30 Julho 2025
Andreii Ilnitsky, enfermo e órfão, é uma metáfora do futuro incerto dos ucranianos.
A reportagem é de Xavier Mas de Xaxàs, publicada por La Vanguardia, 29-07-2025. A tradução é do Cepat.
Andreii Ilnitsky nasceu há doze anos, em Ivano-Frankivsk, uma cidade no oeste da Ucrânia. Seus pais o deixaram com seus avós e nunca retornaram. Ainda muito pequeno, foi diagnosticado com insuficiência renal e, aos quatro anos, foi internado no Hospital Infantil Okhmatdyt, em Kiev, o mais importante do país, onde permaneceu até poucos dias atrás.
Visitei Andreii em meados de julho com dois voluntários da Igreja Batista que o visitavam todas as semanas. Estava com seu amigo Illya, também com problemas renais. Saímos para passear. Conversavam entre eles. Ignoravam os adultos e, mais ainda, os estranhos. Passamos em frente ao antigo prédio de toxicologia, destruído por um míssil russo um ano antes.
Três vezes por semana, naquele lugar, Andreii recebia seu tratamento de diálise. Ele estava conectado à máquina que limpava seu sangue na manhã em que o projétil atravessou o telhado. Sobreviveu com muitos cortes na pele, feridas físicas que cicatrizaram após algumas semanas. O trauma psicológico da guerra e da orfandade, no entanto, ainda não foi curado por ninguém.
As crianças são a imagem mais eloquente do sofrimento provocado pelas guerras. Vê-las desnutridas, como está acontecendo agora em Gaza, pode mudar o curso de um conflito. Dez anos atrás, a chanceler alemã, Angela Merkel, abriu as portas do país para mais de um milhão de refugiados sírios, após ver a foto de um menino curdo afogado em uma praia turca.
As imagens de mulheres e crianças ucranianas fugindo da invasão russa, em fevereiro de 2022, facilitaram sua acolhida na Polônia e em outros países europeus. Dos cerca de cinco milhões de refugiados ucranianos na Europa, quase um milhão e meio são crianças.
O drama dos que ficaram na Ucrânia, no entanto, mal aparece nos meios de comunicação de massa e tem sua importância, não apenas pela dor humana, mas também pelo seu significado político.
A guerra é enfrentada por dois países nos quais, há décadas, morrem mais pessoas do que nascem. As profundas crises demográficas que afetam a Rússia e a Ucrânia são uma das causas do conflito, e este nada mais faz do que agravá-las.
A queda do Muro de Berlim e o colapso da URSS despencaram a taxa de natalidade na Rússia e em toda a Europa ex-comunista. A Ucrânia perdeu dez milhões de habitantes após proclamar a independência, em 1991, e voltou a perder outros dez milhões nos últimos quatro anos de guerra. Hoje, a população não chega a 38 milhões de habitantes, cerca de trinta milhões se excluirmos os territórios sob o poder russo.
A Ucrânia está perdendo o trem do futuro porque sem população não há nação, nem crescimento, algo que também está acontecendo com a Rússia. A taxa de natalidade caiu para o nível mais baixo em 200 anos, um declínio demográfico que aprofunda o trauma pelo império extinto.
A guerra expansionista do Kremlin na Ucrânia, portanto, está intimamente ligada ao empenho do presidente Vladimir Putin em reverter a perda de população e grandeza.
A Rússia, o país mais extenso do mundo, mas com apenas 140 milhões de habitantes, sequestrou cerca de 35 mil crianças ucranianas nos territórios ocupados e as entregou a famílias russas.
Roubar anos de vida da Ucrânia, além de ser um crime contra a humanidade, é uma das perversidades ocultas desta guerra existencial para ambos os lados.
Andreii não precisa falar para explicar por que representa o mais incerto dos amanhãs. Ele compartilha a orfandade com outras 100 mil crianças ucranianas. Seus pais as abandonam por incapacidade e falta de recursos, porque não têm saúde física e nem mental para criá-las. Algo que também se aplica aos órfãos russos, entre 400 mil e um milhão, segundo as fontes.
A expectativa de vida de seus pais é a mais baixa da Europa. Os homens morrem antes dos 68 anos e poucas mulheres vivem além dos 75. Álcool, tabaco, má alimentação, trabalho em áreas poluídas e acidentes de trânsito os levam antes do tempo.
Há oito anos, o hospital tem sido o lar de Andreii. As mães de outras crianças enfermas cuidaram dele, mas ninguém quis adotá-lo. Quem pode conquistar a confiança e querer uma criança como ele? Ninguém o ensinou a ler e escrever, a somar e subtrair. Balança os ombros quando os voluntários evangélicos lhe perguntam se quer isto ou aquilo. Acaricia os braços deformados pela diálise. Olha pela janela. O sol ainda está alto. Uma enfermeira ajusta a sua faixa e descemos até o jardim.
Três semanas antes do nosso encontro, Andreii havia recebido um rim. A operação correu bem e agora ele caminha com cuidado. A faixa ajuda a protegê-lo. Não deseja ter alta, trocar o hospital pelo orfanato. Não conhece ninguém lá. Tem medo de que lhe batam. Ouviu histórias de surras e abusos sexuais. Muitas são verdadeiras.
“Toda vida é importante”, havia me dito, dias antes, Ekaterina Kusmarova, envolvida em um projeto que cura soldados feridos com cavalos também feridos, perto de Kharkiv. “Ajudam-se mutuamente e dá resultados muito bons”.
“Toda vida é valiosa”, disse-me Natalia Bobyn, administradora de um abrigo para animais resgatados do front. Centenas de cães e gatos passaram pelas instalações do Patron Pet Center, no antigo local de feiras de Kiev. Mais de mil foram adotados na Ucrânia e outros mil no exterior. “Todos somos criaturas de Deus”, disse-me, quando perguntei sobre o sentido de adotar um animal de estimação em plena guerra.
Depois de curá-los e acalmá-los, de castrá-los e vermifugá-los, os animais passam pelo estúdio fotográfico.
“Postamos as fotos no Instagram”, explica Bobyn. “Ajuda muito a encontrarem uma família”. Enquanto permanecem no centro, não faltam voluntários para levá-los para passear. Pergunto a Bobyn por que acredita que a adoção de animais de estimação faz tanto sucesso e me responde que “as pessoas são cruéis, mas os animais não”.
Raidel Arbelay, cuidador de Andreii até recentemente, entrega-me a foto que ilustra esta reportagem. “Nós a tiramos para mostrar às famílias que acreditávamos que poderiam adotá-lo. Demorou um pouco para sorrir”.
Há alguns dias, durante um bombardeio russo, Illya recebeu um transplante de rim de uma menina que havia morrido no mesmo hospital. Tudo correu bem e logo voltará para casa.
Andreii sentirá falta dele, mas já não no hospital, mas em um orfanato em Volyn, no nordeste da Ucrânia. O estado ficará responsável por ele até que complete 16 anos. Depois disso, ninguém sabe.
Como tantos jovens soldados no front, Andreii dá a sensação de estar mais preparado para a morte do que para a vida.
O Ministério da Justiça ucraniano confirmou, nesta terça-feira, que 17 presos ucranianos morreram e outros 42 ficaram feridos em um ataque russo que atingiu um centro penitenciário na região de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia. “Em consequência do ataque, 17 pessoas morreram entre os condenados e outros 42 ficaram feridos. Os feridos graves foram hospitalizados em clínicas do Ministério da Saúde”, afirmou o Ministério da Justiça em um comunicado.
Segunda a sua explicação, a Rússia utilizou quatro bombas aéreas guiadas no ataque, que são explosivos de alta potência, dotados de sistemas de navegação próprios, que permitem que sejam lançados de aviões a dezenas de quilômetros de distância do alvo.
“Este ataque demonstra mais uma vez como as Forças Armadas da Federação Russa violam flagrantemente o Direito Internacional Humanitário. Atacar infraestruturas civis, em particular um centro penitenciário, é considerado um crime de guerra”, enfatizou o Ministério da Justiça.