A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 21,5-19, que corresponde ao 33° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: "Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído". Mas eles perguntaram: "Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?" Jesus respondeu: "Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: 'Sou eu!' e ainda: 'O tempo está próximo.' Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim.' E Jesus continuou: "Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu. Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé. Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa; porque eu vos darei palavras tão acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater. Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. Todos vos odiarão por causa do meu nome. Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!"
O texto do evangelho deste domingo, redigido no fim do século I (aproximadamente no ano 80), quando o Templo de Jerusalém já havia sido destruído pelo Império Romano, tem um forte conteúdo apocalíptico que responde às perguntas que se faziam naquele momento, quando parecia que o fim do mundo estava próximo. A construção deste Segundo Templo começou após o retorno do exílio babilônico no século VI a.C., e posteriormente Herodes, o Grande, o ampliou e transformou. Tenhamos em mente que milhares de trabalhadores, escravos, operários judeus, artesãos especializados e também centenas de sacerdotes que trabalhavam nas áreas sagradas – onde somente eles podiam entrar – participaram dessa construção.
Neste comentário, propomos nos aproximar de Jesus e de sua mensagem para nos perguntarmos o que este texto nos diz hoje em nosso próprio contexto. Como ler suas palavras como Palavra de Deus que questiona e transforma nossa vida, convidando-nos a segui-lo com maior proximidade? Jesus encontra um grupo de seguidores que se maravilham com a magnificência do Templo e “comentavam que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas”. Ao contemplar essa obra monumental — erguida em grande parte por mãos escravas que carregaram materiais e realizaram as tarefas mais árduas — surge a pergunta: como Jesus veria essa grandeza? Ele poderia admirá-la sem perceber o sofrimento que jaz em seus alicerces? Experiências recentes — a pandemia mundial da Covid-19, as enchentes no Rio Grande do Sul ou o tornado no Paraná — nos mostraram a fragilidade de nossas construções, por mais sólidas que pareçam. Essas experiências nos abrem portas para redescobrir nossa vulnerabilidade e a precariedade da condição humana.
Atualmente, existem grandes construções erguidas como muros que buscam isolar e dividir grupos sociais ou impedir a passagem de pessoas de um país para outro. São muros que cercam e separam, que aparentam oferecer segurança a alguns seres humanos em relação a outros considerados perigosos. Também dentro das cidades são erguidas paredes invisíveis e visíveis que “protegem” certos grupos sociais das multidões de pessoas que, por causa da guerra, das consequências climáticas ou por outras causas, foram abandonadas e marginalizadas em sua pobreza e vulnerabilidade e percorrem o mundo em busca de um lugar onde possam viver com dignidade.
Jesus está em Jerusalém, local de peregrinação e também espaço do poder político e religioso que queria matá-lo porque sua mensagem e suas atitudes os denunciavam. Já no Templo, Jesus responde à admiração das pessoas por essas grandes construções: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.”
São palavras fortes diante de algo que parece indestrutível, da mesma forma que foram necessárias centenas de pessoas para construí-lo, naquela época também era necessário muito poder e pessoas escravizadas por esse poder para fazê-lo.
“Antes, porém, que estas coisas aconteçam sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé. ”
Através desta passagem do Evangelho, Lucas exorta a comunidade a permanecer firme na fé, a não desistir diante das adversidades nem se deixar vencer pelo desânimo. A comunidade experimenta a dor do martírio de alguns de seus membros, o abandono da fé por parte de outros e a incerteza diante de um futuro que se percebe ameaçador. No primeiro século, esses pequenos grupos de cristãos viviam o Evangelho com radicalidade, a ponto de entregar a vida por Jesus. Os crentes da primeira geração já não estavam mais entre eles, e as perseguições, juntamente com as guerras que os cercavam, levavam-nos a questionar se tudo isso não era um sinal do fim do mundo próximo.
As palavras de Jesus, no entanto, são claras e encorajadoras: Ele confirma que essas provações virão, mas os anima a enfrentá-las com fé. Mais ainda, convida-os a confiar plenamente em Deus, lembrando-lhes: “Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa; porque eu vos darei palavras tão acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater”. “Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa”. Convida-os a viver com a certeza de que o Espírito os sustentará em meio à provação.
Os cristãos do primeiro século não tinham muros que os protegessem das ameaças do seu entorno. Para celebrar em comunidade, reuniam-se em suas casas, já que não lhes era permitido fazê-lo em espaços públicos. Neste domingo, Jesus nos convida a viver nossa fé de forma aberta, pública, sem muros visíveis ou invisíveis, a proclamar a novidade do seu Reino sem nos preocuparmos com as consequências que isso possa trazer. Ele nos chama a não nos isolarmos do ambiente em que estamos inseridos, a não permitir que se ergam pedras que impeçam o olhar para aqueles que nos rodeiam e estão sendo perseguidos porque incomodam o império vigente! São os perseguidos do nosso século: os mais desprotegidos, aqueles que não “contribuem” para a sustentação dos imperialismos do momento, os pobres, os desfavorecidos. Somos chamados a destruir as paredes invisíveis que marginalizam os pobres dentro das cidades, criando espaços de privilégio diante de multidões despossuídas. São paredes que alimentam o medo e a hostilidade, reforçando a ideia de que certos grupos humanos são perigosos ou indesejáveis.
Como diz o Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti: “criam-se novas barreiras para a autopreservação, de modo que deixa de existir o mundo e existe apenas o “meu” mundo, a ponto de muitos deixarem de ser considerados seres humanos com dignidade inalienável e passarem a ser apenas “eles”. Reaparece “a tentação de fazer uma cultura de muros, de levantar muros, muros no coração, muros na terra para evitar esse encontro com outras culturas, com outras pessoas. E quem quer que levante um muro, quem constrói um muro, acabará sendo um escravo dentro dos muros que construiu, sem horizontes. Porque lhe falta essa alteridade” (FT 27).
Somos convidados a abrir novos caminhos de encontro e, para isso, é necessário construir pontes que ajudem a uma vida fraterna que reconheça a dignidade de cada pessoa, especialmente dos pobres e dos migrantes. Desta forma, daremos testemunho da nossa fé, construindo a fraternidade como único caminho para a paz e a justiça, seremos testemunhas de esperança numa sociedade marcada pelo individualismo e pela autorreferencialidade.