23 Junho 2025
O presidente brasileiro visitará o país para se encontrar com o líder do Partido Popular (PJ), mas, fora da cúpula do Mercosul, não tem intenção de fazer o mesmo com Javier Milei, de quem ainda exige que se retrate das declarações ofensivas feitas em 2023.
A reportagem é de Darío Pignotti, publicada por Página/12, 23-06-2025.
A solidariedade de Luiz Inácio Lula da Silva a Cristina Fernández, expressa pelo deputado petista Paulo Pimenta na última quarta-feira em Buenos Aires, não passou despercebida pela extrema direita brasileira, onde surgiram manifestações de descontentamento. Entre elas, a do presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Felipe Barros. O parlamentar apoiado por Bolsonaro, que este ano visitou colegas do Partido Republicano nos Estados Unidos, onde falou sobre a deriva ditatorial em que o Brasil estaria se afundando, usou as redes sociais para ironizar a viagem do representante de Lula à Argentina e comparar Cristina à esposa do ex-presidente peruano Ollanta Humala, condenado na Lava Jato andina.
A esposa de Humala, Nadine Heredia, recebeu asilo no Brasil devido ao risco de prisão por um judiciário alinhado ao governo de fato que surgiu após o golpe contra o presidente Pedro Castillo.
Outro líder brasileiro incomodado com o apoio de Lula a Cristina é Ronaldo Caiado, governador do estado de Goiás, que faz fronteira com a capital, Brasília. Para o governador, o possível encontro entre Lula e Cristina é injustificado, a menos que o governo de centro-esquerda pretenda prejudicar as relações diplomáticas entre Brasília e Buenos Aires. Caiado omitiu que a relação entre os dois países mais importantes da América do Sul havia sido boicotada pelo governo Javier Milei.
Para entender o perfil do governador, basta dizer que, ao lançar sua candidatura à presidência do Brasil nas eleições de 2026, ele prometeu que, se eleito, perdoaria Jair Bolsonaro, que até lá quase certamente será condenado por organizar o golpe de Estado desferido em janeiro de 2023.
O fato de Paulo Pimenta ter sido o emissário escolhido por Lula para viajar a Buenos Aires envia uma mensagem poderosa. O deputado federal pelo Rio Grande do Sul estreitou seu relacionamento com Lula durante sua prisão em Curitiba, quando o regime Bolsonaro — iniciado em janeiro de 2019 — pressentia que o ex-torneiro jamais retornaria à política.
Como se vê, Bolsonaro e sua comitiva foram arrastados por um triunfalismo comparável ao que intoxica os setores antikirchneristas hoje. De fato, o governo Bolsonaro tinha motivos de sobra para acreditar no fim do lulismo: tinha ao seu lado uma opinião pública atordoada pelas redes sociais e um ministro com superpoderes: Sergio Moro.
De seu gabinete no Ministério da Justiça, Moro trabalhou para garantir o ostracismo de Lula, a quem, como juiz, havia condenado em um caso abusivo e tendencioso.
Naqueles anos de adversidade, foi o deputado Pimenta quem denunciou as ilegalidades de Moro, a quem repreendeu em memorável audiência na Câmara, onde o acusou de ser o principal ator da guerra jurídica e um fantoche de Washington.
A postura intransigente de Pimenta lhe rendeu a gratidão de Lula, que o nomeou ministro das Comunicações em janeiro de 2023 e agora o enviou a Buenos Aires em missão com implicações diplomáticas.
Paulo Pimenta sustenta que a caça política disfarçada de sistema judicial do qual Lula, Cristina e outros líderes da região — como os ex-presidentes Rafael Correa, do Equador, e Fernando Lugo, do Paraguai — foram vítimas de uma "guerra híbrida" para instaurar governos autoritários como os de Milei, na Argentina, e Daniel Noboa, no Equador, e favorecer o retorno do bolsonarismo.
Segundo Pimenta, esse modelo tem elementos do que ficou conhecido como Plano Condor, segundo o qual ditaduras se coordenavam para sequestrar e assassinar membros da resistência democrática.
Se o Brasil não se solidarizar com Cristina, como os líderes argentinos fizeram na época para garantir a liberdade de Lula e a restauração de seus direitos políticos, um novo Condor derrubará as democracias, ele alerta.
Pimenta disse que a agenda de Lula na Argentina ainda está sendo elaborada e sujeita à autorização das autoridades argentinas para que ele seja recebido no apartamento San José 1111. Em princípio, o brasileiro poderia chegar na quarta-feira, 2 de julho, para sua agenda particular com Cristina e reservar a quinta-feira, 3 de julho, para a cúpula de presidentes do Mercosul, quando termina o mandato de seis meses de Javier Milei.
Fontes do Palácio do Planalto disseram que Lula não planeja manter conversas privadas com seu homólogo argentino à margem da cúpula do Mercosul, onde devem estar presentes os presidentes do Uruguai, Santiago Peña Nieto, do Paraguai, e da Bolívia, Luis Arce, que recentemente se juntou ao grupo. A presença do presidente chileno, Gabriel Boric, não está descartada.
A prioridade institucional do PT é resgatar o Mercosul da letargia à qual Milei o condenou.
Segundo porta-vozes do governo consultados anonimamente pelo jornal O Globo, Lula poderá retomar a conversa com o colega argentino depois de se desculpar pelas ofensas que recebeu em 2023.
Lula não esqueceu esses insultos nem a desfeita do colega em julho do ano passado, quando viajou ao Brasil não para uma visita oficial ao Planalto, mas para discursar no Balneário Camboriú, onde participou de um evento da Conferência de Ação Conservadora (CPAC), encontro de representantes da extrema direita e fascistas declarados. O chefe de Estado argentino viajou a convite do clã Bolsonaro. Daquele encontro, o que se lembra menos são os discursos, todos antidemocráticos, do que a cena escatológica em que o capitão Bolsonaro presenteou seu camarada argentino com uma medalha de infalibilidade sexual. De uma posição antagônica à de Milei e Bolsonaro, Lula pretende reativar o Mercosul a partir de 3 de julho, dando-lhe um novo impulso democrático, objetivo para o qual conta com o firme apoio do uruguaio Orsi e do boliviano Arce, e o apoio, ao menos nominal, do paraguaio Peña Nieto. Ele também terá o apoio de Boric, embora não faça parte do grupo sul-americano.
Além disso, o futuro presidente do Mercosul prometeu concluir o acordo com a União Europeia ainda este ano, alegando que o pacto promoverá o multilateralismo em detrimento do unilateralismo de Trump e seu acólito, Javier Milei.
Na imprensa conservadora, a visita de Paulo Pimenta para entregar pessoalmente a mensagem de Lula foi retratada por meio de reportagens tendenciosas. A narrativa dominante sugere que Lula, com seu apoio ao líder da oposição Milei, está cometendo um novo erro diplomático, que, segundo essa perspectiva, se soma à sua viagem fracassada à China e à Rússia, durante a qual defendeu o grupo BRICS e atacou Donald Trump.
Neste domingo, Lula voltou a atacar o governo republicano, horas após o início da ofensiva contra o Irã. Em nota oficial, ele afirmou que "condena veementemente" os ataques às instalações nucleares.
Os mesmos veículos de comunicação que desconfiam da participação do Brasil nos BRICS e questionam o trumpismo são quase unânimes em suas críticas aos líderes "populistas" latino-americanos: da presidente mexicana Claudia Sheinbaum ao presidente colombiano Gustavo Petro e, claro, Cristina Fernández. Esses veículos levam as acusações contra a ex-presidente argentina tão a sério quanto validam a atuação da Suprema Corte, ignorando as falhas na decisão.
Assim, a imprensa brasileira, por meio dessa narrativa indulgente sobre o sistema de justiça argentino, repete a mesma linha editorial que outrora sustentou o caso Lava Jato, graças ao qual Lula foi impedido de participar das eleições de 2018, quando as pesquisas o colocavam vinte pontos à frente do eventual vencedor, Jair Bolsonaro. E ele permaneceu preso por 580 dias, sozinho, em uma cela na gélida Curitiba, a cidade do juiz Sergio Moro, chefe da Lava Jato, o paradigma da guerra política com roupagem judicial: a guerra jurídica.