29 Outubro 2025
Uma pesquisa revela um grande paradoxo para os moradores das florestas tropicais: apesar de os povos indígenas serem considerados os “guardiões do planeta”, eles sentem que suas vidas pioraram desde que o Acordo de Paris foi adotado.
A reportagem é de Maria Mónica Monsalve S. Grace Murray, publicada por El País, 27-10-2025.
A primeira Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada na Amazônia em novembro, na cidade de Belém do Pará, Brasil, destacou mais uma vez a importância das comunidades indígenas que vivem em florestas tropicais no combate às mudanças climáticas. Elas são as que melhor conservam a terra, tem sido incansavelmente enfatizado. Mas também estão na linha de frente das mudanças climáticas. Mas até que ponto as negociações internacionais sobre o clima ajudaram a melhorar essa situação? Elas se traduziram em melhores condições de vida para esses povos nos últimos dez anos, desde a assinatura do Acordo de Paris?
Uma iniciativa jornalística liderada pelo Bureau of Investigative Journalism (TBIJ), da qual participou o programa América Futura, do El País, fez as mesmas dez perguntas a 100 indígenas que vivem em florestas tropicais, mais de 70 dos quais vivem na Amazônia. Embora não tenha sido um exercício exaustivo, a maioria afirmou sentir que sua qualidade de vida piorou, apesar de o discurso internacional os ter apelidado de "guardiões da Terra".
A própria vida desaparece
As mudanças climáticas estão colocando a floresta amazônica em alerta. Combinado com a pressão extrativista, esse ecossistema pode se transformar em uma savana, liberando toneladas de emissões e deteriorando a biodiversidade. Mas, para os povos indígenas, as florestas não são uma entidade separada, algo classificado fora de seu próprio ser. "Para nós, a floresta é uma família, uma mãe, um irmão, um pai", disse Alessandra Korap Munduruku, liderança do povo Munduruku no Brasil e vencedora do Prêmio Ambiental Goldman. "Eles são espaços espirituais, são vida e são nossa visão de mundo", descreveu Aracely Riascos Piaguán, do povo Siona na Colômbia.
Mais do que a floresta, os entrevistados disseram que a selva é um supermercado, um templo, uma farmácia, uma catedral, uma loja de ferragens, um lar espiritual e a base da identidade coletiva. Para muitos, não era possível descrever a floresta ou a selva como algo separado deles mesmos.
À medida que suas vidas se deterioram, a deterioração de suas vidas também se deteriora. Sessenta e oito por cento disseram que o maior declínio observado nos últimos dez anos é a capacidade de caçar, pescar e cultivar. "O que mais precisamos continuar sacrificando para que o Norte global possa viver em condições decentes enquanto nossas vidas se tornam cada vez mais indignas?", questionou Patricia Suárez Torres, do povo Murui, da Amazônia colombiana.
Os entrevistados também mencionaram com frequência a falta de acesso a cuidados de saúde. Rocío Picaneray Chiqueno, da Bolívia, disse que não havia posto de saúde perto de sua comunidade, que sofria com novos problemas de saúde, como tuberculose, HIV e pressão alta. Todos os entrevistados na Venezuela comentaram que sua situação de saúde era pior do que há dez anos, e muitos citaram a falta de suprimentos médicos como a principal causa. Dois deles, por exemplo, disseram que precisavam levar seus próprios suprimentos para ir ao hospital.
A mudança na dieta de quem vive nas florestas tropicais, assim como o aumento das temperaturas, também colocou a saúde deles em risco. "Não é um calor que queima, mas sim um calor que queima, como se você estivesse perto de uma fogueira", comentou Roque Miraña Miraña, da Associação de Comunidades Indígenas das etnias Miraña e Bora, na Amazônia colombiana. "E vimos muitas dores de cabeça e fadiga por lá."
Em ameaça
A vida daqueles que vivem nas florestas tropicais está ameaçada por diversas frentes. Mais da metade dos entrevistados identificou as mudanças climáticas como o principal fator que afeta sua comunidade. E quase um quinto das pessoas — todas da Amazônia — mencionou a contaminação por mercúrio. O povo Yanomami, no norte do Brasil, vem sendo severamente afetado por esse problema há várias décadas. "Agora estamos em uma fase de luto porque muitas crianças morreram", disse Waihiri Hekurari Yanomami.
As fronteiras amazônicas também estão se tornando cada vez mais perigosas. Até 17 grupos armados ilegais operam na parte noroeste da região, que abrange partes do Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, de acordo com relatórios da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS). Deisy Brigitte Escobar Piaguaje, uma mulher Siona e membro de uma comunidade que vive entre a Colômbia e o Equador, descreve a situação desta forma: “Nas áreas de fronteira, é muito mais difícil que as estruturas de governo do nosso povo sejam respeitadas. Isso gera insegurança. Isso é ainda mais grave para a Guarda Indígena, que patrulha o território e realiza exercícios de autoproteção.”
Para os povos indígenas, deixar de existir, eles lembram, é colocar a humanidade em risco. "A seca já está sendo sentida e vai ser pior do que no ano passado", comentou Nilson Alvear Peña, do povo Cocama, que vive no trapézio amazônico, entre a Colômbia e o Brasil. "E isso porque as entidades ancestrais e os anciãos não foram ouvidos."
"Nossos territórios são organizados espiritualmente", disse Levy Andoke, da reserva Aduche do povo Andoke, na Amazônia, na mesma estrada. "Eles têm seres espirituais extremamente importantes que tornam a Amazônia possível." Mas esses seres, comenta ele, "não falam inglês nem espanhol, falam apenas andoque", uma língua que ele teme que se extinga com eles.
Ao compartilhar os resultados do exercício, Fany Kuiru Castro, presidente da Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, afirmou que "a situação é grave, gravíssima". Segundo ela, grupos ilegais na Amazônia criminalizam, perseguem e assassinam lideranças indígenas e pessoas que defendem seus territórios, e os perigos são agravados pela crise climática.
Retire os direitos do papel
Não basta ser chamado de guardião. Para que os povos indígenas continuem conservando as florestas, seus direitos e territórios precisam ser reconhecidos. No entanto, mais de 60% dos entrevistados afirmaram que seu país não estava defendendo seus direitos. As razões foram variadas. Vários consideraram que os governos priorizaram as corporações multinacionais, enquanto outros apontaram com indignação o número de defensores ambientais da linha de frente – muitos deles indígenas – que são mortos ou desaparecem em todo o mundo. Segundo a organização Global Witness, 146 mortes ocorreram no ano passado.
Pelo menos uma pessoa em cada país estava insatisfeita com seu governo, mas o problema foi mais agudo no Peru e na Indonésia. No país sul-americano, a maioria dos entrevistados demonstrou indignação palpável com a recente revogação dos direitos indígenas e das leis ambientais. Enquanto isso, na Colômbia, onde os povos indígenas e seus direitos são reconhecidos pela Constituição, os entrevistados mencionaram que isso lhes deu certa segurança em comparação com comunidades de outros países. O problema, mais esclarecido, é que esses direitos permanecem no papel. Zully Nayibe Rivera, do povo Nasa, afirmou que ainda há um longo caminho a percorrer em relação ao reconhecimento de seu território.
No Brasil, país que sediará a COP30, o panorama foi misto. Vários destacaram o que chamaram de forças "anti-indígenas" no Congresso brasileiro, mas muitos reconheceram os esforços do Presidente Lula e a nomeação histórica de Sônia Guajajara como Ministra dos Povos Indígenas, o que lhes deu esperança e empoderamento.
“Nós temos a solução”
Áreas habitadas por povos indígenas e reconhecidas como tais apresentam menores taxas de desmatamento em todo o mundo. A própria ONU transformou isso em um slogan em 2021, popularizando a frase de que os povos indígenas são os melhores guardiões das florestas. No entanto, é um slogan vazio, que chega a frustrar alguns. Wilfredo Tsamash Cabrera, no Peru, chamou isso de insulto. "Olha, eu não sou o bichinho de estimação de ninguém. Não concordo com esse termo." Jamner Manihuari, também no Peru, acrescentou: "Não somos peões de ninguém para atuar como guardiões. Somos os donos do nosso território."
Então, o que implicaria um apoio verdadeiramente significativo? A grande maioria falou em reconhecer formalmente seus direitos territoriais para que possam continuar a sustentar a floresta por meio do conhecimento tradicional. Vários também levantaram a necessidade de financiamento direto para os povos indígenas e a urgência de coibir indústrias poluentes. Além disso, disse Lizardo Cauper Pezo, do Peru, a humanidade precisa mudar sua mentalidade coletiva sobre o que entende por desenvolvimento, repensando-o como algo que não explora os recursos naturais.
E os povos indígenas sozinhos não podem resolver a crise climática. A responsabilidade pela ação deve recair sobre os principais responsáveis por causá-la. Nardy Velasco Vargas, do povo Chiquitano da Bolívia, declarou: "Parece que nós, como povos indígenas, estamos ficando com todo o fardo de salvar o planeta". É uma ideia semelhante à expressa por Rosalía León Marín, da etnia Tatuyo, no Território Indígena do Rio Piraparaná, na Colômbia: "Estamos fazendo toda essa contribuição para a vida no mundo porque é o nosso conhecimento. Mas também estamos preocupados que o mundo ocidental continue a desmatar e imponha um fardo tão pesado de cuidado aos territórios indígenas".
Até mesmo algumas das soluções climáticas propostas internacionalmente e que permeiam a região, como o comércio de compensações de carbono e os programas de reflorestamento (REDD+), são vistas com ceticismo. Na Colômbia, onde o Tribunal Constitucional já emitiu sua primeira decisão sobre a falta de regulamentação dos mercados de carbono, as percepções são divididas. "Tem sido positivo para garantir o acesso dos indígenas à economia", comentou Fausto Cruz, do povo Piratapuyo de Vaupés. "Mas eu, pessoalmente, acredito que o que isso permitiu foi que aqueles que poluem acreditassem que estavam pagando para fazê-lo."
Marcelino Sánchez Noé, representante legal do Conselho Maior Indígena de Tarapacá Amazonas (Cimtar), acredita, no entanto, que isso pode funcionar, mas depende da empresa que desenvolve o projeto. "Há muitas empresas que são fachadas", afirmou, explicando que, em sua comunidade, elas aguardam a criação de uma Entidade Territorial Indígena, uma entidade administrativa que lhes dê maior poder político e autonomia, para assinar qualquer projeto e "impedir que outras instituições se aproveitem".
Apesar de tudo, a COP30, a primeira COP30 amazônica a ser realizada em sua sede, ainda é vista como uma oportunidade. "Desta vez, é na Amazônia, neste território sagrado, nesta floresta de enorme importância para o mundo, para o Brasil e para os povos indígenas", concluiu Maickson Pavulagem. "Acredito que, se a COP30 aprender com os povos tradicionais da Amazônia, daremos um passo muito importante em direção a uma solução climática."
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