O "Pacto Trump", ou seja, a mesquinhez do mal. Artigo de Roberta De Monticelli

Donald Trump | Foto: Gage Skidmore/Flickr

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14 Outubro 2025

"Não é pouco que, perdida a justiça e, portanto, de qualquer forma, também a paz, a nós reste a clareza dos enunciados verdadeiros, sejam eles aqueles dos grandes Tribunais, da justiça e penais do mundo, ou aqueles da inteligência que ilumina a mesquinharia dos enganos", escreve a filósofa italiana Roberta De Monticelli, professora da Universidade San Raffaele, de Milão, em artigo publicado por Il Manifesto, 09-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Não sei se houve outros momentos na história da humanidade marcados por uma diferença tão vertical, tão abismal, entre o bem e o mal. Quer dizer, que está muito, muito embaixo o mal que hoje parece próximo da vitória, na Palestina e em toda a terra. O bem, derrotado, humilhado, caluniado e crucificado hoje na Palestina, não tem um adversário que seja nem minimamente à sua altura. O conflito entre Antígona e Creonte, entre as razões da alma e as razões do Estado, é um conflito trágico. Os adversários estão um à altura do outro. Até o fim, há razões para se oporem.

O conflito entre o povo exterminado em Gaza e massacrado há oitenta anos na Palestina, e o poder tribal que extermina e massacra, com a ajuda de parceiros de negócios estadunidenses, europeus e árabes — não, não é trágico. É muito pior.

É o confronto entre o sofrimento humano infinito e a baixeza rastejante, porém violenta, dos demônios mesquinhos que se apoderaram das alavancas do poder mundial.

Talvez tenha sido a imaginação humana que fez o mal grande como Lúcifer, o anjo caído — talvez o demônio seja inerentemente mesquinho, como sugere a iconografia dantesca, retratando Satanás como uma espécie de verme entranhado no coração gelado da Terra, adornado por detalhes simplesmente obscenos. E talvez hoje, especialmente hoje, devêssemos permanecer em silêncio, aguardando como estamos, juntamente com a nossa humanidade desfigurada e o sofrimento sem fim das vítimas, a resposta que será dada à restituição dos reféns, vivos e mortos, anunciada pelo Hamas.

Na tênue esperança de que a disposição do Hamas de iniciar imediatamente as negociações por meio de mediadores para discutir os detalhes do pacto não seja oposta por uma simples intimação de rendição incondicional. E temerosos de que seja implementado sem resíduos o plano há muito preparado por esses ladrões de vida, terra, civilização, memória e dignidade humana, que obscenamente apertam as mãos ao redor de seu butim de gás, petróleo, impunidade penal e reconstruções bilionárias.

Um Trump Nobel da Paz, um Blair farto de infâmia e lucros, um Bin Salman esquartejador gentil, um patife chamado Netanyahu, digno filho de Benzion Netanyahu, que foi secretário de Jabotinsky, o mais fascista e sanguinário dos intérpretes do sionismo.

Ficar em silêncio, talvez. Mas não a ponto de esquecer a última homenagem à verdade, devida àqueles que sofrem, àqueles que tremem, àqueles que morrem por nenhuma outra culpa além de ter nascido, àqueles que resistem simplesmente por existirem, àqueles que lutam com as palavras do direito universal, àqueles que testemunham a verdade com os seus próprios olhos cansados e celulares. Há uma análise perfeita online da novilíngua do "Pacto Trump", que adiciona uma boa dose de "bipensamento" às clássicas páginas de George Orwell. "Zona desradicalizada" significa vigilância permanente. "Comitê apolítico" significa a exclusão dos palestinos das decisões sobre a sua terra. "Força Internacional de Estabilização" significa militarização por tempo indeterminado.

O ponto 16 promete que "Israel não ocupará nem anexará Gaza", mas, duas linhas depois, especifica que manterá "uma presença de perímetro de segurança até que Gaza esteja adequadamente protegida de qualquer ameaça terrorista". Em outras palavras: para sempre, ou até que nós o decidamos. Lembremo-nos disso enquanto aguardamos os acontecimentos. Não é pouco que, perdida a justiça e, portanto, de qualquer forma, também a paz, a nós reste a clareza dos enunciados verdadeiros, sejam eles aqueles dos grandes Tribunais, da justiça e penais do mundo, ou aqueles da inteligência que ilumina a mesquinharia dos enganos.

A verdade, em última análise, é o próprio cerne da justiça. Mas para quem?

Aldo Capitini, o maior filósofo do pacifismo, deu à sua obra-prima o título A copresença dos mortos e dos vivos (1966). Um grande poeta, Giuseppe Ungaretti, o havia precedido em 1928, com La pietà:

"Está nos vivos o caminho dos mortos,
somos nós a enxurrada das sombras,
são elas o grão que estoura nos nossos sonhos,
delas é a distância que nos resta,
e delas é a sombra que dá peso aos nomes."

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