22 Agosto 2025
"A história registrará para sempre este momento de vergonha global. Arquivará as imagens de crianças esqueléticas juntamente com aquelas de episódios passados em que o mundo nada fez".
O artigo é de Binaifer Nowrojee, presidente da Open Society Foundations, publicado por Domani, 21-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Especialistas estimam que milhares de crianças de Gaza já estejam demasiado fracas para comer: "Elas atingiram aquele estágio de grave desnutrição aguda, em que o corpo não consegue mais digerir o alimento." O direito internacional proíbe o uso da fome como arma de guerra, mas até agora a comunidade internacional fez vista grossa. Pode-se apenas esperar que se aja imediatamente para salvar pelo menos uma parte da nossa humanidade.
A fome é o lento e silencioso desfalecimento do corpo. Privado de nutrição básica, o corpo primeiro queima as reservas de açúcar no fígado. Depois, dissolve músculos e gordura, decompondo os tecidos para manter o cérebro e outros órgãos vitais vivos. À medida que essas reservas se esgotam, o coração perde força, o sistema imunológico para de funcionar e a mente começa a se desligar. A pele se adere sobre os ossos e a respiração se torna superficial. Os órgãos começam a falhar um após o outro, a visão se esvai e o corpo, agora vazio, se apaga. É uma forma prolongada e excruciante de morrer.
Todos nós já vimos as imagens de recém-nascidos e crianças palestinas emaciadas morrendo de fome nos braços de suas mães. Mas agora que Israel está intensificando sua guerra — lançando uma nova campanha para "conquistar" a Cidade de Gaza — outros milhares de civis palestinos poderiam ser mortos, por bombas ou pela fome. "Não se trata mais de uma crise alimentar iminente", declarou em 10 de agosto Ramesh Rajasingham, um alto funcionário humanitário das Nações Unidas, ao Conselho de Segurança.
"Isso é pura e simplesmente fome." Alex de Waal, especialista em carestias, estima que milhares de crianças de Gaza já estejam demasiado fracas para comer, mesmo que tivessem acesso a alimentos. "Elas atingiram aquele estágio de grave desnutrição aguda, que o corpo não consegue mais digerir o alimento."
Há um consenso crescente de que Israel está cometendo em Gaza os crimes mais graves, incluindo o uso da fome como método de guerra. Grupos palestinos e internacionais de direitos humanos alertaram sobre esse risco apenas poucos meses após o início da guerra, e desde então o alerta foi ecoado por Estados em todos os continentes, e por muitos em Israel. O ex-primeiro-ministro Ehud Olmert, por exemplo, denunciou o que descreve como crimes de guerra em Gaza, e os principais grupos israelenses de direitos humanos afirmam que as ações de Israel no território equivalem a um genocídio.
Em 9 de outubro de 2023, dois dias após o Hamas matar mais de 1.200 israelenses e fazer mais de 200 reféns — em si só um grave crime de guerra —, o então ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, anunciou: "Ordenei um cerco total à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, comida, combustível, tudo está fechado. Estamos lutando contra animais humanos e agiremos de acordo." A população de Gaza foi desumanizada e não houve nenhuma distinção entre civis e combatentes — uma violação de uma regra fundamental do direito internacional humanitário. O cerco bloqueou todos os fornecimentos para Gaza por 70 dias, impondo uma punição coletiva.
Esse primeiro cerco foi apenas levemente aliviado quando Israel permitiu a entrada de suprimentos em Gaza no início de 2024. Em abril daquele ano, Samantha Power, então chefe da USAID, já alertava sobre a carestia em algumas zonas de Gaza. No mês seguinte, Cindy McCain, diretora executiva do Programa Mundial de Alimentos, anunciou "uma verdadeira carestia" no norte de Gaza.
O direito internacional proíbe o uso da fome como arma de guerra. Como potência ocupante em Gaza, Israel deve garantir que a população civil receba alimento adequado, água, suprimentos médicos e outros itens essenciais. Se esses suprimentos não puderem ser obtidos dentro de Gaza, devem ser obtidos de fora, inclusive por Israel.
Nos últimos 21 meses, vários governos e agências humanitárias imploraram a Israel que lhes permitisse entregar as ajudas. Conceder essa permissão também é uma obrigação legal: Israel tem o dever de facilitar os planos de socorro de terceiros "com todos os meios à sua disposição". Mas Israel tem continuamente criado obstáculos a esses esforços. Atualmente, está impedindo às organizações humanitárias de entregar as ajudas.
Em janeiro de 2024, o Tribunal Internacional de Justiça, por meio de decisões juridicamente vinculantes, ordenou que Israel tomasse "medidas imediatas e eficazes para permitir a prestação de serviços básicos e de assistência humanitária urgentemente necessários". Dois meses depois, reafirmou essa ordem e pediu que as medidas fossem tomadas "em plena cooperação com as Nações Unidas". O sistema humanitário liderado pela ONU era o único apto a prevenir uma carestia generalizada em Gaza. Durante o cessar-fogo, entre janeiro e março deste ano, as Nações Unidas e outras organizações humanitárias coordenaram cerca de 400 pontos de distribuição de ajudas. Mas, depois que Israel rompeu o cessar-fogo em março, esses pontos foram fechados e outro cerco foi imposto ilegalmente.
Israel justificou o novo cerco alegando que estava cortando as ajudas para pressionar ainda mais o Hamas, reconhecendo assim o uso da fome como arma. Quando as ajudas humanitárias foram retomadas em maio, a ONU foi substituída pela Fundação Humanitária de Gaza (FGH), uma organização privada de distribuição de alimentos organizada por Israel. Desde então, no entanto, quase 1.400 palestinos foram mortos pelas forças israelenses enquanto tentavam obter alimentos nos quatro pontos de distribuição da FGH. Pior ainda, o esquema da FGH jamais poderia funcionar. De acordo com um relatório do Comitê de Revisão da Fome do mês passado, "Nossa análise das cestas básicas fornecidas pela FGH mostra que seu plano de distribuição levaria à fome em massa, mesmo que tivesse condições de funcionar sem os assombrosos níveis de violência".
Segundo o direito internacional, o crime de guerra da fome começa no momento da privação. Quando se torna uma política mais ampla, empreendida com a intenção de "destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso", constitui genocídio. Vários altos funcionários israelenses expressaram abertamente essa intenção — entre os quais Gallant, em outubro de 2023; o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que em agosto de 2024 observou que "poderia ser justificado e moral" "matar de fome dois milhões de civis", e Itamar Ben-Gvir, Ministro da Segurança Nacional, que tuitou que "os depósitos de alimentos e de ajuda humanitária deveriam ser bombardeados".
Os palestinos estão sendo intencionalmente mortos de fome. Embora os sinais dos horrores que viriam fossem claros já poucos meses após o início da guerra, muitos governos desviaram o olhar. Justificaram as restrições às ajudas humanitárias alegando que acabaria nas mãos do Hamas — uma alegação que Israel agora afirma não poder provar — e transferiram mais toneladas de armas para Israel do que entregaram em ajudas a Gaza. Agora, estão falhando em seu dever de prevenir e interromper um genocídio.
A história registrará para sempre este momento de vergonha global. Arquivará as imagens de crianças esqueléticas juntamente com aquelas de episódios passados em que o mundo nada fez. Só podemos esperar que o mundo aja agora imediatamente para salvar pelo menos uma parte da nossa humanidade, antes que mais crianças morram.