04 Novembro 2025
Ela desapareceu e depois foi encontrada: seu celular havia sumido. A vítima palestina da violência foi enviada de volta a Gaza sem poder prestar depoimento.
A informação é de Gabriella Colarusso, publicada por La Repubblica, 04-11-2025.
Sob vigilância especial, com agentes em frente à sua cela e câmeras gravando constantemente, Yifat Tomer-Yerushalmi, ex-assessora jurídica do Exército israelense que, em agosto de 2024, divulgou um vídeo ao Canal 12 da televisão revelando os abusos cometidos por soldados israelenses contra um detento palestino na prisão de Sde Teiman, permanecerá presa pelo menos até quinta-feira. O ex-procurador-chefe do Exército, Coronel Matan Solomosh, também está atrás das grades: ambos são acusados de obstrução da justiça, fraude e abuso de poder. O caso está desencadeando uma acirrada batalha política em Israel, com a direita acusando os dois militares de traição e a imprensa questionando o Estado de Direito e a capacidade do país de investigar alegada violência e crimes de guerra.
No domingo, a história tomou um rumo sombrio quando a advogada desapareceu por várias horas e uma busca frenética começou por volta das 20h. Seu celular estava desaparecido: segundo os investigadores, ele pode ter caído no mar. Não está claro se ela pretendia cometer suicídio ou fugir, ou, como insinuam jornalistas de direita, se ela simulou uma tentativa de suicídio para roubar as provas de seu smartphone.
O que é certo é que Yifat Tomer-Yerushalmi foi leal às forças armadas por três décadas. Aos cinquenta anos, com três filhos, ela era a advogada de mais alta patente das Forças de Defesa de Israel (IDF), fornecendo orientação jurídica sobre a condução da guerra e que teria que defender as IDF em qualquer julgamento em Haia. O especialista em direito Yagil Levy disse ao jornal The Guardian que a advogada "durante a guerra, deu carta branca ao exército em Gaza, por exemplo, em relação aos danos colaterais causados por ataques aéreos".
Em julho de 2024, a história mudou: a polícia militar prendeu nove suspeitos de abuso contra o palestino. Cinco foram acusados de espancamento, uso de taser e esfaqueamento, mas continuam foragidos. Ontem, eles concederam uma coletiva de imprensa com os rostos cobertos, reclamando de "receber silêncio em vez de agradecimentos". Seus advogados estão tentando usar o escândalo do vazamento de informações para argumentar que toda a investigação foi comprometida.
A prisão deles, há um ano, provocou fúria entre ativistas e políticos de direita, que organizaram manifestações e protestos em frente à base de Sde Teiman. Entre os presentes estavam o ministro do Patrimônio Eliyahu e o deputado do Likud Nissin Vaturi. Um mês depois, a advogada vazou o vídeo da violência para a imprensa. Em sua carta de demissão, ela explicou que o fez para proteger seu escritório "de uma campanha ilegal e falsa de deslegitimação", apenas "porque temos monitorado o Estado de Direito nas Forças de Defesa de Israel".
O jornal Haaretz relata que a advogada evitou investigar outros crimes de guerra por medo de ameaças. Os registros médicos do detento palestino fornecem evidências: "costelas quebradas, pulmão perfurado e lesões retais". Ele foi enviado de volta a Gaza em 13 de outubro, em uma troca de prisioneiros com o Hamas, mas nenhum investigador colheu seu depoimento.
Sde Teiman é uma base militar no Negev que foi transformada em prisão durante a guerra. Investigações da imprensa relataram abusos e violência nessa e em outras penitenciárias. Dezenas de palestinos morreram sob custódia, segundo o The Guardian. Apenas um soldado foi condenado e ninguém foi investigado por crimes cometidos em Gaza.
No domingo, o primeiro-ministro Netanyahu abordou o assunto, condenando o vazamento, que "causou imenso dano à imagem de Israel e das Forças de Defesa de Israel, o ataque de relações públicas mais grave que o Estado já sofreu desde a sua fundação". Ontem, um grupo de manifestantes marchou em frente à casa de Tomer-Yerushalmi: "Vocês não terão paz", gritavam. A direita a acusa de traição e de difamar o exército. Mas as intenções da advogada parecem ter sido completamente diferentes. O jornalista Ronen Bergman escreve que, seis semanas atrás, ela teria explicado suas ações da seguinte forma: "Eles não entendem que não tínhamos escolha? Que a única maneira de enfrentar a onda de processos judiciais internacionais é demonstrar que podemos nos investigar?"
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