29 Outubro 2025
Ofício pede que o governo prove cumprimento da ADPF das Favelas, justifique o uso da força e detalhe custos e objetivos da ação que deixou 64 mortos.
A reportagem é de Carter Anderson, publicada por Agenda do Poder, 28-10-2025.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) enviaram nesta terça-feira (28) um ofício ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), exigindo explicações sobre a megaoperação policial realizada nos complexos do Alemão e da Penha. A ação, que mobilizou cerca de 2,5 mil agentes das polícias Civil e Militar, resultou em 64 mortes — entre elas quatro policiais — e já é considerada a mais letal da história do estado.
Assinado pelo procurador Julio José de Araújo Júnior e pelo defensor público Thales Arcoverde Treiger, o documento questiona se as diretrizes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ADPF 635 — conhecida como “ADPF das Favelas” — foram respeitadas durante a operação. Essa decisão da Corte, de 2020, impõe uma série de limites a incursões policiais em comunidades, sobretudo quanto à preservação da vida de moradores e ao uso proporcional da força.
VÍDEO: Claudio Castro (PL) afirma que não solicitou apoio do Governo Federal porque "na ocasião do 8 de janeiro o presidente Lula teria dito ser contra decretação de GLO".
— Rodrigo Luis Veloso (@rodrigoluisvelo) October 28, 2025
(Teoria mirabolante!!) pic.twitter.com/T6WdQKvaFe
Questionamentos sobre legalidade e transparência
No ofício, o MPF e a DPU solicitam que o governo estadual informe “de que forma o direito à segurança pública foi promovido”, explicando as finalidades da ação, os custos envolvidos e a inexistência de alternativas menos letais para alcançar o mesmo objetivo. Também cobram comprovação de medidas que deveriam ter sido observadas, como:
- Definição prévia do grau de força empregado e justificativa formal da operação;
- Atuação dos órgãos periciais para coleta e preservação de provas;
- Uso de câmeras corporais e nas viaturas;
- Divulgação pública de relatório detalhado sobre a ação;
- Respeito aos horários de entrada e saída de alunos em escolas;
- Presença de ambulâncias nas áreas de confronto;
- Observância das regras constitucionais para buscas pessoais e domiciliares.
Os órgãos afirmam que as respostas são essenciais para avaliar se houve violações de direitos humanos e se o Estado cumpriu as determinações do STF. O pedido também busca verificar se as mortes foram devidamente registradas e investigadas, conforme determinações anteriores da Corte e recomendações de organismos internacionais.
#RiodeJaneiro - Moradores relatam caos nas ruas da cidade depois que pelo menos 64 pessoas morreram – 4 delas policiais – e 81 foram presas nesta terça-feira (28) em uma megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de… pic.twitter.com/kvNK51NNWZ
— g1 (@g1) October 28, 2025
A operação e o balanço oficial
Segundo a Polícia Civil, o objetivo da ação era cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho, incluindo criminosos de outros estados que estariam escondidos nos complexos da Penha e do Alemão, apontados como bases da facção para a expansão do tráfico no país. O balanço oficial indica 56 suspeitos mortos, além dos quatro agentes de segurança. Oito policiais ficaram feridos e quatro moradores foram atingidos por tiros.
Foram presas 81 pessoas e 75 fuzis apreendidos. A megaoperação contou com a participação de promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ).
A ação provocou forte reação de organizações de direitos humanos, partidos de oposição e parlamentares, que questionam a proporcionalidade da força empregada e o alto número de mortes em áreas densamente povoadas.
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