23 Julho 2025
Cobrança de plano climático para o pré-sal pode sinalizar início da responsabilização da indústria petrolífera pela crise do clima.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 23-07-2025.
Por essa a Petrobras e outras petrolíferas que exploram combustíveis fósseis no Brasil não esperavam. O IBAMA está cobrando a conta climática em um plano de produção de petróleo e gás, e na maior província petrolífera brasileira, já dominada tecnologicamente e com custos de produção [ainda] vantajosos financeiramente. Se a cobrança virar regra – e nossa sobrevivência no planeta exige isso –, pode ser o início da responsabilização da indústria petrolífera pelas mudanças do clima. O que, além de afetar os rendimentos do setor, aumenta ainda mais a chance de investimentos em novas fronteiras de exploração, como a Foz do Amazonas, tornaram-se ativos encalhados.
O IBAMA negou uma licença pedida pela Petrobras para a Etapa 4 do sistema de produção do pré-sal da Bacia de Santos, um investimento de quase R$ 200 bilhões. A região responde hoje pela maior parte da produção de petróleo no Brasil e já tem outros projetos de produção e escoamento de combustíveis fósseis instalados. Por isso, a expectativa era que a autorização fosse concedida sem grandes problemas.
O órgão ambiental, porém, colocou o pé no freio nos planos da estatal ao exigir um programa específico de ações contra as mudanças climáticas. Na avaliação técnica do IBAMA, as ações de mitigação climática adotadas atualmente no pré-sal, como a reinjeção de gás fóssil nos poços e a redução de sua queima, são insuficientes diante da gravidade da crise climática. Por isso, exigiu um programa específico, com metas claras ligadas a cinco eixos: transparência, monitoramento, mitigação, compensação e adaptação.
Ao mesmo tempo a Petrobras está investindo pesadamente em uma campanha publicitária para tentar convencer a população de que é “líder na transição energética justa”. Também aproveita qualquer ocasião para dizer que o petróleo que produz tem uma das menores intensidades de carbono do planeta. E que vem reduzindo suas emissões de gases de efeito estufa – o que diz respeito apenas às suas operações.
No entanto, além de estar muito longe de deixar de ser uma petrolífera para se tornar uma empresa de energia, investindo mais em fontes renováveis – o que se espera de uma “transição energética justa” –, a estatal finge não saber que é a queima dos combustíveis fósseis que produz que mais agrava as mudanças climáticas. Como sua produção está em franca expansão, sua contribuição para a crise do clima também está aumentando. Sem falar que o petróleo que produz, se é menos intenso em carbono que o óleo cru produzido em alguns países, é mais intenso na comparação com outras nações.
A decisão do IBAMA, portanto, lembra o que tanto a Petrobras como o governo brasileiro insistem em ignorar. Não importa se os combustíveis fósseis produzidos no país são queimados aqui ou no exterior – mais da metade da produção de óleo cru do país em 2024 foi exportada –, eles afetarão o clima de todo o planeta. A atmosfera não é dividida em “caixinhas”. Mesmo que o desmatamento e o uso do solo sejam as principais fontes de emissões do Brasil, os gases de efeito estufa oriundos da queima dos combustíveis fósseis produzidos aqui, embora não totalmente contabilizadas localmente, já que o país é exportador líquido de petróleo, agravarão as mudanças climáticas. E com isso, ampliarão a frequência e a intensidade de eventos extremos, como a tragédia das chuvas e inundações no Rio Grande do Sul de maio do ano passado, a seca histórica que drenou a Amazônia por dois anos seguidos, em 2023 e 2024, e a estiagem que abriu caminho para os incêndios criminosos que torraram o Pantanal no ano passado.
Na verdade, a exigência do IBAMA aborda uma gota no oceano da conta climática que toda a indústria petrolífera, não só a Petrobras, tem que pagar pela crise do clima. Estudos já mostraram que se as petrolíferas fossem de fato responsabilizadas pelos estragos que já causaram no planeta, teriam de pagar bilhões e bilhões de dólares. Uma pesquisa apontou que as 21 maiores petrolíferas do mundo [Petrobras incluída] vão gerar US$ 5,4 trilhões em prejuízos causados pelas mudanças climáticas entre 2025 e 2050. Valor suficiente para contribuir com os US$ 1,3 trilhão anuais necessários para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento, um imbróglio que desafia a COP30, em Belém.
Embora seja um sinal positivo, não se sabe se a decisão do órgão ambiental será mantida. Afinal de contas, se a Petrobras faz pressão política por uma licença para perfurar um poço no bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, tudo indica que fará o mesmo para se livrar dessa conta climática. O que comprovará, mais uma vez, que há pouco de “líder na transição energética justa” na estatal e muito de atraso e falta de compromisso com a nossa existência no planeta. E também respingará na imagem de líder climático que o governo brasileiro quer assumir, tanto na COP30 como depois dela.