10 Setembro 2025
"Algumas Partes do Todo" foi o nome do Encontro Internacional de Resistências e Rebeliões organizado em território zapatista, com a participação de mais de 3 mil pessoas, entre bases de apoio, cidadãos mexicanos e cidadãos de outras partes do mundo.
A reportagem é de Carlos Soledad, publicada por El Salto, 07-09-2025.
Demonstrando admirável organização, os zapatistas prepararam o Encontro Internacional de Resistências e Rebeliões "Algumas Partes do Todo". Eles acolheram aproximadamente 3 mil pessoas das bases de apoio zapatistas, cidadãos mexicanos e pessoas de todo o mundo durante 15 dias, de 2 a 17 de agosto, em terras recuperadas localizadas no Caracol Morelia, em Chiapas, México. Eles praticaram o que o crítico do desenvolvimento Gustavo Esteva propôs como alternativa ao desastre capitalista: a hospitalidade. Foi isso que os zapatistas fizeram, criando condições para o reconhecimento mútuo e fomentando relações horizontais entre povos de diversas culturas.
Os zapatistas alojaram os participantes (que não apenas ouviram, mas também compartilharam suas lutas) em estruturas cobertas ou sob grandes tendas para acampar, enquanto montavam tendas ao redor dos espaços, deixando os melhores lugares para os visitantes. Construíram e disponibilizaram banheiros, chuveiros e lavanderias para todos. Dois grandes auditórios, mesas 1 e 2, também foram montados, onde coletivos e organizações de todo o mundo compartilhavam suas ideias diariamente.
Houve uma grande presença internacional, começando com vários indivíduos, organizações e coletivos de Abya Yala, bem como da Europa Rebelde ou Slumil K'ajxemk'op (como os zapatistas a renomearam durante a Turnê pela Vida), jovens gringos organizados em terras roubadas, Chile, Nicarágua e Brasil em resistência, bem como a participação do povo Mapuche, da Austrália e de muitos outros movimentos. Do México, compareceram representantes das Mães em Busca, do Congresso Nacional Indígena, do Centro Frayba de Direitos Humanos, bem como de grupos de mulheres das periferias e de muitas outras organizações. Eles encontraram uma gama incrivelmente diversa de lutas e línguas, tantas que seria impossível listar aqui em poucas linhas. Como se não bastasse, a cozinha comunitária "El Común" funcionava todos os dias sob os cuidados dos chefs Manuel e Mari José, que, com uma equipe de aproximadamente 30 pessoas, alimentavam o Encontro todos os dias durante longos turnos de 20 horas.
A denúncia do genocídio sionista e o apoio à resistência palestina foram constantes durante todo o evento. Em vários debates, palavras de ordem de solidariedade foram gritadas, informações sobre a situação foram fornecidas e apelos foram feitos para continuar a organização e a divulgação. Durante vários dias, um protesto com panelaços foi realizado em apoio, começando no pátio do Caracol Morelia e se espalhando pelo Refeitório e outros locais, lembrando os participantes da urgência histórica que enfrentamos.
“Destrua a pirâmide”
Uma das principais propostas promovidas pelos zapatistas durante o Encontro foi destruir as pirâmides do sistema capitalista (políticas, mas também sociais e ideológicas) e, em seu lugar, construir "os bens comuns" sobre a base democrática dos nossos povos. Eles também alertaram sobre a necessidade de nos prepararmos para a tempestade que se aproxima, tanto a do capitalismo quanto a da Mãe Terra.
Durante os primeiros dias do Encontro, os zapatistas realizaram uma peça teatral em várias partes na qual uma pirâmide monumental representando o capitalismo, com lendas de desapropriação, exploração, repressão e desprezo escritas em cada lado da pirâmide, foi completamente destruída, deixando apenas a base de pé, simbolizando sua proposta política.
Em outras duas ocasiões ao longo do Encontro, os companheiros zapatistas apresentaram peças informativas com a magnífica participação de dezenas de atores e atrizes. Nessas peças, apresentaram ao público dois grandes exercícios de reflexão e compromisso assumidos pelas comunidades. O primeiro consistiu em um diálogo entre as comunidades zapatistas atuais e uma assembleia de zapatistas falecidos, significando seu compromisso com todos aqueles que deram suas vidas para que pudessem ser livres hoje. A segunda peça representou um diálogo com as "aguitas", como chamavam uma representação de óvulos e espermatozoides que representam o futuro — ou seja, o compromisso com a luta pela liberdade que os zapatistas atuais assumiram com as comunidades de amanhã.
A proposta política das comunidades zapatistas insere-se na linha de organizações e movimentos em todo o mundo que lutam fora do Estado e das pirâmides. Como apontou Raúl Romero, enquanto neoconservadores e neoliberais disputam o controle do planeta, uma alternativa é urgentemente necessária. Essa alternativa é a dos povos organizados na base e à esquerda, anticapitalistas. Já na Sexta Declaração da Selva Lacandona, os zapatistas afirmavam: "Dizemos apenas que o nosso é um anticapitalismo mais modesto: é aquele que mira no próprio coração do sistema. Os hábitos de consumo de uma sociedade ou as formas e meios de circulação de bens podem ser alterados, mas se a propriedade dos meios de produção não mudar, se a exploração do trabalho não desaparecer, o capitalismo permanecerá vivo e ativo".
Enquanto o mundo sofre uma onda de neofascismo, com movimentos de extrema-direita se espalhando e governando as pirâmides dos Estados-nação; enquanto partidos de direita e social-democratas no poder continuam a sustentar o capitalismo e o poder corporativo por meio de megaprojetos, bem como distribuindo programas sociais que, em vez de mudar a estrutura, dividem as comunidades, o zapatismo continua a convocar os organizados a descer, não a subir, a não desistir da criação de alternativas anticapitalistas.
Durante a reunião, eles nos incentivaram constantemente a focar no que nos une e a aprender com outras lutas. Ressaltaram que podem compartilhar suas lutas nas montanhas, mas que o contexto nas cidades é diferente e que aqueles que lutam lá podem contribuir muito para o resto de nós. Também indicaram que estavam lá para ouvir e aprender com outras lutas.
O zapatismo é um dos movimentos de resistência mais transformadores do mundo, praticando e promovendo o aprendizado contínuo. Eles trazem um sopro de ar fresco aos movimentos tradicionais, onde a autocrítica é notoriamente ausente e onde conquistar o topo da pirâmide é o verdadeiro objetivo. Isso foi apontado por Raúl Zibechi, que destacou a capacidade de autocrítica do zapatismo, que lhe permitiu ser uma das revoluções mais duradouras da história.
Os bens comuns e a não propriedade
No 30º aniversário do movimento zapatista, no Caracol de Dolores Hidalgo, em 2023, os companheiros e companheiras zapatistas apresentaram seu projeto de "Terra em Comum" ou "Não Propriedade", que foi outro conceito-chave no atual Encontro Internacional, somando-se a tantas outras contribuições que enriqueceram a luta dos companheiros e redes de solidariedade zapatistas, como "raiva digna", "tudo para todos, nada para nós", "rebelião alegre", etc. Na sessão de partilha do Exército Zapatista (EZ), o Sup Moi — como o Subcomandante Moisés é coloquialmente conhecido — destacou que eles já haviam colocado a terra em comum para trabalhar. Trata-se de terras recuperadas que são emprestadas a companheiros zapatistas e não zapatistas para que tenham uma fonte de trabalho. "A colheita obtida é para as pessoas que trabalharam aquela terra igualmente, mas a terra continua sendo comum", disse o subcomandante.
"Os bens comuns" começam destruindo "a pirâmide", que são as muitas estruturas verticais de poder, que tendem à corrupção. Mas os zapatistas, explicaram, não o fazem como algo que leram: "Não estudamos em livros para entender o que significa... aprendemos com nossos avós, bisavós, essa ideia maravilhosa de viver e nos defender em comum." O Sup Moi destacou que eles copiaram o sistema político piramidal por 30 anos, que aplicaram em seu sistema de municípios autônomos e Conselhos de Bom Governo. Não funcionou para eles; "houve atos de corrupção", e então o mudaram por meio da autocrítica.
Por esse motivo, eles passaram um ano implementando um novo sistema político baseado nos GAL (Grupos Autônomos Locais), que são basicamente as aldeias, com populações variadas, que decidem diretamente como administrar todas as áreas da comunidade: educação, saúde, justiça, etc. Com a criação do GAL, os antigos Conselhos de Bom Governo foram extintos. Eles também criaram outra estrutura chamada Coletivo de Grupos Autônomos Zapatistas (CGAZ), que serve como um local de reunião, mas não toma decisões. Por fim, a Interzona é a assembleia geral de todos os CGAZ.
Uma sala de cirurgia na Selva Lacandona
No México, existe uma tradição de pensamento antissistêmico que se concentra na amizade e na convivência comunitária como uma força transformadora, escapando ao controle de especialistas e tecnocratas que, de fora, colonizam e impedem a auto-organização. São esses indivíduos, grupos e instituições que estudaram e disseminaram o pensamento de Ivan Illich, o grande crítico das instituições modernas que viveu em Cuernavaca na década de 1970.
O pensamento de Ivan pode ser observado na prática em comunidades zapatistas por meio de sua proposta para "Os Comuns", e um ótimo exemplo é o novo projeto de sala cirúrgica zapatista. Um ambiente comunitário, como a saúde, é um espaço social onde as pessoas se reconhecem como indivíduos, cuidam umas das outras e cooperam sem depender de mediação institucional.
"Este não é apenas um projeto zapatista, mas um projeto compartilhado", afirmaram os zapatistas. Uma das novidades que chamou a atenção neste encontro foi o progresso alcançado na construção do primeiro centro cirúrgico zapatista, que deverá atender às necessidades de uma ampla região. Atualmente, ele está na primeira fase de construção. "Desde o início, uma grande variedade de pessoas participou voluntariamente, colaborando de diferentes maneiras. Em comum, pertence a todos no mundo", explicou a apresentação.
A construção envolveu o trabalho, o apoio e a solidariedade de "indivíduos, grupos, coletivos, organizações e movimentos de várias partes do mundo". O trabalho e as contribuições financeiras foram feitos com companheiros de fora das bases de apoio zapatistas; também participaram membros indígenas não zapatistas, companheiros do Congresso Nacional Indígena, Slumil K'ajxemk'op, bem como zapatistas de várias gerações, línguas e origens.
O Capitão conta que o projeto arquitetônico foi solicitado a um arquiteto profissional, que concordou em realizar o projeto por 500 mil pesos. No entanto, a Interzona (isto é, todos nós) pensou: "Se para criar um mundo novo é melhor não dependemos de grandes teóricos e pensadores, mas sim o fazemos com nossos próprios pensamentos e práticas, então construamos um edifício de acordo com o que queremos e com nosso conhecimento." Assim, com a sabedoria das comunidades e a solidariedade dos Comuns, o projeto do centro cirúrgico zapatista avança, um grande motivo de orgulho para a convivialidade zapatista.
O cerco da mídia
As mudanças observadas nas comunidades zapatistas em seus mais de 30 anos de vida pública são notáveis. Devemos lembrar que, quando o zapatismo decidiu pegar em armas e se tornar visível, o número de indígenas em Chiapas que morreram de desnutrição era, segundo o falecido Sup. Marcos, de 15 mil por ano, mais do que na guerra em El Salvador; no entanto, as mortes ocorriam apenas de um lado: os indígenas. Alguns textos também reconhecem que, naquela época, os proprietários de terras ainda exerciam o direito de pernada (uma mulher prestes a se casar era obrigada a passar a noite com seu patrão antes de se casar); em suma, os caciques que ocupavam o topo da pirâmide governavam um sistema de tirania absoluta.
Hoje, 31 anos depois, com sólida autonomia, os territórios zapatistas são uma referência nacional e internacional para as lutas de resistência daqueles indivíduos, grupos, coletivos e redes que decidem construir alternativas comuns fora do Estado e da pirâmide, buscando comunalizar as esferas que sustentam a vida. Isso não é um capricho. As companheiras zapatistas viram na prática como uma sociedade piramidal tende à corrupção: "Copiamos a pirâmide deles, mas vimos que não funcionava, então a jogamos fora, e agora o próprio povo decide tudo."
No entanto, esse compromisso com a construção de uma autonomia abrangente, socializando todas as esferas da vida, exercendo a autocrítica e continuando a se organizar a partir de uma perspectiva anticapitalista levou a imprensa tradicional ou oficial a construir um cerco midiático inquebrável por muitos anos.
Hoje, como sempre, se alguém no México ou no mundo quiser aprender sobre o zapatismo, é difícil; é preciso se esforçar. Jornais nacionais fizeram pouca ou nenhuma cobertura do Encontro. Na realidade, ele foi disseminado principalmente pelas mídias sociais ou por veículos de mídia alternativos como Desinformémonos, Rádio Pozol e Rádio Zapatista. Isso explica por que, apesar de o zapatismo ter se mostrado uma alternativa real para os que estão na base há mais de 30 anos, muitas pessoas, por ignorância, questionam não apenas sua validade como alternativa política, mas até se perguntam se ele desapareceu.
"Como zapatistas, devemos ir e fazer o trabalho em nossas comunidades", foi uma das palavras com que o Sup Moi, porta-voz do movimento zapatista, concluiu o Encontro Internacional de Rebeliões e Resistências, "Algumas Partes do Todo". Com este mandato, ele indicou que o que foi aprendido durante o Encontro deve agora ser compartilhado nas comunidades zapatistas, bem como nos bairros e cidades de origem dos participantes de outras partes do mundo. Organizemo-nos e rompamos o cerco onde quer que estejamos.
Leia mais
- A autocrítica Zapatista. Artigo de Raúl Zibechi
- O zapatismo permite enfrentar o retorno do fascismo. Artigo de Bernardo Gutiérrez
- Zapatismo e a revolução sem ponto final. Artigo de Raúl ZIbechi
- Raios de luz: zapatismo e resistência palestina como inspiração para movimentos sociais
- 30 e 40 anos de zapatismo: aprendendo com uma rebelião que não permaneceu uma utopia
- Entre música e guerra, os zapatistas celebram 30 anos de insurreição
- Zapatistas de Chiapas navegando para a Europa “contra o capitalismo”
- México. O zapatismo cresce e “rompe o cerco”
- México - "Aqui estamos, meu General, e aqui seguimos": vinte anos da carta do Subcomandante Marcos e do EZLN para Emiliano Zapata
- Subcomandante Marcos: o espelho, a revolução e as miragens
- México. O silêncio dos Caracóis e o risco de uma nova guerra em Chiapas
- O EZLN e “a senhora Sociedade Civil”: a trinta anos de se conheceremDa América Latina a Abya Yala: o novo despertar do indígena
- Recompor o bem comum contra a fragmentação neoliberal – Parte I. Entrevista especial com Célio Turino