30 Setembro 2025
Faltam menos de 24 horas para a meia-noite de terça-feira, quando a paralisação do governo entrará em vigor caso os republicanos não consigam os oito votos necessários no Senado para aprovar sua proposta de financiamento. A última vez que os Estados Unidos vivenciaram uma paralisação do governo foi em 2018, durante a primeira presidência de Donald Trump, e durou 35 dias. Foi a mais longa paralisação do governo em quarenta anos, mas o impacto na economia foi mínimo. No entanto, desta vez, pode ser prejudicial se o episódio se prolongar novamente.
A reportagem é de Juan Gabriel García, publicada por El Diario, 30-09-2025.
Para fins práticos, uma paralisação do governo significa que os dois partidos não conseguiram chegar a um acordo no Congresso para aprovar um projeto de lei para continuar financiando o poder executivo. Como resultado, muitos funcionários estão temporariamente suspensos. Enquanto alguns são mandados para casa, funcionários essenciais — como policiais — continuarão trabalhando sem remuneração até que o financiamento seja processado. De qualquer forma, desde 2019, o salário a ser recebido após a reabertura do governo é retroativo.
Em março passado, Trump conseguiu evitar uma paralisação pouco antes do prazo final. Naquela época, o caos administrativo que o presidente havia criado com demissões em massa de servidores públicos já prenunciava uma paralisação do governo mais drástica do que o normal. Seis meses depois, o cenário que se seguiu parece ainda mais turbulento, e é justamente por isso que a economia pode se sair mal.
Este ano, a economia do país começou a dar sinais de arrefecimento com os recentes dados de queda do emprego. Em agosto passado, apenas 22 mil empregos foram criados, e a taxa de desemprego subiu ligeiramente, de 4,2% para 4,3%, seu nível mais alto em quase quatro anos. Além disso, uma revisão dos dados de emprego dos meses anteriores — Trump acusou o Bureau of Labor Statistics de manipulá-los porque não gostou dos resultados ruins — concluiu que, até junho, 13 mil empregos já haviam sido perdidos, a primeira perda líquida desde o final de 2020, em meio à pandemia.
Para comparar o enfraquecimento da economia, basta voltar ao verão passado, quando, em plena campanha eleitoral, os mercados entraram em pânico com a divulgação dos números de emprego de julho. Foram os seguintes: 114 mil empregos foram criados (muito menos do que o esperado) e a taxa de desemprego subiu para 4,3%. Esse medo decorreu do fato de que uma desaceleração no mercado de trabalho é interpretada como um dos primeiros sinais de alerta de uma possível recessão. No entanto, é importante ressaltar que os mercados de ações tendem a ser um tanto sensíveis.
Além da instabilidade que uma potencial paralisação do governo trará neste contexto, Trump ameaçou novas demissões em massa na força de trabalho federal se o incidente não for evitado. O presidente dos EUA está usando isso como um meio de pressionar os democratas para atingir o mínimo de 60 votos no Senado. A estreita maioria republicana de 53 cadeiras o obriga a ceder. Além disso, desta vez, um dos seus, o republicano Rand Paul, já disse que também votará contra, pois não concorda com a extensão do financiamento da era Biden.
Os cortes massivos orquestrados pelo grupo de trabalho do DOGE já inundaram o mercado de trabalho em certos setores, como aconteceu com o fechamento da USAID. O desmantelamento da agência de ajuda humanitária não só significou que milhares de funcionários e consultores se viram repentinamente na rua, como também muitas ONGs que receberam financiamento tiveram que cortar pessoal. O resultado: um setor que viu a oferta exceder a demanda em questão de dias, porque um de seus maiores empregadores fechou.
Se a ameaça de demissões em massa se concretizar, isso adicionará incerteza à economia. "O momento não é o certo. Desta vez é um pouco mais perigoso", explicou David Kelly, chefe de estratégia global do JPMorgan, à CNN.
A paralisação do governo também interromperia a coleta de dados sobre a saúde econômica do país, da qual dependem os investidores e o próprio Federal Reserve (Fed). Um dos motivos pelos quais o Fed decidiu cortar as taxas de juros em 0,25 ponto percentual é a tendência de queda nos dados de emprego. O banco central dos EUA priorizou o estímulo ao emprego em detrimento do potencial efeito inflacionário. De fato, um dos primeiros afetados seria o Bureau of Labor Statistics (BLS), que não publicaria seu relatório de empregos de setembro.
Sem dados para se basear
Na segunda-feira, o Departamento do Trabalho publicou um plano de contingência para a paralisação, que afirma que os dados econômicos programados "não serão divulgados". O problema com o fechamento do Bureau of Labor Statistics não é apenas este, mas que, enquanto estiver fechado, provavelmente interromperá as pesquisas para preparar o relatório de emprego de outubro, previsto para novembro. O plano trabalhista alerta: "Todas as atividades ativas de coleta de dados para as pesquisas do BLS serão interrompidas". Acrescenta que uma paralisação prolongada pode afetar a "qualidade dos dados" coletados e as estimativas futuras.
A confiabilidade da economia americana já foi comprometida pela pressão de Trump para minar a independência do Federal Reserve. O fato de a credibilidade dos indicadores econômicos compilados pelo governo ser duvidosa também não ajuda.
Embora Wall Street tenha se tornado uma montanha-russa sob o governo Trump, os mercados podem não ser tão severamente afetados. Bob Elliott, diretor de investimentos da Unlimited Funds, escreveu em uma publicação no Substack que os mercados estão seguindo "o mesmo manual de sempre", segundo o qual uma paralisação do governo não importará para a economia.
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