27 Setembro 2025
Quando pensamos na vida de uma pessoa abastada, certamente, vem à nossa mente as palavras luxo, iates, viagens caras, mansões, relógios exclusivos etc. Mas e se ressignificássemos essa ideia? Para onde poderia apontar outro tipo de existência desejável que garanta a sobrevivência do planeta?
É o que expõe o antropólogo climático e cientista do Conselho Superior de Investigação Científica - CSIC, Emilio Santiago Muiño, em seu ensaio Vida de ricos (Lengua de trapo, 2025). Um livro no qual propõe uma terceira via, rejeitando tanto o consumismo destrutivo quanto a austeridade resignada para encontrar uma vida atrativa, em condições ideais - tempo livre, atmosfera habitável e segurança material – para que cada pessoa possa explorar e desenvolver suas paixões. Uma ideia esperançosa que demonstra, segundo suas palavras, que abundância, prosperidade e ecologia podem ser termos complementares.
A entrevista é de Carlos Madrid, publicada por La Marea-Climática, 26-09-2025. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
É possível ter uma vida de ricos que garanta a sobrevivência do planeta?
Sim, sem dúvida alguma. Não só é perfeitamente compatível, como também pode ajudar o programa ecologista a lidar com alguns problemas estratégicos ou discursivos. Abundância, prosperidade e ecologia não apenas não se contradizem, como são termos complementares.
Para isso, o primeiro passo é ressignificar o termo. Como podemos alcançar essa vida melhor?
O que é importa é que o ecologismo em particular e a esquerda em geral voltem a reivindicar o aspiracional, algo que não há razão para acontecer nas coordenadas capitalistas e consumistas. Eu não tento definir qual é a vida boa, mas, sim, construir possibilidades para inaugurar uma verdadeira liberdade e uma experiência de plenitude que ouso a dizer que são superiores.
Eu proponho uma série de condições que têm a ver com a satisfação das necessidades básicas, com tempo livre e uma atmosfera habitável. Sem isso, ninguém é livre. A partir daí, gerar convicções para que cada pessoa explore suas grandes paixões, seja através da beleza, da sensualidade, da exuberância vital etc. Penso que isto é o verdadeiro luxo que podemos almejar e com o qual podemos vencer a batalha do desejo contra o neoliberalismo.
Sobretudo, levando em consideração que a vida atual, em muitos casos, não nos faz felizes.
Isso já vem sendo falado há muito tempo. Os sintomas estão aí, e o mais evidente é a atual epidemia de saúde mental. Esta é a ponta do iceberg da alienação, não se sentir dono de sua vida, que se vive em uma gaiola de ferro, que mesmo quando se é um dos privilegiados da sociedade, não há o sentimento de realização e felicidade. Com isto é possível demonstrar que o modelo de felicidade neoliberal, na prática, fracassou.
Deve haver pessoas que não o vivenciam dessa forma, mas, em geral, é assim. Diante disso, temos a possibilidade de desafiar um horizonte de luxo comunal, ou seja, almejar uma vida em que se tornar adulto não signifique se adaptar a uma sonolência rotineira, presa a empregos de merda, esforços inúteis e recompensas vazias.
Ressalta que o tempo livre, as relações comunitárias, a segurança material e a paixão desempenham um papel muito importante.
Esses elementos são fundamentais. O tempo livre é uma condição de soberania pessoal, portanto, qualquer política que esteja orientada para a sua democratização é um elemento consubstancial deste luxo comunal. As relações comunitárias também, já que nós, seres humanos, não fomos feitos para viver sozinhos. Por fim, ter segurança material e poder desenvolver a paixão, ou seja, poder desenvolver atividades que são um fim em si mesmas. Este é o verdadeiro luxo que podemos almejar.
Para alcançar uma mudança, a primeira coisa que devemos fazer é oferecer uma melhoria. Algo que nunca foi uma prioridade no ecologismo.
Após cinquenta anos de movimento, estamos cientes de que o que foi feito, em grande parte, não é o suficiente: não é o dado, nem o apelo às emoções do medo. Há uma dose de alarmismo que considero saudável e normal, mas o ecologismo se encalhou nela. É necessário entender que se está convocando as pessoas a uma grande transformação em suas vidas e em sua sociedade, o que envolve enormes esforços e riscos. Se você quer convocar um sujeito ambicioso, com vontade de fazer história, precisa oferecer um horizonte de melhora.
Mesmo assim, sendo realistas, teremos que experimentar algum decrescimento.
Totalmente. O otimismo que proponho não é ingênuo ou positivo. De qualquer forma, devemos estar cientes de que temos mais margem de manobra do que tínhamos há 25 anos, graças à revolução tecnológica das energias renováveis, das baterias e da eletrificação. Graças a elas, não teremos de retornar a uma sociedade pré-industrial, de base rural.
Pode haver uma certa continuidade, mas existirão coisas que terão de mudar. Como a alimentação, por exemplo. Não poderemos mais continuar comendo tanta proteína animal a nível mundial. Mas também há outras questões que têm a ver com a mobilidade, os voos, a sociedade de consumo etc.
O ecossocialismo espontâneo pode nos ajudar muito a criar essa nova vida. O que é e como pode ajudar?
O neoliberalismo foi muito eficaz em seu projeto político porque sua ideologia se incorporou em nossa antropologia, ou seja, em toda uma série de hábitos espontâneos aos quais somos induzidos pela própria matéria cultural em que vivemos. Do celular ao modelo de cidade. Em Madri, vimos isso com o PP, que construíram seus próprios eleitores. Por isso, temos de buscar políticas que gerem ecossocialismo espontâneo: formas fáceis que levem a nos relacionarmos com nossos concidadãos e com a natureza de uma maneira diferente.
Onde eu vi uma ferramenta muito poderosa é no urbanismo, em cidades como Barcelona e Paris. Uma série de mudanças que pode criar tipos de sujeitos humanos diferentes. O problema é que é muito fácil falar, mas difícil de fazer, porque você precisa governar por muito tempo ou que seus valores sejam respeitados pelos outros.
Leia mais
- “É preciso projetar um futuro viável e atrativo para viver”. Entrevista com Emilio Santiago
- “Sem as ciências sociais, a crise climática é simplesmente incompreensível”. Entrevista com Emilio Santiago Muíño
- Futuro do planeta passa pela sabedoria das mulheres indígenas
- Precisamos de uma conversão ecológica para salvar o nosso planeta. Artigo de Carlo Petrini
- O frágil equilíbrio de nosso planeta e o imperativo de uma conexão entre tecnologia e ética. Entrevista especial com Jelson Oliveira
- Alto lá, esta terra tem dono: atrocidades do país da COP30. Artigo de Gabriel Vilardi
- O futuro do Brasil está na abundância de fontes renováveis e não nos combustíveis fósseis
- A urgência de um pacto social planetário. Artigo Leonardo Boff
- “Tenho a esperança de que nossa civilização entre em colapso e possamos construir sobre novos alicerces”. Entrevista com Tim Ingold
- IHU Cast – Pós-desenvolvimento, o Bem Viver e os direitos da Natureza
- Defender o bem comum para sobreviver ao delírio tecnomachista. Artigo de Alejandra Mateo Fano
- Parisienses estão divididos entre apoiar a sustentabilidade ou ceder ao conforto do ar-condicionado
- Sustentabilidade de fachada: o outro lado da COP30 em Belém. Entrevista especial com Juliano Pamplona Ximenes Ponte
- É possível garantir a sustentabilidade da Terra? Artigo de Leonardo Boff
- ‘Nós não podemos ser uma máquina de fazer coisas’. Entrevista com Ailton Krenak
- "Os humanos serão despachados da terra por mau comportamento", diz Ailton Krenak
- Davi Kopenawa: “O povo da mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta”