24 Junho 2025
Especialistas acreditam que o bombardeio das instalações do programa nuclear de Teerã não foi tão decisivo quanto o presidente dos EUA anunciou.
A reportagem é de Trinidad Deiros Bronte, publicada por El País, 24-06-2025.
No último sábado, horas antes de dois bombardeiros B-2 americanos atacarem a usina de enriquecimento de urânio de Fordow naquela noite, cerca de 96 quilômetros ao sul de Teerã, um satélite fotografou a entrada do local, enterrada entre 80 e 100 metros de profundidade. A imagem mostrou um comboio de 16 caminhões pesados. Maquinário pesado também estava presente. Washington então bombardeou essas e outras instalações importantes — Natanz e Isfahan.
Com esse ataque, os Estados Unidos garantiram a "destruição total" do programa nuclear iraniano, proclamou Donald Trump. O presidente reiterou isso posteriormente nas redes sociais, onde falou de danos "monumentais" a "todas as instalações nucleares do Irã". "No alvo", concluiu com uma daquelas frases lapidares de que tanto gosta.
Imagens de satélite dessas três instalações bombardeadas mostram danos, mas, pelo menos em Fordow, não são tão monumentais, pelo menos não na aparência. Isso é especialmente verdadeiro porque o tipo de bomba que Washington usou lá — a poderosa bomba destruidora de bunkers GBU-57 — não explode ao atingir o solo, mas sim no subsolo, deixando apenas alguns buracos na superfície que Jesús Pérez Triana, especialista em segurança e defesa, compara a uma "picada de cobra". É o que se pode ver nas imagens: seis buracos de entrada ou crateras não muito grandes, dois em cada uma das duas entradas principais da usina e outros dois no duto de ventilação.
Isso não significa que os danos àquela usina crucial não sejam "muito significativos", como afirmou Rafael Grossi, diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU, nesta segunda-feira, mas significa que, ao contrário do que Trump afirma, essas imagens não são tão descritivas. Como o próprio Grossi afirmou, ainda é muito cedo para determinar até que ponto aquela instalação e as outras duas mencionadas foram completamente destruídas.
Sem uma avaliação independente dos danos, a avaliação do verdadeiro impacto do ataque americano permanece repleta de questões em aberto. Por exemplo, a quase certeza, até mesmo implicitamente confirmada pelo próprio vice-presidente J.D. Vance, de que — em preparação para um ataque que Trump vinha ameaçando há dias — o Irã removeu de suas instalações nucleares os 400 quilos de urânio altamente enriquecido (60%, pouco menos dos 90% necessários para fabricar armas nucleares) que a AIEA estimou possuir em maio, em um relatório que Israel utilizou para justificar o ataque ao Irã iniciado em 13 de junho.
Os caminhões que desfilaram em frente à entrada da usina fortificada de Fordow poderiam ter transportado não apenas esse urânio, mas também equipamentos como as centrífugas usadas para enriquecê-lo, que são outro alvo declarado dos ataques israelenses e americanos. No caminho para lá, alguns desses veículos, segundo autoridades iranianas citadas pela mídia do país, transportaram terra e outros materiais destinados a vedar as entradas e saídas dos túneis subterrâneos da usina e, assim, conter uma possível explosão.
Independentemente de as centrífugas serem ou não removidas de Fordow, o Irã ainda possui o conhecimento necessário para construí-las, observa Daria Dolzikova, pesquisadora sênior do Programa de Política e Proliferação Nuclear do think tank britânico RUSI, em uma análise. O programa nuclear do país "tem décadas e se baseia em vasta experiência local". Portanto, ela enfatiza, "a eliminação física da infraestrutura do programa, e mesmo o assassinato de cientistas iranianos, não serão suficientes para destruir o conhecimento latente existente no país".
"O Irã tem uma vasta experiência que lhe permitirá eventualmente reconstruir aspectos do programa que foram danificados ou destruídos", conclui Dolzikova.
Guillermo Pulido, especialista em Estudos de Dissuasão Nuclear Estratégica, acredita que este ataque provavelmente não foi "decisivo". Ele cita o caso de Fordow, uma instalação para a qual "a única opção de destruição completa seria uma bomba atômica capaz de destruir bunkers", afirma o pesquisador.
Em seu documento, a analista do RUSI alude a outra das questões pendentes deixadas em aberto pelo ataque de Washington : as instalações nucleares secretas e não tão secretas que o Irã ainda possui e que ainda não foram bombardeadas. Uma delas é a Kolang Gaz La, localizada muito perto da usina de enriquecimento de Natanz, a sudeste da capital. Natanz, a sudeste de Teerã, é considerada a principal instalação de enriquecimento de urânio do Irã. Segundo a AIEA, essa usina foi severamente danificada nos ataques israelenses da semana passada.
Pouco se sabe sobre Kolang Gaz La, que os inspetores da AIEA ainda não conseguiram penetrar. Apenas que é enorme, com até 10.000 metros quadrados, e que suas câmaras estão enterradas entre 80 e 100 metros de profundidade — ainda mais fundo que Fordow, de acordo com uma análise de abril do Instituto de Estudos de Segurança Internacional (ISIS).
Até as próprias autoridades israelenses arrefeceram o ardor triunfalista de Trump. Uma análise inicial do exército israelense, citada pelo The New York Times no domingo, concluiu que Fordow sofreu danos severos, mas não está completamente destruída. O jornal americano também cita dois oficiais de inteligência israelenses que confirmaram que o Irã havia removido equipamentos e urânio daquela e de outras usinas nucleares nos últimos dias. Especificamente, aqueles 400 quilos de urânio enriquecido a 60%, teoricamente o suficiente para fabricar cerca de nove bombas nucleares.
Tanto o vice-presidente J.D. Vance quanto o secretário de Defesa, Pete Hegseth, expressaram menos entusiasmo do que Trump, citando "danos e destruição severos", mas não "destruição completa". Vance chegou a reconhecer que o destino do urânio é uma das questões que precisariam ser abordadas com as autoridades iranianas se elas aceitassem a exigência dos EUA de retornar à mesa de negociações sobre seu programa nuclear.
Um analista com boas fontes dentro das autoridades iranianas, que falou com este jornal de Teerã sob condição de anonimato, confirmou que "há dias" as autoridades iranianas "removeram todos os equipamentos sensíveis de Fordow". Ele então enfatizou que "se o Irã decidisse dar o passo nuclear", referindo-se à fabricação de armas atômicas, "não o faria em Fordow". Isso "já estava claro antes dos ataques", concluiu.
Pérez Triana nem sequer acredita que o governo Trump tivesse esses "resultados definitivos" como prioridade ao lançar uma operação que, apesar de sua natureza espetacular, ele descreve como "um ataque conservador de baixo risco".
Em sua opinião, Washington pretendia "fazer o Irã entender que os Estados Unidos levam a sério".
“A operação de Trump foi limitada, com o objetivo de levar o Irã a uma mesa de negociações onde os EUA pudessem construir uma base de força”, enfatiza o especialista. Em sua opinião, a mensagem era que “Washington pode atacar novamente; Israel é um cachorro louco, e os aliados regionais do Irã (Hezbollah e Hamas) estão fora de questão”. Isso faz alusão à frase frequentemente atribuída ao oficial militar e político israelense Moshe Dayan: “Os inimigos de Israel devem nos ver como um cachorro louco: perigosos demais para serem incomodados”.
Pulido duvida da "utilidade" deste ataque, especialmente porque já se sabia em 2024 que o Irã estava "dispersando parte de seu programa nuclear, suas centrífugas e outros equipamentos". Este ataque, não tão "decisivo" para o futuro do programa nuclear como Trump afirma, "também poderia desencadear uma dinâmica regional bastante perigosa".
A ação militar dos EUA na região, observou Daria Dolzikova em sua análise, foi, ao contrário, no passado "um dos fatores que impulsionaram os avanços do Irã em seu programa nuclear". O fato de Washington ter atacado diretamente o território iraniano pela primeira vez, mesmo com Trump anunciando uma trégua entre Israel e o Irã na segunda-feira, "pode muito bem levar Teerã a decidir que a única opção restante para uma dissuasão nuclear eficaz é desenvolver capacidade de armas nucleares".