30 Setembro 2025
Talvez as lentes dos seus óculos sejam tão pequenas quanto os seus olhos. Alegre e pronto para conversar, sempre apaixonado e cheio de humor, Rob Riemen (Países Baixos, 1962) conversa com Ethic sobre seu mais recente ensaio, La palabra que vence a la muerte (Taurus), uma coletânea de histórias que contribuem para enfrentar a decadência moral de nossa época. Além de ensaísta, Riemen dirige o Nexus Institute, um fórum independente criado em 1994 para fomentar o debate filosófico e cultural, no âmbito internacional.
A entrevista é de Esther Peñas, publicada por Ethic, 29-09-2025. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Poderia ter abordado os assuntos que esses quatro contos reúnem como um ensaio, mas preferiu a narrativa, a história. Isto tem a ver com a reivindicação da transmissão oral que existia antes, quando as histórias que nossos pais nos contavam, de alguma forma, nos preparavam para o mundo?
Sim. Sim, é isso mesmo. Muito bem observado. Quando alguém escreve um livro, é porque quer comunicar algo, compartilhar algo com os outros. Os acadêmicos não estão interessados em comunicar nada ao público em geral, só sabem falar de temas especializados, com sua linguagem rebuscada, suas notas de rodapé... Além disso, não faz diferença o que os outros publicam, quando não são citados. Então, decidi que o gênero da narrativa era o mais apropriado para o que eu queria contar, porque é mais fácil de articular, mais agradável de ler. Eu não queria escrever um livro sisudo. Limitei-me a escrever o que Clio me ditava.
Então, foi a musa da História que ditou este livro para você...?
Sim. Que sorte a minha, não é verdade?
Um dos conceitos que aparece no livro é o da “falsa grandeza”. Como pode ser reconhecida? O fato dela ter deslocado a verdadeira, conforme aponta, significa que sua falsidade ao menos não é tão evidente...
Pensemos em determinados pensamentos ou obras de Thomas Mann ou Thomas Bernhard, por exemplo. Neles, vemos que a grandeza é a expressão de apenas alguns, mas agora a grandeza está baseada na quantidade, na maior quantidade de algo, em vez de na qualidade, em vez de ser expressão de valores espirituais: verdade, bondade e beleza.
A grandeza da pintura de Velázquez é muito diferente da “grandeza” de Trump. Passar uma noite com qualquer pessoa doente, no hospital ou em sua casa, é uma grandeza diferente da “grandeza” do homem mais rico do mundo. Por que agora a “grandeza” de Elon Musk fascina tanto? Porque é o homem mais rico do mundo. Estamos obcecados por essa grandeza, uma grandeza falsa porque não tem substância, nem qualidade, é apenas quantidade, aponta para um tipo de poder que é efêmero, que não permanecerá, ao contrário da música de Bach, por exemplo.
Estava pensando em seu primeiro livro, ‘Nobreza de espírito’. Nobreza e grandeza são sinônimos?
Você já leu esse livro? Caramba, não acredito que muitos dos meus compatriotas possam dizer o mesmo... Sim, são sinônimos; uma não se dá sem a outra.
Quando tudo está contra nós, quando estamos em meio ao horror (e há muito horror sendo transmitido ao vivo, em nossos dias), do que depende a escolha da dignidade?
Temos a liberdade de fazer com as nossas vidas o que consideramos melhor. Sempre há alternativa. Cada um pode fazer algo diferente, dentro de suas possibilidades. Como não estamos em um estado totalitário, ao menos ainda, todos e cada um podemos escolher fazer as coisas de outra forma, decidir fazer as coisas de outro modo. Por exemplo, Ethic, sua revista, demonstra que as coisas, neste caso o jornalismo, podem ser feitas de outra forma, defendendo humanismo.
Na biografia que escrevi sobre Orwell, conto como ele, após ter lido Thomas Bernhard, percebeu que mesmo em um contexto hostil, é possível manter a dignidade, como se vê em 1984. Não é fácil porque, como acontece agora, somos levados a acreditar que nada pode ser feito e nos deixamos levar pela inércia. Contudo, é possível manter a dignidade, agindo bem, não pensando em benefício próprio, mas no bem comum.
Por isso, as Musas são importantes, tanto quanto a linguagem, a literatura, que nos permitem conhecer um mundo diferente e nos animam a buscar a dignidade. Os utópicos de hoje são os realistas de amanhã, como já se sabe. Não se deve impressionar, nem deprimir com o que acontece ao nosso redor. Agir corretamente, cada um em sua capacidade, já é todo um triunfo.
Um dos temas que aparecem nesses contos é a escravidão das telas, que lembra muito o conceito de “servidão voluntária” de La Boétiè...
Sim. É que esquecemos que é possível não ficarmos conectados permanentemente... É possível viver sem o X, sem o Facebook, sem olhar essas idiotices do TikTok. Já sabemos que as telas agem como a droga, sabemos disso, mas continuamos nos drogando... E o pior, damos essa droga às crianças! Somos livres, insisto, para mudar o mundo, por exemplo, com o uso das telas, mas não basta apenas acreditar nisto, é necessário agir em consequência.
De alguma forma, também reflete, por meio de seus personagens, sobre como o sucedâneo ocupou o lugar que antes pertencia às virtudes, ao bem comum. Conforme apontava um de seus professores, Steiner, em ‘Nostalgia do absoluto’, isto tem a ver com a perda do sagrado?
Totalmente. Sem dúvida, o primeiro a descobrir isso foi Nietzsche: sem as leis do sagrado, acaba-se no niilismo, e o mundo passa, então, a ser dirigido pelo poder. Quais são os valores nesse mundo? Os econômicos, não há outros. Como está acontecendo cada vez mais, hoje em dia. Nos Países Baixos, não posso dizer que estudei Teologia, porque me olhariam feio, especialmente na Holanda, porque a religião holandesa é o ateísmo. Por isso, meus livros são pouco populares lá.
É curioso que se fale tanto de “valores”, que, afinal, são termos do mercado de ações, em vez de “virtudes”.
Claro, é terrível, mas hoje em dia parece que tudo está relacionado a valores de mercado: que seja o mercado que decida tudo, até o tipo de educação. E o mercado, não nos esqueçamos, baseia-se em coisas utilitaristas e materiais; tem suas próprias leis. Não se deve esquecer que os seres humanos não são um valor de mercado, somos algo, mas se permitimos nos transformar em um valor de mercado, através dessa servidão que mencionava, nós nos transformamos em escravos, podem nos vender e comprar.
Essa situação tem a ver com muitas coisas, é claro, com a perda do sagrado, mas a perda de valores está, por sua vez, relacionada à desvalorização da linguagem, ao fato de que as palavras estão vazias, não significam mais nada. Perderam o seu valor simbólico.
A ópera inacabada Moisés e Aarão, de Arnold Schoenberg, termina com um grito de desespero de Moisés pedindo a palavra, a palavra salvífica, que, por sua vez, está relacionada ao título do meu livro, La palabra que vence a la muerte, ao mesmo tempo em que se une ao início do Evangelho de São João. Steiner, em seu ensaio Linguagem e silêncio, fala que perdemos a capacidade de falar com palavras que tenham sentido e significado, estão vazias.
Estamos na era dos talk shows, do blá-blá-blá constante, assim como fazem os políticos e nós também. Os poetas compreendem melhor isto, por isso cuidam da palavra. Em meu livro El arte de ser humanos, falo a respeito disto, sobre como podemos recuperar o significado das palavras e do sagrado, sem cair na armadilha do fundamentalismo.
Digamos que o livro tem três pernas, como um tripé: a dignidade, a justiça e a beleza. Detenho-me nesta última porque talvez seja a mais inútil das três (inútil enquanto antiutilitária, inútil na forma como você a entende, como Nuccio Ordine a entendia). Por que é tão necessária?
Porque é inútil, você disse, não é brincadeira. Qual é a utilidade do amor? Que valor de troca tem a mulher ou o homem que amamos? Nenhum. As coisas fundamentais da vida não são úteis; não têm a ver com a utilidade. Pensemos no que dá sentido à nossa vida, a amizade, por exemplo. Quando se torna instrumental, perde o seu valor inerente e torna-se uma ferramenta.
Penso naquele prisioneiro chinês do seu livro, que lê enquanto espera a morte (dizem que Sócrates aprendeu a tocar aulos, uma pequena flauta, enquanto passava o tempo antes de morrer). E parece-me que fazemos algo semelhante, mas perverso, enquanto outros morrem...
Há um grande livro de Alberto Moravia, Os indiferentes, no qual diz que a indiferença é a essência do espírito fascista. A tragédia de Israel se baseia na indiferença que teve de suportar durante dois mil anos. Não teríamos chegado onde estamos, se o antissemitismo, os pogroms, os guetos e a Inquisição não tivessem feito parte de nossa cultura... tudo o que culminou naquele terrível Holocausto. A Europa poderia ter bombardeado os trilhos dos trens que levavam os judeus para os campos de extermínio. Não agiu assim.
E agora Israel está copiando e fazendo tudo o que aconteceu com eles, e Stephen Miller, da Casa Branca, está fazendo a mesma coisa que a SS fazia com as deportações. Nossa civilização se tornou o ápice do mal e das trevas. Nós, humanos, podemos criar beleza ou destruição. Ambas existem dentro da capacidade humana: o melhor e o pior. Não existe algo completamente mau (bom, não tenho certeza), nem completamente bom. Somos uma mistura, e depende da nossa coragem fazer o correto, o bem.
Pensemos nas pessoas comuns, quando realizam uma ação realmente boa, heroica. Se lhes perguntamos por que agiram assim, costumam responder: “fiz o correto”. Não se deve perder a fé. A natureza apocalíptica do nosso tempo terá um fim. Há pessoas como Mike Pence, que, apesar de ser republicano, fez o correto durante o ataque ao Capitólio. Podemos imaginar as pressões que enfrentou, mas decidiu não apoiar Trump. Fez o correto. Manteve a dignidade.
Uma última curiosidade: por que usa dois relógios, um em cada pulso? É por acaso que o analógico está no esquerdo e o digital no direito?
Que coisa, só as mulheres prestam atenção nisto. É estranho... concordo. Cresci em uma família humilde e católica. Meu pai era um líder sindical. Éramos seis irmãos. Nunca tivemos muito dinheiro, então, se você quisesse alguma coisa, tinha que trabalhar. Aos 11 anos, comecei a entregar jornais muito cedo e fui poupando até juntar 85 florins (cerca de 40 euros). No dia 1º de dezembro de 1974, comprei este relógio analógico, que me lembra de onde eu venho. Sempre me acompanhará. O digital é apenas um relógio quase adereço, que me diz coisas desnecessárias, como durmo, quantos passos eu dou... vou trocá-lo de vez em quando, porque é meramente utilitário.
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