30 Julho 2025
Ação prejudica dezenas de catadores. Categoria denuncia ação truculenta e tentativa de criminalização por parte de agentes públicos.
A reportagem é de Tiago Medina, publicada por Matinal, 29-07-2025.
Pouco mais de duas semanas após a ação que destruiu carrinhos de catadores na Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre, galpões comunitários utilizados pelos trabalhadores no bairro foram demolidos. O pretexto da operação executada na manhã de segunda-feira por órgãos municipais é combater a violência na região. A medida, porém, prejudica dezenas de pessoas que vivem da reciclagem de materiais. Os afetados reclamam da criminalização da atividade por parte da prefeitura e denunciam a truculência de agentes do município.
A demolição não pegou o grupo de surpresa, pois a operação foi informada previamente. De acordo com Ismael Luiz da Silva, que era dono de um dos galpões demolidos, representantes da prefeitura teriam feito um aviso informal à comunidade na semana passada, a tempo de os trabalhadores retirarem algum material para reaproveitarem posteriormente. Até então, os locais estavam apenas interditados.
Nos depósitos, carrinheiros vendiam materiais como garrafas pet e papelão, recolhidos das ruas. A comercialização é a forma de sustento dessas pessoas, de acordo com Silva, que compra materiais dos catadores. Algumas dos afetados pela demolição atuam com o recolhimento de resíduos há mais de dez anos.
Silva tinha construído um galpão na Vila dos Papeleiros em 2019. Ao longo dos anos, chegou a iniciar um processo de regulamentação, o que não foi adiante. “Estou abalado, era a minha vida. Eu investi naquele lugar até para ajudar os carrinheiros”, contou ele, desapontado com a falta de diálogo. “Desde o começo eles viram eu construindo ali, para depois desmancharem e não deixar nada”, complementou. “Sou pai de quatro meninas e precisava daquele espaço para trabalhar.”
A situação dele não é isolada. “Muita gente vai ficar sem trabalhar. Muitos dependiam dos galpões comunitários. Não podemos levar o material para reciclar na vila”, explicou Silva. Apenas em seu galpão, eram cerca de 25 carrinheiros que levavam material.
Para ele, o que ocorreu ao longo do mês de julho, quando primeiro apreenderam carrinhos durante uma operação, e agora com a demolição, é uma tentativa de criminalização do grupo. “E a gente recolhe pela cidade até três vezes mais resíduos que a coleta seletiva”, comparou.
Fagner Jandrey, do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), afirmou à Matinal que o grupo irá discutir uma ação judicial contra o município. Nesta terça, uma reunião entre MNCR e catadores debaterá os próximos passos. Outra reunião, na comunidade da Vila dos Papeleiros, está marcada para quinta-feira.
Jandrey faz coro a Silva sobre a tentativa de criminalização do grupo, além de criticar a ação das autoridades no decorrer das ações. “A prefeitura está agindo de uma forma que não apresenta processos administrativos. Assustam as pessoas”, criticou.
A Matinal buscou contato com a prefeitura, que confirmou que diferentes órgãos municipais atuaram na operação. Um esclarecimento aos questionamentos enviados pela reportagem deve ser encaminhado até esta terça-feira.
Em 11 de julho, uma operação policial com cerca de 400 agentes entrou na Vila com 17 mandados de prisão, dos quais 12 foram cumpridos. A operação ocorreu no âmbito de uma ofensiva contra o furto de cabos e fios, além de combate ao tráfico de drogas. Na ocasião, mais de 20 carrinhos utilizados pelos catadores foram recolhidos como sucatas. Passadas duas semanas, eles não foram devolvidos à comunidade, nem mesmo o que servia como biblioteca itinerante para os moradores.
Um dos líderes comunitários da região, Antônio Carboneiro, não havia venda de fios nos depósitos. Para ele, as seguidas ações têm relação a um processo de gentrificação. “A Vila dos Papeleiros está num bairro nobre de Porto Alegre. Pelo trabalho que fizemos, não aceitam que tenha papeleiros no bairro Floresta”, afirmou. “Somos discriminados.”