16 Agosto 2025
MSF e mais de 100 organizações pedem o fim da militarização da ajuda humanitária pelas autoridades israelenses.
A informação é da assessoria de imprensa do Médico Sem Fronteiras (MSF), 14-08-2025.
Embora as autoridades israelenses afirmem que não há restrições à entrada de ajuda humanitária em Gaza, a maioria das organizações internacionais não conseguiu entregar sequer um caminhão com suprimentos essenciais desde 2 de março.
Em vez de liberar o acúmulo crescente de mercadorias, as autoridades israelenses negaram pedidos de dezenas de ONGs para levar itens vitais, alegando que essas entidades “não estão autorizadas a fornecer ajuda”. Só em julho, mais de 60 solicitações foram recusadas com base nessa justificativa.
Essa obstrução deixou milhões de dólares em alimentos, medicamentos, água e itens para abrigo retidos em armazéns na Jordânia e no Egito, enquanto os palestinos passam fome.
“A Anera tem mais de US$ 7 milhões em suprimentos essenciais prontos para entrar em Gaza – incluindo 744 toneladas de arroz, o suficiente para fornecer 6 milhões de refeições, bloqueados em Ashdod, a poucos quilômetros de distância”, disse Sean Carroll, presidente e CEO da Anera.
Muitas das ONGs que agora foram informadas de que não estão “autorizadas” a entregar ajuda humanitária trabalham em Gaza há décadas, têm a confiança das comunidades e experiência na distribuição segura de itens de ajuda humanitária. Sua exclusão deixou hospitais sem suprimentos básicos, enquanto crianças, pessoas com deficiência e idosos morrem de fome ou de doenças evitáveis — e até mesmo profissionais humanitários permanecem sem ter o que comer.
A obstrução está ligada às novas regras de registro de ONGs internacionais implementadas em março. Sob essas novas regras, o registro pode ser negado com base em critérios vagos e politizados, como a suposta “deslegitimação” do Estado de Israel. As ONGs internacionais alertaram que o processo foi projetado para controlar organizações independentes, silenciar ativistas e censurar reportagens humanitárias. Essa nova obstrução burocrática é inconsistente com o direito internacional estabelecido, pois consolida o controle e a anexação israelense do território palestino ocupado.
A menos que as ONGs internacionais se submetam a todas as exigências de registro — incluindo a entrega obrigatória de informações sobre doadores privados, listas completas de profissionais palestinos e outros dados confidenciais da equipe para a chamada “verificação de segurança” das autoridades israelenses — muitas poderão ser forçadas a interromper suas atividades em Gaza e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e retirar todos os profissionais internacionais dentro de 60 dias. Algumas organizações chegaram a receber um ultimato de sete dias para fornecer as listas de profissionais palestinos.
As ONGs ressaltam que o compartilhamento desses dados é ilegal — inclusive à luz de leis relevantes de proteção de dados —, além de inseguro e incompatível com os princípios humanitários. No contexto mais letal para trabalhadores humanitários em todo o mundo, no qual 98% dos profissionais mortos eram locais, não há qualquer garantia de que fornecer essas informações não exporia ainda mais as equipes a riscos ou que elas não seriam utilizadas para promover objetivos militares e políticos declarados pelo governo de Israel.
Hoje, os temores das ONGs internacionais se confirmaram: o sistema de registro está sendo usado para bloquear ainda mais a ajuda e negar alimentos e medicamentos em meio ao pior cenário de fome.
“Desde que o cerco total foi imposto em 2 de março, a CARE não conseguiu entregar nenhum dos nossos suprimentos pré-posicionados no valor de US$ 1,5 milhão em Gaza”, disse Jolien Veldwijk, diretora nacional da CARE. “Isso inclui remessas essenciais de cestas básicas, suprimentos médicos, kits de higiene e itens de cuidados materno-infantis. Nosso mandato é salvar vidas, mas, devido às restrições de registro, os civis estão ficando sem os alimentos, medicamentos e proteção de que precisam urgentemente.”
“A Oxfam tem mais de US$ 2,5 milhões em mercadorias que foram rejeitadas por Israel para entrar em Gaza, especialmente itens de higiene, água, bem como alimentos”, disse Bushra Khalidi, líder de políticas da Oxfam. “Este processo de registro sinaliza às organizações internacionais que sua capacidade de operar pode ter como custo sua independência e capacidade de se manifestar.”
Essas restrições fazem parte de uma estratégia mais ampla que inclui o chamado esquema “Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês)” – um mecanismo de distribuição militarizado promovido como uma solução humanitária. Na realidade, trata-se de uma ferramenta mortal de controle, com pelo menos 859 palestinos mortos em torno dos locais de atuação da GHF desde que ele começou a operar.
“O esquema militarizado de distribuição de alimentos transformou a fome em arma e causa sofrimento. As distribuições nos locais da GHF resultaram em níveis extremos de violência e mortes, principalmente de jovens palestinos, mas também de mulheres e crianças, que foram aos locais na esperança de receber alimentos”, segundo Aitor Zabalgogeazkoa, coordenador de emergências de MSF em Gaza.
Tanto o esquema GHF quanto o processo de registro das ONGs internacionais visam bloquear a ajuda imparcial, excluir os profissionais palestinos e substituir organizações humanitárias confiáveis por mecanismos que servem a objetivos políticos e militares. Eles surgem no momento em que o governo de Israel intensifica sua ofensiva militar e aprofunda sua ocupação em Gaza, deixando claro que essas medidas fazem parte de uma estratégia mais ampla para consolidar o controle e apagar a presença palestina.
“Neste momento, todos sabem qual é a resposta correta e humana, e não é um cais flutuante, lançamentos aéreos ou a GHF. A resposta para salvar vidas, salvar os civis e não ser cúmplice na fome em massa planejada é abrir todas as fronteiras, a qualquer hora, para os milhares de caminhões, milhões de refeições e suprimentos médicos, prontos estacionados nas proximidades”, disse Sean Carroll, da Anera.
Apelamos a todos os Estados e doadores para que:
Pressionem Israel pelo fim da militarização da ajuda humanitária, incluindo por meio de obstruções burocráticas, tais como os procedimentos de registo das ONG internacionais.
Insistam para que as ONG internacionais não sejam obrigadas a partilhar informações pessoais sensíveis, em violação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, nem a comprometer a segurança ou a independência de suas equipes como condição para a prestação de ajuda.
Exijam a abertura imediata e incondicional de todas as passagens terrestres e condições viáveis para a entrega de ajuda humanitária.