16 Agosto 2025
"Em passagem sobre a oração, Casaldáliga sublinha que todos nós fomos muito 'mal educados na oração'. Isso, talvez, em razão da imposição de uma oração demasiado sistemática, que não envolvia a pessoa de cada um, nem tampouco a vida e a história."
O artigo é de Faustino Teixera, teólogo, professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Fui sempre muito tocado por uma reflexão sobre a oração do grande amigo Pedro Casaldáliga. Ele a publicou num belo livro: El vuelo del quetzal (Panamá: Maiz Nuestro, 1988). O livro depois veio divulgado on-line pela Amerindia:
Em passagem sobre a oração, Casaldáliga sublinha que todos nós fomos muito “mal educados na oração”. Isso, talvez, em razão da imposição de uma oração demasiado sistemática, que não envolvia a pessoa de cada um, nem tampouco a vida e a história.
O então bispo da prelazia de São Felix, no Araguaia, assinala que em casos concretos, essa resistência à oração devia-se a uma visão frágil que entendia que “tudo é oração”.
Casaldáliga sempre devotou um lugar muito especial à oração, e eu mesmo pude verificar em diversas ocasiões esse seu amor particular ao recolhimento espiritual. Nada mais fundamental, a meu ver, do que garantir um lugar especial para oração na vida diária. Em seu livro, Casaldáliga afirmou: “Um agente de pastoral que não faça individualmente pelo menos meia hora de oração diária, não tem o perfil suficiente de agente de pastoral” (p. 56).
A jovem mística holandesa, Etty Hillesum, que morreu em Auzchwitz, assinalou em seu diário, no dia 8 de junho de 1941:
“Acredito que é isso que vou fazer: de manhã, antes de começar o trabalho, passar meia hora 'para dentro', a escutar o que está dentro de mim. 'Submergir-me'. Também se pode chamar isso de meditar (...). Uma meia hora de silêncio dentro de si”.
(Diário – Assírio & Alvim, 1986, p. 89)
Seguindo a pista aberta por nosso profeta do Araguaia, bem como da querida Etty, sempre dediquei esse tempo especial na minha vida cotidiana.
Nos últimos anos criei um formato particular de oração diária que gostaria de partilhar com vocês. Passo aqui algumas dicas fundamentais, bem como o ritmo que imprimi nas minhas manhãs, antes de iniciar os meus estudos.
Primeiramente, há que reservar um lugar especial da casa, um cantinho recolhido, para os exercícios matinais de oração. É fundamental encontrar esse espaço de interiorização.
No meu caso, dediquei um espaço ao lado de meu escritório para as orações diárias. Dediquei-me com carinho a organizar o lugar, com as imagens de minha devoção pessoal: há um bonito Buda de bronze, como também um lindo crucifixo idealizado por Claudio Pastro. Há também muitos anjos, a Nossa Senhora Sertaneja da Abadia. Igualmente divindades dos Hinduísmo (como o adorável Krihsna) e das religiões afro (sobretudo Iansã, por quem tenho um carinho muito especial). Adquiri também um genuflexório de madeira, sem encosto, para ajoelhar-me em momentos particulares.
Sempre achei muito significativo o ato de ajoelhar. Na casa de meus pais, onde todos os filhos nasceram e cresceram, tinha um singelo genuflexório, utilizado para as orações de meu pai. Ao ler o diário de Etty Hillesum, somos tocados por sua experiência no aprendizado de ajoelhar. Em página do dia 12 de outubro de 1942, ela assinala que gostaria de ser “uma única grande oração”, e relata a sua prática de sempre ajoelhar-se num ângulo especial do seu quarto. Em sua autobiografia, Simone Weil também relata esse aprendizado de ajoelhar-se, algo que ocorreu de forma bonita em sua vida durante uma viagem a Assis, na Itália.
Voltando à minha experiência pessoal. Junto ao cuidado com o ambiente de oração, vai a atenção ao clima para a oração. No meu caso, tenho sempre o hábito de acender um incenso a cada momento de oração. Vejo isso como importante para enriquecer a ambientação. E, claro, acendo também uma vela de cera de abelha, com seu aroma particular.
Recorro também ao som. Começo sempre com o maracá, esse fantástico acelerador de energias espirituais. É o maracá que dá partida a tudo. Depois vem o sino tibetano, e em seguida o som maravilhoso de uma grande tigela tibetana que adquiri no Nepal. Os sons emitidos são como upaya, ou seja, meios hábeis de apoio à prática de oração.
Envolvido pelo aroma do incenso e pelo som contínuo da tigela tibetana, ajoelho-me em silêncio. É o momento silencioso da grande oração. Fico ali alguns minutos.
Depois levanto-me e vou para o meu banquinho começar a ler algumas orações. Inicio com a abertura do Ofício das Comunidades (a abertura do dia propício). Depois recorro ao livro que organizei com o amigo Volney Berkenbrock: As orações da humanidade. Leio uma oração por dia. Em seguida faço as leituras bíblicas indicadas para o dia.
Na sequência, busco realizar um passo importante da ecumene abraâmica. Começo lendo, de pé, uma passagem da abertura do livro do Corão (Fatiha – Corão 1,1-7), seguida de trecho da Shemá de Israel (Dt 6,4-5). Finalizo com a oração do Pai Nosso e a Oração do Abandono (Charles de Foucault – que está no livro Orações da Humanidade (n. 29, p. 34).
Depois de uma breve pausa, faço a oração final, que é a Bênção Irlandesa (Orações da Humanidade – n. 20, p. 28).
Depois de um breve momento de silêncio, volto a fazer o mesmo circuito do início, com o toque do Maracá e o som dos sinos.
Volto a ajoelhar, até o ambiente tornar-se novamente silencioso. É quando então me levanto, aproximo-me do grande Buda de bronze, e com as mãos em sua cabeça, digo o meu mantra, tomado das Elegias de Duíno (n. 7): “Estar aqui é esplendor”. Volto então o meu olhar para o crucifico de Claudio Pastro, apago a vela e o incenso, concluindo a oração.