Dom Hélder Pessoa Câmara, profeta, místico e pastor

Dom Hélder Câmara (Foto: Rob Croes | Wikimedia Commons)

27 Agosto 2025

"Fortaleceu as comunidades eclesiais de base. Estabeleceu uma clara resistência ao regime militar. Tornou-se líder contra o autoritarismo e pelos direitos humanos. Não hesitou em utilizar todos os meios de comunicação para denunciar a injustiça. Pregava no Brasil e no exterior uma fé cristã comprometida com os anseios dos empobrecidos. Foi perseguido pelos militares por sua atuação social e política, sendo acusado de comunismo. Foi chamado de 'Arcebispo Vermelho' ", escreve Fernando Altemeyer Junior, teólogo e professor da PUC-SP, em texto publicado em sua página no Facebook, 25-08-2025.

Eis o artigo.

Memória de 26 anos da morte em 27/08/1999 do atual Servo de Deus dom Hélder Pessoa Câmara (nascido em Fortaleza em 07/02/1909). Décimo primeiro filho de João Eduardo Torres Câmara Filho, jornalista, crítico teatral e funcionário de uma firma comercial, e da professora primária Adelaide Pessoa Câmara, desde cedo manifestou sua vocação para ser presbítero. O casal teve treze filhos, no entanto, desta prole sobreviveram oito crianças, pois o restante sucumbiu a uma epidemia de gripe então vigente na região. Seu nome foi escolhido pelo pai, em homenagem a um porto holandês.

Arcebispo emérito de Olinda e Recife. Um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em outubro de 1952, defensor dos direitos humanos durante o regime militar brasileiro. Pregava uma Igreja simples, voltada para os pobres e movida pela firmeza permanente e pela não-violência. Por sua atuação recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, particularmente doutorados honoríficos. Foi o único brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz. Um dos articuladores principais do Concílio Vaticano Segundo. Faleceu com 90,5 anos de idade. Toda a sua obra escrita, cartas, poemas, reflexões está sendo publicada por editora do Pernambuco em muitos volumes. Verdadeiro intelectual e santo da igreja no Brasil. Um poeta e visionário. Ingressou no Seminário Diocesano de Fortaleza em 1923, o Seminário da Prainha, então sob direção dos padres lazaristas. Nesta instituição, cursou o ginásio e concluiu os estudos de filosofia e teologia. No seminário, Hélder e seus colegas receberam uma formação pela qual eram abominados o iluminismo, a Revolução Francesa, o tenentismo e o Partido Comunista Brasileiro.

O comunismo era abominado como o "mal dos males" e a defesa do capitalismo era vista como meta, juntamente da defesa da Pátria contra o "perigo vermelho". Chegando ao final do curso de Teologia, Hélder passou por uma forte crise vocacional. Acreditava que podia contribuir mais com a Igreja sendo um leigo à altura de Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. Depois de meses de oração, de conselhos da mãe e de conversas com o reitor padre Tobias, convenceu-se de que não deveria frustrar seu sonho de juventude. Foi ordenado padre no dia 15 de agosto de 1931, pelas mãos de Dom Manuel da Silva Gomes, arcebispo de Fortaleza, aos 22 anos de idade, com autorização especial da Santa Sé, por não possuir a idade mínima exigida. Logo depois de rezar sua Primeira Missa, Hélder recebeu a missão de coordenar os Círculos Operários Cristãos e iniciar a Juventude Operária Católica. Em outubro do mesmo ano, foi fundada por Severino Sombra a Legião Cearense do Trabalho, que arregimentou parte notável da elite cearense e contou com 15 mil inscritos.

A Legião acreditava que era preciso combater o individualismo e recuperar o corporativismo medieval. A Legião se declarava anticapitalista, antiburguesa e anticomunista. No mesmo período, Hélder organizou a JOC segundo a orientação ideológica da Legião, reunindo, em poucos meses, dois mil rapazes pobres, oferecendo atividades de alfabetização e recreação. Em 1933, fundou a Sindicalização Operária Feminina Católica, que congregava as lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas, realizando, além da sindicalização de mulheres, aulas de escrita, leitura e cálculo, bem como de educação artística, religiosa e de nacionalismo.

O jovem Padre Helder Câmara com o uniforme da Legião Cearense do Trabalho. Em 1932 foi fundada a Ação Integralista Brasileira, em São Paulo, logo após o lançamento do Manifesto de Outubro pela Sociedade de Estudos Políticos. A AIB era liderada por Plínio Salgado e tinha como divisa o lema "Deus, Pátria e Família". Para organizar nacionalmente o movimento, Plínio entrou em contato com dirigentes estudantis ligados à Igreja Católica. No Ceará, o escolhido foi Severino Sombra, que não pôde assumir por estar exilado em Portugal.

O convite, então, foi feito a Pe. Hélder, Jeová Mota e Ubirajara Índio do Ceará. Severino escreveu uma carta aos amigos para que não aceitassem o convite, pois não concordava com o comando único de Plínio Salgado. Hélder consultou o seu Bispo, Dom Manuel, e este, após entrar em contato com Dom Leme, autorizou-o a aceitar o convite. A partir de então, Hélder tornou-se o Secretário do Setor Estudantes da AIB no Ceará. Dentro do Movimento Integralista, Hélder fundou grupos integralistas e organizou manifestações, comícios e conferências, além de escrever artigos sobre a doutrina integralista, tornando-se o introdutor e maior propagandista do Integralismo no estado. Declarou em discurso: "Esse programa social da Ação Integralista Brasileira é o maior programa cristão de assistencialismo da história do Brasil". Um dos textos de Plínio Salgado mais citados por Hélder Câmara era "Cristo e o Estado Integral", de onde extraía frequentemente a frase: "O Estado Integral vem de Cristo, age por Cristo e segue na direção de Cristo". Levou consigo a Legião, que incorporou-se à AIB. Apesar disso, nunca vestiu o uniforme característico dos integralistas, a "camisa-verde", usando apenas uma faixa de mescla no braço. Hélder buscava ainda se empenhar cada vez mais em favor de reformas que interessavam a Igreja e contra seus adversários. Ajudou a organizar congressos estaduais de educação, manifestações populares em outros estados, cursos de pedagogia em prol da educação das elites, tendo em vista que a instituição eclesial estava espalhando escolas confessionais católicas em todo o país. Em 7 de fevereiro de 1934, realizou-se a Conferência Nacional pela Educação, em Fortaleza. Hélder foi o terceiro conferencista, defendendo o ensino religioso nas escolas e se opondo duramente às ideias de Edgar Sussekind de Mendonça, a quem chamou de "representante do bolchevismo".

No dia seguinte, Sussekind se dispôs ao conflito contra o grupo de padre Hélder, partidário do ensino religioso, provocando atrito com a Igreja Católica e a militância integralista. No dia 12, Hélder usou a camisa-verde integralista debaixo da batina preta aberta no peito durante uma manifestação integralista. Ao pôr do sol, o grupo se encontrou com Sussekind na praça e este foi agredido. A notoriedade do padre. Hélder cresceu e a CCE organizou para ele uma viagem com o objetivo de defender os interesses da entidade no Maranhão e no Pará. Em Belém do Pará, Hélder foi convencido a ir a uma conferência de operários, onde ouviu duras críticas contra o integralismo e o Chefe Integralista. Houve repúdio à sua presença na cidade, e alguns manifestantes organizaram o seu enterro simbólico, exibindo um caixão em praça pública, aos gritos: "Fora, galinha verde!", como eram chamados os integralistas, em decorrência da Batalha da Praça da Sé.

No mesmo ano de 1934, Hélder fez uma viagem por todas as cidades do Ceará, sustentando a lista de candidatos aprovados pela Igreja Católica e impondo que a eles se devia o voto dos católicos. Dos onze deputados federais eleitos, sete eram da Liga Eleitoral Católica e dos trinta estaduais, dezessete. Os socialistas não elegeram nenhum representante naquele estado. Foi nomeado diretor do Departamento de Educação do Ceará (atual Secretaria de Educação). Pediu demissão logo após uma violenta repressão do governo a uma manifestação integralista em apoio ao bispo de Sobral, cinco meses após assumir o cargo. Logo depois, escreveu duas vezes ao pedagogo Manuel Lourenço Filho, solicitando um trabalho no Ministério da Educação: "A meu ver, servirei ao sigma, trabalhando, honestamente, pela criação do sistema educacional de que precisa nosso país". Alguns dias depois, Lourenço o conseguiu o cargo de Assistente Técnico para a Educação.

Foi transferido em 1936 para a cidade do Rio de Janeiro, então capital da república, onde, ao lado do cargo de Assistente Técnico, se dedicou às atividades apostólicas. Ali, o Cardeal Sebastião Leme da Silveira Cintra determinou que não queria padres na política partidária, e, assim, o padre Hélder deveria encerrar suas atividades na AIB. Já estando desiludido com o movimento, após perceber as implicações ideológicas da referida opção, acatou a ordem. Mesmo assim, foi nomeado em 1937 por Plínio Salgado para o Grupo dos Doze, o que não recebeu oposição do Cardeal Leme, que comentou estar surpreso com o crescimento da AIB e que deveriam manter boas relações com os integralistas, permitindo-o aceitar o cargo. Depois do golpe que instalou o Estado Novo, o  cardeal impôs-lhe que deveria abandonar o Integralismo.

Afastado do Integralismo, Hélder Câmara teria se voltado ao humanismo integral de Jacques Maritain. Em depoimento de dezembro de 1983, porém, já ao final de sua vida, ele defendeu os valores integralistas, de cuja pregação afirmou nunca ter se arrependido. Disse ainda: "Eu nunca rompi com o integralismo". Assinalou que não duvidava também da sinceridade dos integralistas, mas apenas se preocupava com o encaminhamento de seus membros a um totalitarismo. Plínio Salgado responderia em 1966 a uma afirmação de D. Hélder sobre o integralismo, defendendo o movimento. Na carta, ele louvou os "nobres idealismos" do prelado para com os pobres e afirmou que a doutrina integralista não é fascista, mas "espiritualista, cristã, nacionalista sem jacobinismos, preocupada com a justiça social e reformas indispensáveis para atingi-la". Sobre o capitalismo, ele defendeu também que "foi o integralismo que levantou, pela primeira vez, a bandeira contra o capitalismo de Wall Street" no Brasil. Por isso, disse Plínio que "o prelado de agora é o mesmo padre de ontem".

Sobre os integralistas encaminhando-se ao totalitarismo, ele os atribuiu a uma corrente direitista divergente, que se aproximava dos partidos totalitários europeus. No Rio de Janeiro, Hélder teve como diretor espiritual o Padre Leonel Franca, criador da primeira universidade católica do Brasil - a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em 1939, por autorização de Getúlio Vargas, Hélder assumiu o cargo de chefe da Seção do instituto de Pesquisas Educacionais, da Secretaria Geral de Educação e Cultura. No período pós-guerra, fundou a Comissão Católica Nacional de Imigração, para apoio à imigração de refugiados.

Foi nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro no dia 3 de março de 1952. Foi ordenado bispo, aos 43 anos de idade, no dia 20 de abril de 1952, pelas mãos de dom Jaime de Barros Câmara, dom Rosalvo Costa Rego e dom Jorge Marcos de Oliveira. Foi um grande promotor do colegiado dos bispos e da renovação da Igreja Católica, fortalecendo a dimensão do compromisso social. Em 1950, D. Hélder entrou em contato com Monsenhor Giovanni Batista Montini, então subsecretário de estado do Vaticano e futuro papa Paulo VI, que o apoiou e conseguiu a aprovação, em 1952, para a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com sede no palácio arquiepiscopal do Rio de Janeiro. Nesta instituição, exerceu a função de secretário geral até 1964. Monsenhor Montini apoiou a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), fundado em 1955, com sede em Bogotá.

A fundação ocorreu na Primeira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizada no Rio de Janeiro, tendo D. Hélder como articulador. Ele viria a participar das conferências gerais do CELAM como delegado do episcopado brasileiro até 1992. Além da conferência do Rio de Janeiro, esteve presente na Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Medellín, 1968), na Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Puebla, 1979) e na Quarta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Santo Domingo, 1992). No CELAM exerceu os cargos de presidente e vice-presidente. Sua capacidade de articulação torna realidade de maneira luminosa o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, acontecido em 1955, no Rio de Janeiro, contando com a presença de cardeais e bispos do mundo inteiro. Foi impactante para dom Helder a conversa com om cardeal Gelier sobre a pobreza no mundo.

Em 1956, fundou a Cruzada São Sebastião, com a finalidade de dar moradia decente aos favelados. Desta primeira iniciativa, outros conjuntos habitacionais surgiram. Em 1959, fundou o Banco da Providência, cuja atuação se desenvolve no atendimento a pessoas que vivem em condições miseráveis.

Teve participação ativa no Concílio Ecumênico Vaticano II, sendo eleito padre conciliar nas quatro sessões do Concílio entre 1962 e 1965. Escreveu todas as noitas abundante correspondência recolhida em TREZE volumes de cartas conciliares publicada pela Editora da UFPE. Foi um dos propositores e signatários do Pacto das Catacumbas, um documento assinado por cerca de 40 padres conciliares no dia 16 de novembro de 1965, nas catacumbas de Domitila, em Roma, durante o Concílio Vaticano II, depois de celebrarem juntos a Eucaristia. Este pacto dos bispos conciliares teve forte influência na Teologia da Libertação. Diante da conturbada situação sociopolítica nacional, a divergência de posições com o cardeal Dom Jaime Câmara tornou-se difícil a sua permanência na cidade do Rio de Janeiro.

No dia 12 de março de 1964, foi designado para ser o novo arcebispo de Olinda e Recife, PE, múnus que exerceu até dois de abril de 1985. Foi sagrante principal de dois bispos: Tiago Postma e Marcelo Pinto Carvalheira. Instituiu um governo colegiado na arquidiocese, organizado em setores pastorais. Criou o Movimento Encontro de Irmãos, o Banco da Providência e a Comissão de Justiça e Paz da diocese.

Fortaleceu as comunidades eclesiais de base. Estabeleceu uma clara resistência ao regime militar. Tornou-se líder contra o autoritarismo e pelos direitos humanos. Não hesitou em utilizar todos os meios de comunicação para denunciar a injustiça. Pregava no Brasil e no exterior uma fé cristã comprometida com os anseios dos empobrecidos. Foi perseguido pelos militares por sua atuação social e política, sendo acusado de comunismo. Foi chamado de "Arcebispo Vermelho". Foi-lhe negado acesso aos meios de comunicação social após a decretação do AI-5, sendo proibida qualquer referência ao seu nome e pessoa. Desconhecido da opinião pública nacional, fez frequentes viagens ao exterior, onde divulgou amplamente suas ideias e denúncias de violações de direitos humanos no Brasil. Foi adepto e promotor do movimento da não-violência ativa e da firmeza permanente de Gandhi e Martin Luther King. Suas posições políticas lhe renderam pesadas críticas, sendo seu algoz nos meios de comunicação o jornalista e teatrólogo Nélson Rodrigues, que afirmava que "D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva".

Em 1984, ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia. Em 15 de julho de 1985, passou o comando da arquidiocese pernambucana para dom José Cardoso Sobrinho, que fora indicado para desmontar todo trabalho de dom Helder. Continuou a viver no Recife, nos fundos da Igreja das Fronteiras, onde vivia desde o ano 1968. Morreu aos 90,5 anos na cidade de Recife em 27 de agosto de 1999. O Regional Nordeste 2 da CNBB, a arquidiocese de Olinda e Recife, o Instituto Dom Hélder Câmara (IDHeC), a Universidade Católica de Pernambuco e diversas outras entidades promoveram homenagens na comemoração do centenário de Dom Hélder, que foi celebrado em 7 de fevereiro de 2009. Sempre manter viva sua memória e a luta pela solidariedade e justiça social como semente de paz universal. Além de pastor cuidadoso era um poeta exemplar tendo deixado milhares de poesias em seus escritos e livros.

Obras de autoria de Dom Hélder:

-Indagações sobre uma vida melhor (Ed. Civilização Brasileira)

-Um Olhar sobre a Cidade. 2a edição. São Paulo: Editora Paulus, 1997. ISBN 853490541X.

-Revolução dentro da Paz, Editora Sabiá, Rio de Janeiro, 1968. Traduzido para o alemão, holandês, inglês, francês e italiano.

-Terzo Mondo Defraudado, Editora Missionária Italiana, Milão, 1968.

-Spirale de violence, Ediciones Desclée de Brouwer, Paris, 1978. Traduzido para o português, espanhol, sueco, alemão, norueguês, holandês, chinês, italiano e inglês. 

-Le Désert est fertile, Ed. Desclée de Brouwer, Paris, 1971. Traduzido para o português (1975), espanhol, italiano, holandês, inglês e coreano.

-Prier pour les riches, Ed. Pendo-Verlag, Zurique, 1972.

-Les Conversions d'un évêque, Ed. Seuil, Paris, 1977. Também em italiano, alemão e inglês.

-Mil Razões para Viver, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979. Traduzido para o francês e o alemão.

-Renouveau dans l'esprit et le service de l'homme, Ed. Lumem Vitae, Bruxelas, 1979. Traduzido para o italiano, português e inglês.

-Nossa Senhora no Meu Caminho - Meditações do Padre José, Edições Paulinas, São Paulo, 1981.

-Indagações sobre uma vida melhor, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1986.

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