22 Julho 2025
Timothy Radcliffe é um religioso inglês que liderou a Ordem dos Pregadores de 1992 a 2001. Ele é o único frade da província inglesa da Ordem Dominicana a ter ocupado o cargo de Mestre Geral. Foi nomeado cardeal pelo Papa Francisco em 2024, participou do recente conclave.
A entrevista com Timothy Radcliffe é de Alain Elkann, publicada por La Stampa, 20-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor chegou ao priorado dos Frades Negros de Oxford depois da escola preparatória?
Sim, recebi uma educação religiosa no sentido de que vivíamos na presença de Deus e os santos eram nossos amigos, mas não era nem rígida nem piedosa. Devo confessar que na escola eu era um garoto mau; frequentava o pub, fumava e quase fui expulso por ler O Amante de Lady Chatterley durante a bênção. Depois da escola, amigos não católicos me diziam que aquilo em que eu acreditava não era verdade, e então me senti atraído pela ordem cujo lema era ‘Veritas’. Também me senti atraído pela simplicidade. A nossa é uma vida muito simples. Somos apenas irmãos.
Como foi renunciar ao fumo, à bebida e aos divertimentos?
Não acho que tenhamos renunciado aos divertimentos e aos prazeres da vida. Na vida dominicana, admitimos há 800 anos que somos feitos de carne e sangue. São Domingos fundou a ordem dos pregadores em um pub, e quase todos os seus primeiros milagres envolveram a produção de vinho. Vivemos uma vida humana boa e feliz, e acreditamos que a plenitude da felicidade que buscamos se encontra em Deus.
Quando descobriu seu destino?
Eu tinha um tio-avô maravilhoso, um monge beneditino, que durante a Primeira Guerra Mundial tinha sido um corajoso capelão que ia todas as noites à terra de ninguém para procurar os moribundos. Ele foi baleado, perdeu um olho e quase todos os dedos de uma mão, mas não parou. Ele era a pessoa mais alegre e cheia de vida que eu já conheci, e eu aprendi que a religião trazia uma alegria profunda.
Sempre sentiu isso?
Você só se torna vivo se conhece a alegria e a dor do mundo. Eu vi o sofrimento da Síria e do Iraque, de Ruanda, de Angola e da Argélia. Eu amo a passagem de Ezequiel onde Deus diz: '‘tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne".
Foi difícil ser o Mestre Geral da Ordem Dominicana?
Sim, eu viajava oito meses por ano. Você tem que estar com seus irmãos e irmãs, beber e comer com eles, ficar em silêncio e rir com eles, compartilhar suas vidas e aprender com eles, e esperar poder ensinar-lhes algo. Foi uma grande lição: "aprendi a esperança".
O que significa ter esperança?
Acreditar que, no final, a vida triunfará sobre a morte e o amor sobre o ódio e, portanto, nunca se deve desistir.
O senhor é conhecido por seu talento como pregador. O que significa pregar?
Significa escutar para descobrir o que as pessoas precisam naquele momento. Estive recentemente em Liubliana, Eslovênia, em um encontro com cerca de mil jovens criativos, artistas e políticos, que queriam saber o que eu diria com antecedência. Mas respondi que precisava olhá-los nos olhos primeiro, escutá-los. Meu próximo projeto, não imediato, é ir para a Ucrânia, para Kiev e depois para Kharkiv, na fronteira com a Rússia. Não sei o que vou encontrar.
O senhor renunciou a muitas coisas materiais. Se sente bem?
Se você tem amigos — e a amizade é o segredo da vida dominicana — como pode se sentir perdido? Quando tive câncer, percebi o quanto meu ser havia sido forjado por minhas amizades, por todas as pessoas que amava e tinha amado. Se quiserem encontrar Deus, façam amigos.
O que significa ser um cardeal?
Significa que, se o Papa precisar de você, você vai estar ao seu lado. O conclave foi uma experiência fascinante. No filme ‘O Conclave’, os detalhes estão corretos, mas a atmosfera é completamente diferente. Você sabe que está fazendo uma escolha de grande responsabilidade, mas todo mundo ri e brinca junto. Por três dias, ficamos isolados das redes sociais, dos e-mails e das notícias, e foi uma experiência libertadora.
Sobre o que vocês falavam?
Obviamente, não posso compartilhar os detalhes, mas tentamos entender os desafios da Igreja e quem estaria à altura deles. O maior desafio havia sido identificado pelo Papa Francisco: todos tinham que ser acolhidos, ‘Todos, todos, todos’, ele sempre repetia. Não importa o que você fez, quem você é, qual é a sua orientação sexual, essa é a sua casa e devemos lhe escutar. No passado, os sacerdotes eram demasiado autoritários, demasiado distantes, mas pertencemos uns aos outros.
Quais são os critérios para se tornar Papa?
Em cada conclave, as necessidades são diferentes. João Paulo II, um intelectual de grande inteligência, viu a necessidade de alcançar os jovens. O Papa Bento XVI, um grande teólogo, compreendeu que tínhamos que mostrar que a fé era interessante e intelectualmente crível. Para Francisco, a prioridade foi abrir as portas e as janelas, deixar o ar circular. Com Leão, chega um novo momento: devemos continuar o que Francisco fez, o que, no entanto, assustou alguns, que devem poder se sentir em casa”.
Não lhe pareceu que o conclave foi um grande espetáculo?
Foi extraordinário. Eu estava ao lado da fornalha onde as cédulas são queimadas e, quando colocamos o que era necessário para produzir a fumaça branca, ouvimos o rugido da praça. Eles amaram o novo Papa antes mesmo de vê-lo; foi um momento comovente.
O senhor imaginou que o Cardeal Prevost pudesse se tornar Papa?
Eu suspeitava que fosse possível. Ele é muito capacitado para fazer a paz, em construí-la. Tem o grande dom de unir as pessoas, curar as feridas, as tensões. É muito humano.
Tornar-se Papa de repente deve ser assustador, o senhor estava pronto?
Ah, eu sabia que estava velho e doente demais. Mas se você levar Deus a sério, não pode levar a si mesmo tão a sério. Após o conclave, Leão reuniu os cardeais para conversar. A conversa é uma das coisas mais humanas, é a alma da amizade, está no centro da vida da Igreja: a conversa conosco mesmos e com aqueles que discordam de nós.