14 Novembro 2025
Após repetidas incursões e ataques violentos perpetrados por um grupo armado não estatal em diversas partes das províncias de Cabo Delgado e Nampula, no norte de Moçambique, mais de 92.000 pessoas foram obrigadas a fugir de suas casas desde o final de setembro. Destas, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que cerca de 23.000 chegaram à cidade e distrito de Mueda, onde Médicos Sem Fronteiras (MSF) teve que reforçar suas atividades em vários dos campos que abrigam deslocados.
A reportagem é de Fernando Calero García, publicada por Médicos Sin Fronteras, 11-11-2025. A tradução é do Cepat.
“Muitos dos que chegam agora foram forçados a fugir de suas casas diversas vezes durante os oito anos de conflito em Cabo Delgado, onde centenas de milhares de pessoas permanecem deslocadas. Algumas delas já haviam vivido nesses mesmos acampamentos para os quais agora foram obrigados a retornar”, afirma Pedro Basílio, supervisor de atividades de MSF nos acampamentos de deslocados.
A maioria das pessoas que buscaram refúgio em Mueda foge da cidade costeira de Mocímboa da Praia e arredores, onde, em setembro, homens armados assassinaram brutalmente várias pessoas e assaltaram violentamente moradores de bairros próximos ao centro da cidade. No entanto, os ataques no norte de Moçambique, geralmente ações rápidas realizadas por pequenos grupos, afetaram quase todos os distritos de Cabo Delgado nos últimos meses e se espalharam para as províncias vizinhas de Nampula e Niassa. Eles também estão ocorrendo com uma frequência não vista há anos. “Diante de rumores de ataques iminentes, muitos decidem fugir porque não se sentem mais protegidos ou seguros em suas comunidades”, acrescenta Basilio.
“Não tínhamos dinheiro, por isso viemos a pé. Levamos cerca de três dias. Esta é a segunda vez que viemos a Mueda em busca de refúgio”, relata Saidia Albino, que se instalou no campo de deslocados Eduardo Mondlane com sua esposa e três filhos depois de caminhar quase 100 quilômetros. “A primeira vez que saímos foi porque os combates estavam se intensificando em Mocímboa da Praia (em 2022), e agora a guerra recomeçou. Todos estavam indo embora; não havia motivo para ficar. Se eu conseguir encontrar trabalho, acho que por enquanto é melhor tentar construir uma vida aqui”.
As condições de vida nos acampamentos estão se deteriorando devido ao acesso limitado à água potável e ao saneamento básico. A situação deve piorar com a chegada iminente da estação chuvosa e o aumento do risco de doenças transmitidas pela água. “Embora não estejamos vendo muitas emergências médicas agudas no momento, as necessidades de saúde persistem”. “O sistema de saúde local não consegue atender o fluxo contínuo de pessoas em busca de segurança, o que sobrecarrega ainda mais os recursos já muito limitados”, diz Basílio.
Em Mueda, as equipes de MSF reforçaram suas atividades em três campos para deslocados internos (Eduardo Mondlane, Nandimba e Lianda), onde desenvolvem um projeto médico desde 2021. Também atuam em Nanili e Cooperativa, comunidades próximas à divisa entre os distritos de Mueda e Mocímboa da Praia, para atender ao aumento das necessidades humanitárias decorrentes da recente chegada de refugiados. Uma avaliação realizada com quase 500 famílias na comunidade de Nanili revelou que 56 pessoas tiveram o tratamento para HIV interrompido e dez tiveram o tratamento para tuberculose interrompido. Promotores da saúde e agentes comunitários de saúde da MSF estão conscientizando a população sobre higiene e prevenção de doenças e garantindo que o sistema de encaminhamento para atendimento médico permaneça operacional.
Entre 3 e 28 de outubro, a equipe da MSF visitou 9.225 pessoas nos três campos de refugiados em Mueda e encaminhou 432 pessoas que precisavam de atendimento médico ao Hospital Distrital de Mueda ou ao centro de saúde mais próximo. Também realizou mais de 968 sessões de conscientização em grupo, que contaram com a participação de cerca de 11.550 pessoas.
Em resposta ao impacto psicológico do deslocamento repetido e da insegurança prolongada, a MSF também realiza atividades de apoio psicossocial e de saúde mental, que complementam as intervenções comunitárias em andamento. Ansiedade, sintomas psicossomáticos e estresse pós-traumático são os transtornos mais frequentes. Até o momento, as equipes da MSF realizaram 148 sessões de saúde mental em grupo com mais de 1.358 participantes.
“Estamos muito preocupados com a escalada da violência e seu impacto direto em todos os aspectos da vida das pessoas. O acesso aos serviços de saúde está sendo cada vez mais limitado ou completamente interrompido. MSF apela a todos os grupos armados para que garantam ativamente a proteção de civis, trabalhadores humanitários e instalações médicas diante da violência contínua”, afirma Sebastián Traficante, coordenador de Médicos Sem Fronteiras em Moçambique.
Nota para os editores: No final de setembro, MSF foi obrigado a suspender temporariamente suas atividades na cidade de Mocímboa da Praia devido à insegurança. Além de Mueda, as equipes de MSF continuam realizando projetos médicos em Palma e Macomia, cidades que também foram afetadas por essa onda de violência.
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