04 Agosto 2025
“Capital nacional do agro”, Sorriso (MT) tem as maiores taxas de homicídio e de violência contra a mulher do Centro-Oeste. Para pesquisadores, modelo de ocupação voltada à produção agrícola criou condições para guerra de facções e atuação de grupos criminosos
A reportagem é de Jeniffer Mendonça, publicada por Repórter Brasil, 01-08-2025.
Reconhecido como “a capital nacional do agro” na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, o município de Sorriso (MT) é o mais violento do Centro Oeste e o 13º do país, segundo o mais recente anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados relativos a 2024.
Ao longo do ano passado, quase 60 pessoas foram assassinadas a cada 100 mil habitantes — pelo terceiro ano consecutivo, a taxa ficou muito acima da média nacional (20,8). No quesito violência contra a mulher, Sorriso tem a segunda maior taxa de estupros do país (131,9), atrás apenas de Boa Vista (RR).
Importante pólo produtor de grãos, o município gerou R$ 8,3 bilhões e liderou o setor em 2023, representando sozinho 1% de toda a produção brasileira. Desse total, R$ 5 bilhões vieram só da soja, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Para pesquisadores ouvidos pela Repórter Brasil, os cenários de violência extrema e pujança econômica do agro estão conectados: a propaganda, a riqueza produzida e a geografia da cidade despertam interesse de grupos criminosos, como se verifica não só no tráfico de drogas, mas também no roubo de insumos agrícolas de alto valor.
“Onde tem capital, onde tem população emergente, onde tem mercado consumidor, é para lá que eles [os criminosos] vão”, explica Naldson Ramos da Costa, pesquisador associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fundador do Núcleo de Estudos da Violência da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).
Desde 2022, Sorriso tem se destacado na taxa de mortes violentas intencionais no anuário produzido pelo Fórum. A publicação soma dados de homicídios dolosos, feminicídios, lesões corporais seguidas de mortes, latrocínios, letalidade policial e policiais mortos.
Naquele ano, a taxa ficou em 70,7 mortes para cada 100 mil habitantes e levou o município ao décimo lugar entre os mais violentos do país. Em 2023, o índice subiu para 77,7 — quarto lugar no ranking.
O período coincide com o acirramento das disputas pelo tráfico de drogas após a fundação da Tropa do Castelar na cidade, uma dissidência da facção CV (Comando Vermelho), até então hegemônica em Mato Grosso.
O racha teria ocorrido por discordâncias de ordens de execução de membros em meio a acusações de “cabritagem”, gíria usada para a venda de drogas sem autorização da facção. O novo grupo também se aliou ao PCC (Primeiro Comando da Capital), que busca ampliar presença no estado.
A Sesp-MT (Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso) alega que, em 2023, 90% dos 81 homicídios envolveram “pessoas ligadas às organizações criminosas e com antecedentes criminais”. Sobre 2024, a pasta disse ter havido redução do número dos homicídios após aumento da repressão ao crime organizado, com reforço do policiamento e programas de videomonitoramento. Leia a nota na íntegra aqui.
Procurada, a Prefeitura de Sorriso enviou release em que comemora a saída da cidade do ranking das 10 mais violentas e atribui o resultado à atuação do sistema de Justiça e das forças policiais, bem como à criação de uma rede unificada para acolhimento de mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
O município de Sorriso foi formado nos anos 1970, em plena ditadura militar. Professor do Departamento de História da UFMT, Vitale Joanoni Neto explica que a atuação dos militares nessa região apostou em um modelo desenvolvimentista, sob a justificativa de “segurança nacional”, que passou por cima de povos originários e comunidades locais.
Um dos principais projetos foi a construção da BR-163, que vai de Tenente Portela (RS) a Santarém (PA). No trecho mato-grossense, a rodovia divide Sorriso em duas partes.
O professor classifica essa divisão como um “apartheid social” com consequências percebidas até hoje, devido à velocidade do fluxo migratório para o município e à infraestrutura insuficiente para o atendimento da população.
“No lado direito da rodovia, tinha uma cidade organizada, com toda a estrutura que o projeto colonizador proporcionava. Quando se emancipou o município, a prefeitura cuidava”, explica Joanoni Neto. “Do lado esquerdo da rodovia, tinha os trabalhadores que migravam com suas famílias, não tinham grande recurso. Eles ocupavam áreas irregularmente, sem o acompanhamento do poder público”, complementa.
Outra rodovia relevante é a BR-242, que vai de Sorriso a Maragogipe (BA). Essas novas rotas, inicialmente planejadas para o escoamento da produção agrícola, criaram condições propícias para o deslocamento e a abertura de novos mercados por grupos criminosos, avalia Edson Benedito Rondon Filho, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMT e também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Um deles, indica, é o roubo de agrotóxicos, produtos considerados de alto valor. “Além do roubo e do furto, o problema também é o receptador”, diz Rondon Filho. “E aí tem uma relação muito implicada com o agro porque, se você rouba insumos e defensivos agrícolas, você tem que vender para quem trabalha com a terra”, complementa o professor.
Em 2021, foi criada a Patrulha Rural, vinculada à Polícia Militar, para monitorar áreas a que o policiamento não chega com facilidade.
O pesquisador Naldson Ramos ressalta que o poder público tem apostado mais em repressão do que em investigação e prevenção — o fato de a polícia responder por 18,7% de todas as mortes violentas em 2024 no município aponta para essa conclusão.
“O governo deu para a polícia carta branca para matar”, afirma Nadson Ramos. “Boa parte desses homicídios são ligados ao confronto com a polícia. Agora, nós sabemos quenem sempre existe o confronto. Basta que a pessoa tente fugir ou basta que a pessoa tenha uma ficha criminal já é conhecida, normalmente ela é eliminada”, finaliza.