, explica que esta ideologia surgiu após a queda do regime soviético, num processo em que as elites intelectuais russas e a Igreja Ortodoxa Russa foram construindo um discurso sobre “identidade social e expansionismo político sob o guarda-chuva ideológico do ‘Mundo Russo’ (Russkii mir)”.

De acordo com essa ideologia, o “Mundo Russo” é apresentado como “um espaço cultural, espiritual e geopolítico, bem como uma esfera de influência e uma civilização distinta”, enunciado em torno de ideias que – nota o documento – “frequentemente carecem de coerência interna e obscurecem a fronteira entre ideologia política e teologia”, que levam a distorcer a fé cristã.

Na década de 2020, considera o texto, essas ideias foram-se configurando “numa ideologia imperial, servindo para justificar o ataque não provocado da Rússia contra a Ucrânia como uma ‘guerra santa’, chegando a prometer preventivamente a remissão dos pecados aos soldados culpados de crimes de guerra”. Essa ideologia seria sucessora de doutrinas teopolíticas russas anteriores — como “Moscou, a Terceira Roma” e “Santa Rússia” — assim como do expansionismo soviético.

Além disso, a ideologia do ‘Mundo Russo’ “nega a identidade nacional dos ucranianos e das nações vizinhas, bem como seu direito à autodeterminação”. Por outro lado, apoiada numa “visão dualista”, retrata o Ocidente — com sua ênfase em direitos humanos, democracia, liberalismo, igualdade de género e autonomia individual — como “um mal a ser combatido pela Rússia, através da assim chamada ‘batalha metafísica’, pelos ‘valores tradicionais’”, supostamente defendidos pela Rússia.

À Igreja Ortodoxa Russa caberia, no quadro ideológico assim desenhado, o papel de “fornecer apoio quase teológico e institucional à invasão, silenciando assim a dissidência dentro do seu próprio clero e outros membros”. Nesta linha, os atos de invasão e ocupação por parte da Rússia seriam operações de “autodefesa”.

Os problemas teológicos que uma tal ideologia suscita apontam para um quadro de heresia, segundo a tomada de posição da Conferência das Igrejas Europeias. E dá exemplos baseados em intervenções públicas do patriarca Kirill: “a afirmação de que a morte de um soldado em serviço purifica automaticamente os seus pecados, enquadrando-a como um ato sacrificial, é herética, assim como o é descrever a invasão da Ucrânia pela Rússia como uma ‘guerra santa’ e retratar a Rússia como (…) uma força que restringe o mal global — também são heréticos”.

Nas respostas que as igrejas europeias devem dar para “resistir ao Império”, o documento sublinha, entre outras, a necessidade de “cultivar a alfabetização teológica” e “priorizar a educação democrática” para “resistir à manipulação, como propaganda e desinformação”.

Um futuro “justo e reconciliado”, que as igrejas consideram que urge construir, passa por “promover o diálogo sobre verdade e reconciliação entre as igrejas locais na Europa Oriental e Ocidental e as igrejas na Rússia que resistem a todas as formas de nacionalismo religioso, excepcionalismo e conceitos imperialistas”. Passa também por “promover e apoiar a prevenção não violenta de conflitos”, pela afirmação da dignidade humana e dos direitos humanos, bem como pela defesa do direito internacional, nomeadamente pela defesa da inviolabilidade das fronteiras internacionais.

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