02 Julho 2025
"Estamos em uma encruzilhada entre a cômoda indiferença e o testemunho a caro preço, entre a preservação institucional e a integridade do Evangelho".
O artigo é de Sergei Chapnin, teólogo e ex-editor-chefe adjunto da editora do Patriarcado de Moscou, publicado por Settimana News, 01-06-2025.
Como cristão ortodoxo que testemunha a perseguição sistemática de clérigos e fiéis na Rússia, sinto-me obrigado a romper o silêncio ensurdecedor de nossas comunidades ortodoxas americanas. Meu coração fica mais pesado a cada dia, pois amigos – padres que conheço há décadas – sofrem por sua fidelidade ao Evangelho da paz.
Devo reconhecer que os ucranianos morrem diariamente sob a agressão russa. Ao mesmo tempo, centenas de padres russos pró-guerra apoiam ativamente a guerra nos territórios ocupados da Ucrânia. Meu foco é a resistência dentro da própria Rússia, aqueles que se recusam a participar dessa traição do Evangelho.
Alguns desses padres perseguidos são meus amigos de longa data; outros os conheço apenas há alguns anos. Suas histórias precisam ser ouvidas: histórias de fé e confissão em um Estado totalitário que destroem a imagem romântica da Rússia como defensora dos valores cristãos. Aqueles que se apegam ao mito da “Santa Rus” não podem aceitar essas verdades.
No entanto, devemos falar, porque somos chamados a viver na verdade.
Em maio de 2025, concluí "Religious Communities Under Pressure: Documenting Religious Persecution in Russia 2022-2025" (Comunidades Religiosas sob Pressão: Documentando a Perseguição Religiosa na Rússia 2022-2025), escrito a pedido da Relatora Especial das Nações Unidas, Mariana Katsarova.
Enquanto coletava um testemunho após o outro, sentia o peso de cada história oprimir minha consciência. Este relatório revela uma campanha coordenada contra vozes religiosas que se recusam a se curvar à pressão do Estado.
No entanto, dentro da Igreja Ortodoxa na América (OCA) – que recebeu autocefalia da Igreja Ortodoxa Russa há 55 anos e mantém profundos laços históricos com a ortodoxia russa – essa crise foi recebida com indiferença institucional, uma resposta que não posso mais aceitar como eticamente defensável.
A extensão é desconcertante: mais de 100 líderes religiosos estão sujeitos a várias formas de repressão. Apenas entre os cristãos ortodoxos, 17 padres foram suspensos a divinis, 14 suspensos e 7 forçados à aposentadoria, não por violações canônicas, mas por se recusarem a abençoar a violência ou simplesmente por orarem pela paz em vez da vitória. Dois cristãos já morreram na prisão.
Cada número representa um rosto que conheço, uma voz que ouvi. O Padre John Koval foi suspenso a divinis por ter mudado uma única palavra na oração após a liturgia, substituindo “vitória” por “paz”, após ser denunciado por seu coroinha.
O que torna essa perseguição particularmente preocupante é a participação ativa da Igreja Ortodoxa Russa. Diferente de outras comunidades religiosas que sofrem apenas a perseguição do Estado, os padres ortodoxos sofrem uma dupla pressão das autoridades civis e eclesiásticas.
Essa coordenação entre Igreja e Estado representa uma profunda traição à tradição ortodoxa. Quando a Igreja se torna um instrumento de violência estatal, utilizando cânones antigos contra aqueles que pregam a paz, ela deixa de ser a Igreja de Cristo.
Não se trata apenas de uma crise política, mas de uma emergência teológica que afeta a própria natureza do que significa ser o Corpo de Cristo.
No entanto, aqui na América, onde desfrutamos de uma liberdade religiosa que nossos irmãos e irmãs russos só podem sonhar, nossos hierarcas mantêm uma indiferença calculada. Quando os bispos que poderiam falar livremente escolhem não defender aqueles que sofrem por proclamar a paz, eles correm o risco de se tornarem cúmplices da máquina de opressão.
Algumas semanas atrás, escrevi ao Metropolita Tikhon (Mollard), primaz da OCA, pedindo espaço para meu relatório sobre a perseguição no Concílio Geral da OCA em julho, que será realizado em Phoenix – não no programa oficial, mas simplesmente como um evento paralelo. Seis semanas depois, veio a recusa: padre Alessandro Margheritino, chanceler da OCA, alegou “razões técnicas”: eu os havia contatado tarde demais, o programa era definitivo e nada poderia ser mudado.
Tal formalismo burocrático diante do sofrimento de nossos irmãos na fé desafia toda compreensão. Não se trata de protocolo ou procedimentos, mas da própria essência de nossa fé: a solidariedade com quem pede ajuda. Reduzimos a mera teoria o convite a "levar os fardos uns dos outros" (Gálatas 6,2) e a "lembrar-se dos que estão presos, como se estivesses aprisionados com eles" (Hebreus 13,3)?
Como posso calar-me quando jovens seminaristas em Moscou definham desde fevereiro em um centro de detenção do FSB, acusados de terrorismo com provas forjadas e torturados por suas origens ucranianas e suas convicções antiguerra?
A herança histórica da OCA torna esse silêncio ainda mais grave. Durante a era soviética, nossa Igreja era um farol de esperança. O metropolita Leonty, o arcebispo John Shahovskoy, os padres Alexander Schmemann, John Meyendorff e Leonid Kishkovsky denunciaram corajosamente a repressão religiosa, defendendo os dissidentes soviéticos.
A mesma OCA que outrora dava voz aos perseguidos agora nem sequer permite uma apresentação paralela sobre o sofrimento dos padres de hoje. O que nos aconteceu? Como passamos de testemunhas proféticas para institucionalmente covardes?
Compreendo as complexidades. A OCA mantém uma representação em Moscou. Mas até que ponto as considerações institucionais obscurecem nosso dever de estar ao lado dos membros sofredores do corpo de Cristo?
A tragédia se agrava devido à difundida ignorância dos ortodoxos americanos sobre essas repressões, ignorância resultante de decisões institucionais que impedem que essas histórias cheguem às nossas paróquias e seminários.
Sinto o dever de compartilhar essas histórias ocultas e de despertar nossa consciência cristã coletiva. Não podemos pregar sobre os primeiros mártires e, ao mesmo tempo, dar as costas aos confessores contemporâneos: isso é hipocrisia.
Em junho, promovi uma carta aberta a todos os membros do Conselho Pan-Americano, na convicção de que a consciência dos fiéis poderia ser despertada mesmo quando os processos institucionais se mostram inflexíveis.
Esta carta não pede declarações políticas, mas uma solidariedade cristã fundamental: orações pelos perseguidos mencionados nominalmente em nossas liturgias, apoio financeiro às famílias do clero deslocado, instituição de mecanismos para acolher e apoiar os padres em fuga e um diálogo honesto sobre o que significa ser ortodoxo quando nossa fé é usada como arma de guerra.
Alguns podem perguntar: "Por que os ortodoxos americanos deveriam se interessar pelas questões internas da Rússia?" A resposta é simples: não se trata apenas de questões russas, mas de questões ortodoxas, e nossos laços históricos com a ortodoxia russa tornam nosso silêncio ainda mais doloroso para aqueles que sofrem.
Sou profundamente grato àqueles que já assinaram: cristãos dos Estados Unidos, Canadá, México, Europa Ocidental e Rússia (embora as assinaturas russas não possam ser divulgadas por motivos de segurança).
Para aqueles que argumentam que a Igreja deve permanecer "acima da política", respondo: quando o clero é punido por pregar a paz, quando as orações são reescritas para santificar a violência, quando a Igreja se torna um braço da segurança do Estado, isso não é política, é apostasia. A própria natureza da Igreja como Corpo de Cristo está em jogo. Não estamos diante de uma questão política, mas de uma crise teológica fundamental sobre o significado de ser ortodoxo.
Outros argumentam que falar abertamente poderia colocar em perigo os cristãos ortodoxos russos. Mas o silêncio não os protegeu; apenas encorajou seus perseguidores. Somente a pressão internacional e o testemunho moral ortodoxo global podem dar esperança.
O Concílio Geral da OCA será aberto em 14 de julho de 2025. Este é o momento de nossa decisão. Aproveitaremos esta oportunidade para estar ao lado de quem sofre ou a deixaremos passar com cômoda indiferença? O tempo está se esgotando.
Estamos em uma encruzilhada entre a cômoda indiferença e o testemunho a caro preço, entre a preservação institucional e a integridade do Evangelho.
Oro para que escolhamos estar do lado daqueles que sofrem pelo Evangelho da paz, sabendo que nossa resposta a este momento ressoará nos anos vindouros. Que não nos encontremos inadequados quando nossos irmãos e irmãs mais precisarem de nós.