22 Julho 2025
A entrevista é de Jorge Reyes, publicada por Religión Digital, 21-07-2025.
Uma das prioridades do Papa Leão XIV é garantir a segurança dos menores e das pessoas vulneráveis dentro das estruturas da Igreja para pôr fim aos abusos que tanto afetam a instituição católica, disse Dom Jordi, conhecido como o "Agente 007 do Vaticano", encarregado de investigar e enfrentar os problemas de abuso em todo o mundo.
Em entrevista exclusiva ao Desde la Fe, o enviado pessoal do Papa para missões especiais e funcionário do Dicastério para a Doutrina da Fé, falou sobre a necessidade de as vítimas de abuso terem justiça e, se possível, serem indenizadas pelos danos causados, porque "não pode haver misericórdia sem justiça".
Da mesma forma, ele reconheceu que entre os problemas que detectou durante os 13 anos em que investigou diversos casos está o fato de a Igreja não ter planos de prevenção de abusos em suas estruturas, razão pela qual é possível que esse tipo de miséria continue ocorrendo, "porque sempre haverá alguém que os cometerá".
Durante a palestra realizada na sede da Arquidiocese Primaz do México, Dom Jordi deixou claro o que significa prevenção para a Santa Sé, o que deve ser feito para erradicar definitivamente este problema e como a Igreja pode se defender dos ataques que sofre devido aos casos de abuso que surgem.
Dom Jordi observou que a Igreja na América Latina está atrasada em entrar na luta contra os abusos, o que "significa que está se dedicando à proteção e salvaguarda de menores abusados por clérigos, padres ou diáconos".
Ele enfatizou que a América Latina enfrenta atualmente um novo desafio, que não é apenas "proteger menores abusados sexualmente, mas também proteger todos os adultos vulneráveis" de diversas maneiras, ou seja, aqueles que "sofrem abusos de consciência, abusos espirituais e, sobretudo, abusos de poder, abusos de autoridade".
A este respeito, Dom Jordi afirmou que, para o Papa Leão XIV, este desafio — tornar a Igreja um ambiente seguro para todos os fiéis e prevenir novos abusos — “certamente será uma das suas prioridades, porque temos que encontrar uma solução para o que é uma demanda de todas as pessoas”, garantindo a segurança de menores e pessoas vulneráveis dentro das estruturas eclesiásticas.
Ao se referir a como garantir que as vítimas de abuso sejam ouvidas e que seus agressores recebam a punição que merecem, o prelado enfatizou que a primeira coisa que deve ser garantida é que eles recebam justiça.
“Para as vítimas, a justiça vem em primeiro lugar. Não pode haver misericórdia sem justiça. Nos meus 13 anos no Dicastério, nunca encontrei uma única vítima que, antes de tudo, exigisse dinheiro. Todas querem justiça, e é a coisa certa a se fazer, é claro”, afirmou.
Da mesma forma, continuou o enviado especial do Papa, não devemos ignorar a possibilidade de que haja casos em que os afetados possam precisar de indenização financeira, especialmente considerando que "há vítimas que passaram anos nas mãos de psicólogos e psiquiatras, vítimas que talvez nunca tenham conseguido reconstruir suas vidas profissionais após os abusos sofridos".
O Enviado Pessoal do Papa reconheceu que a questão da reparação às vítimas representa um desafio para a Igreja, porque normalmente "as reparações financeiras são dadas através de processos civis e criminais", por isso "é mais difícil para a Igreja estabelecer uma reparação financeira justa", mas isso pode ser feito porque existem processos judiciais em que é possível fazê-lo dentro de um processo administrativo penal eclesiástico.
Na entrevista exclusiva ao Desde la Fe, o responsável do Dicastério para a Doutrina da Fé indicou que na luta contra os abusos de menores e pessoas vulneráveis, o principal problema que a Igreja enfrenta é que muitas das suas paróquias não têm uma cultura de prevenção.
Por isso, ele enfatizou que é inútil ter bons profissionais do direito, ou seja, canonistas treinados que ajudem a prestar uma justiça séria, rigorosa e restaurativa às vítimas, "se toda a comunidade eclesial, especialmente a hierarquia, toda a cúria eclesial, não tiver consciência do que o Papa Francisco nos pediu em 20 de agosto de 2018, quando falou em implementar uma cultura de prevenção".
“Diante de uma cultura de abuso na qual estamos imersos, porque nossa sociedade é abusiva, a Igreja que segue Cristo, a vítima por excelência, deve ser Mãe e mestra em uma cultura de prevenção, uma cultura de cuidado”, disse Dom Jordi durante a entrevista concedida no âmbito de uma visita de trabalho que realizou à Arquidiocese do México.
O responsável do Dicastério afirmou que a prevenção não é "simplesmente ter protocolos ou diretrizes, porque tudo isso seria insuficiente e é puro legalismo". O que é necessário é um plano abrangente implementado em cada paróquia, sempre operado pelos bispos de suas dioceses.
“A cultura da prevenção, a cultura do cuidado, é poder oferecer espaços saudáveis e seguros para todos na Igreja. Mas é para todos. Sejam menores, adultos ou adultos vulneráveis. Portanto, ainda há um longo caminho a percorrer juntos... porque é para isso que serve também a Santa Sé. Ou seja, da Santa Sé, do Santo Padre e da sua Cúria, somos uma ajuda e tentamos oferecer assistência às igrejas locais para que possam implementar esta cultura do cuidado”, observou.
"É inaceitável", enfatizou, "que a Igreja ainda tenha paróquias, escolas e centros de lazer onde os pais não têm certeza de deixar seus filhos; mas também é inaceitável que tenhamos mosteiros, conventos e movimentos leigos onde a autoridade é exercida de forma despótica e autoritária, e onde não há supervisão ou monitoramento, o que é ainda pior".
Questionado sobre o que deveria ser feito para conscientizar aqueles que servem a Igreja a fim de erradicar o grave problema dos abusos, Dom Jordi afirmou que é necessária uma mudança de mentalidade entre todos os católicos.
Você está me falando de uma mudança de mentalidade. Isso requer que todos nós, não apenas a hierarquia; requer que todos os batizados passem por uma profunda mudança de mentalidade, na qual vejamos nossos irmãos e irmãs que são mais vulneráveis do que nós, entendendo que todos somos vulneráveis.
Esta questão é um pouco complicada porque você está me falando de uma mudança de mentalidade. Isso exige de todos nós, não apenas da hierarquia; exige de todos os batizados, uma profunda mudança de mentalidade, na qual vejamos nossos irmãos e irmãs que são mais vulneráveis do que nós, compreendendo que todos somos vulneráveis. Somos todos cristãos e, por sermos cristãos, somos vulneráveis. Ou seja, precisamos estender a mão aos outros; precisamos dos outros, porque não podemos nos salvar sozinhos.
"Portanto, somos salvos porque seguimos a Cristo e juntos nos descobrimos filhos do mesmo Pai. Há irmãs e irmãos que são muito vulneráveis, por qualquer motivo, e isso exige uma mudança de mentalidade em nossa Igreja, por meio da qual todos devemos descobrir que somos guardiões do nosso irmão".
“Essa profunda mudança de mentalidade é o que pode nos tornar uma Igreja um pouco mais saudável e segura, Mãe e mestra para uma sociedade tão abusiva. Faremos isso, confio, porque é verdade que a solução não vem apenas da hierarquia — também, mas não só, mas de todo um povo de Deus, consciente de que, aos poucos, mudaremos estruturas sistemicamente abusivas”.
Questionado sobre como a Igreja pode se defender dos constantes ataques que recebe devido aos diversos casos de abuso ocorridos, Dom Jordi afirmou que a melhor maneira de fazer isso é não participar do encobrimento, porque não é uma cultura que "Jesus de Nazaré pregou. Não creio que possamos defendê-la assim".
"Ao contrário, defendemos a Igreja quando a ajudamos a ser o corpo místico do Senhor, que se apresenta como aquela comunidade dos salvos, dos ressuscitados, que são um anúncio de luz e esperança para o mundo. Isso significa que devemos fazer todo o possível para defendê-la, inclusive pedindo perdão quando falhamos, quando um irmão ou irmã nos decepciona, e tendo coragem e bravura suficientes para dizer que realmente lamentamos, repararemos o dano causado, mas a Igreja é outra coisa", indicou.
Não podemos pensar que seremos capazes de esconder essas misérias, mas teremos que encontrar uma maneira de resolvê-las e nos apresentar à sociedade como a comunidade que está a seu serviço.
Ele enfatizou que nesta sociedade da informação, como aquela em que estamos imersos, "não podemos pensar que seremos capazes de esconder essas misérias, mas sim que teremos que encontrar uma maneira de resolvê-las e nos apresentar à sociedade como a comunidade que está a seu serviço".
Com base em 13 anos de experiência, o enviado pessoal do Papa para Missões Especiais reconheceu que o problema dos abusos na Igreja dificilmente acabará, "porque, infelizmente, sempre haverá alguém que os provoca, que os comete. É assim; sempre haverá alguém que abusa do poder, sempre haverá alguém que é indisciplinado em questões sexuais".
“Se um dia conseguirmos uma Igreja que não se esconda atrás da miséria, na esperança de não ser pega e que funcione como uma associação criminosa — porque, no fim das contas, isso é criminoso — seremos uma Igreja que se estende a todos e diz: 'Vejam, estamos aqui. Somos muito vulneráveis porque há pecado dentro de nós, mas também há muita graça; há a possibilidade de perdão, de redenção. Estamos aqui a seu serviço. Ajudem-nos a ser bons.' Acho que as coisas vão mudar um pouco”, concluiu D. Jordi.
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