20 Setembro 2025
O que a teologia moral pode ou poderia dizer sobre a guerra na Ucrânia, com base na abordagem do livro A Alegria da Vida e na discussão deste texto no volume Ética Teológica da Vida? Seguindo Dom Vincenzo Paglia (veja aqui no SettimanaNews), fizemos a pergunta à teóloga francesa Marie-Jo Thiel, uma das autoras de A Alegria da Vida. Uma Jornada de Ética Teológica: Escritura, Tradição, Desafios Práticos (Cidade do Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2024). Este texto, para o qual contribuíram oito teólogos, traça uma jornada de ética teológica e foi discutido e explorado em profundidade no volume Ética Teológica da Vida. Escritura, Tradição, Desafios Práticos (Cidade do Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 2022).
A entrevista é de Fabrizio Mastrofini, publicada por Settimana News, 19-09-2025.
Eis a entrevista.
Cara Marie-Jo Thiel, o que a teologia moral pode ou poderia dizer sobre a guerra na Ucrânia, de acordo com a abordagem do livro A Alegria de Viver e a discussão deste texto contida no volume Ética Teológica da Vida?
Em seu motu proprio Ad promovendam theologiam, o Papa Francisco enfatizou acertadamente a importância da transdisciplinaridade. As justificativas teológicas para o discernimento ético são valiosas; elas nos lembram da importância e da necessária centralidade da paz. Mas a paz não cai do céu. Ela deve ser construída dia a dia. Na Ucrânia, no Oriente Médio e em todos os locais de conflito.
E por isso, a ética teológica não pode permanecer isolada e presa a uma autorreferencialidade que conduz à insignificância. Ela deve abrir-se a outros campos do conhecimento, numa abordagem transdisciplinar onde nenhuma ciência oferece uma "solução" única, mas onde o uso de novas categorias desenvolvidas por outros campos do conhecimento nos permite imaginar e desenvolver caminhos para esse trabalho a serviço do processo de paz.
Em A Alegria da Vida (publicado por vários teólogos como parte da Pontifícia Academia para a Vida, da qual participei), dedicamos um capítulo inteiro (n. 5) à ética teológica, enfatizando o papel central da consciência e o papel da responsabilidade. Mas, para que esses princípios sejam eficazes, eles devem se basear em uma "economia do outro" (n. 33) e em uma "visão global do mundo" (n. 50).
Em suma, a construção da paz se enquadra em uma perspectiva global, que envolve não apenas as teologias das religiões, mas também questões políticas, ambientais, sociológicas, antropológicas, culturais, psicológicas, econômicas, de compartilhamento de riqueza, etc.
Mas o que fazer quando uma das partes não deseja verdadeiramente a paz, como no caso da Ucrânia? Para evitar o agravamento da situação, os países europeus optaram por aplicar pressão econômica. Esta é certamente uma forma útil de progredir, mas é preciso dizer que não é suficiente.
A fé cristã deve desempenhar seu papel, mas é notável que grande parte da elite ortodoxa compartilha a linha política de "Rússia para sempre", que nunca existiu, semelhante a "A Igreja para sempre". Este é um slogan também defendido por alguns movimentos identitários para evitar o engajamento nas transformações necessárias.
E que avaliação a teologia moral poderia fazer do conflito no Oriente Médio?
A situação no Oriente Médio não é mais fácil. Os líderes políticos não são semelhantes aqui e ali? E o povo judeu parece incapaz de deter as políticas de seu governo em Gaza e nos territórios palestinos ocupados. Há — como enfatizou o cardeal filipino Pablo Virgilio David — "uma terrível contradição", visto que essas políticas infligem a outro povo essa guerra de extermínio, sofrida como a dos nazistas.
Como teólogo, estou atônito e chocado com esses bombardeios que não têm outro propósito senão a destruição, com os bloqueios que matam de fome uma população inteira, com o que parece apropriado chamar de genocídio. Gaza se tornou um cemitério de inocentes. E muitos israelenses hoje se manifestam, referindo-se ao Holocausto, denunciando: "Fomos vítimas; nos tornamos agressores."
Isso não absolve os terroristas dos terríveis ataques que cometeram, mas uma punição coletiva não pode ser infligida a um povo que não teve nada a ver com esses massacres.
Na Bíblia, a lei da retaliação limitava a vingança, antes que Cristo desse um novo passo com o amor aos inimigos. Nem cristãos, nem judeus, nem homens e mulheres de boa vontade podem permanecer indiferentes a essas tragédias, atrelados a egos humanos , predatórios e enredados num senso de onipotência.
Mas qual é a atitude correta? Além da proibição da vingança (porque essa tarefa deve ser assumida pelo direito internacional), o teólogo também enfatizará a centralidade da questão da terra. O povo da Primeira Aliança deve ter sua própria terra, mas o povo palestino também.
O famoso escritor israelense e militante da esquerda pacifista, David Grossman, garante em entrevista ao La Repubblica (01-08-2025) que permanece "desesperadamente fiel" à ideia de uma solução de dois Estados, Palestina e Israel.

Livro "A Alegria da Vida. Uma Jornada de Ética Teológica: Escritura, Tradição, Desafios Práticos"
Diante do poder das armas, o que podemos empregar em um conflito? Dadas as baixas civis excessivas, ainda podemos falar de uma "guerra justa"?
A doutrina da "guerra justa", baseada no critério da proporcionalidade, influenciou profundamente o catolicismo. Mas surgiu numa época em que os métodos de guerra, as armas e a escala dos conflitos nada tinham a ver com o que conhecemos hoje. O uso de meios de destruição pode, atualmente, pôr em perigo até mesmo a sobrevivência da espécie humana. E, em geral, nenhuma guerra é justa. Nenhuma é inocente. Nenhuma resolve conflitos que devem ser enfrentados por meio do diálogo. João XXIII já havia questionado o princípio da guerra justa.
A dificuldade reside no desejo das instituições por uma paz justa, respeitosa dos povos, que devem ser capazes de se defender quando atacados. No entanto, é necessária uma reflexão interdisciplinar para identificar e promover métodos não violentos para responder à violência da agressão.
No contexto atual do populismo, a questão é crucial: como responder ao mal da agressão militar e, sobretudo, a uma ofensiva injusta e unilateral, sem cair no ciclo vicioso de todos os males da violência?
A teologia cristã deve, juntamente com as partes interessadas, dedicar sua pesquisa ao desenvolvimento da paz, à educação não violenta e à mobilização internacional para bloquear os recursos do agressor. Sem dúvida, é necessária uma reflexão mais aprofundada sobre o comércio de armas e a criação de uma força militar supranacional de manutenção da paz, independente de Estados individuais.
O Papa faz apelos pela paz em todas as ocasiões. O Papa Francisco também o fez, em todas as audiências públicas. Mas será que bispos e teólogos ouvem esses apelos dos papas?
Não se pode dizer que teólogos e líderes institucionais da Igreja não façam nada. Já em 2018, teólogos morais franceses abordaram as "Novas Questões da Guerra" (Revue d'éthique et de théologie morale, n. 300, setembro de 2018).
Em 09-012-2021, o Observatório da Cultura e da Fé (OFC), órgão da Conferência Episcopal Francesa, presidido por Dom Pascal Wintzer, organizou uma conferência intitulada "Guerra na Europa. A História como Caminho para a Reconciliação. A Contribuição Cristã". De acordo com o comunicado oficial, o tema surge na esteira da "invasão russa da Ucrânia [que] reacendeu a realidade belicista no continente europeu e exige uma releitura da história recente".
A revista ET Studies da Association européenne de théologie catholique (AETC) / European Society of Catholic Theology (ESCT) dedicou uma edição inteira (14/1, 2023) às Guerras e religiões.
Por fim, o Cardeal Jean-Marc Aveline, que preside a Conferência Episcopal Francesa desde 1º de julho de 2025, inaugurou sua presidência viajando com alguns de seus confrades a Gaza de 16 a 20 de agosto de 2025. Foi uma visita de solidariedade, para encorajar e clamar pela paz. Mas essas iniciativas continuam pouco ouvidas ou disseminadas. Talvez porque permaneçam muito autorreferenciais e/ou porque as guerras não mobilizam muita força de vontade e sua duração esgota a força psicológica.
Diante do conflito, da fome, da injustiça e das consequências que eles causam, a teologia moral não deveria ser a disciplina teológica que abrange todas as outras? Como você avalia essa proposta? Ela não está conectada ao que está escrito em " A Alegria da Vida" e "Ética Teológica da Vida"?
A teologia cristã é portadora de uma esperança ancorada na morte e ressurreição de Cristo. Em vários contextos de desespero, quando as tragédias parecem intermináveis, ela ainda é capaz de afirmar que este não é o fim. Na coletiva de imprensa dos bispos franceses em Gaza, o Cardeal Aveline concluiu com esta mensagem: "Quando todos os motivos para esperança desaparecem, a esperança de sua ressurreição permanece no coração daqueles que creem em Cristo. Quando tudo desmorona, a esperança de que Deus fará algo permanece." O Padre André Louf, abade de Mont des Cats, escreveu: "Deus sabe criar obras-primas com os escombros de nossos sonhos. Isso é esperança."
Dito isto, repito, juntamente com o Papa Francisco, que a ética teológica deve discernir, juntamente com outras disciplinas relevantes que possuam conhecimentos complementares, para alimentar conjuntamente a Esperança. E torná-la concreta. Os teólogos que escreveram A Alegria de Viver concluem sua reflexão assim: "A fé cristã não é um produto da cultura da vida, mas vive de bom grado na companhia de uma fidelidade tenaz às suas promessas, na expectativa, mesmo contra toda a esperança" (n. 254).
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