17 Mai 2025
Em uma decisão dramática que encerra uma relação de quase quatro décadas entre o governo federal e a Igreja Episcopal, a denominação anunciou na segunda-feira o fim de sua parceria com o governo dos EUA para o reassentamento de refugiados, alegando oposição moral ao reassentamento de africâneres brancos da África do Sul, classificados como refugiados pelo governo do presidente Donald Trump.
A informação é publicada por NeV (Notizie Evangeliche), 14-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em carta aos membros da igreja, Sean W. Rowe, bispo presidente da Igreja Episcopal, declarou que, há duas semanas, o governo "informou o Episcopal Migration Ministries (o departamento para as migrações da igreja) que, de acordo com os termos de nossa convenção federal, somos obrigados a reassentar africâneres brancos da África do Sul, classificados como refugiados pelo governo dos Estados Unidos".
O pedido, disse Rowe, "ultrapassou uma linha moral para a Igreja Episcopal, que faz parte da Comunhão Anglicana global e se orgulha de ter entre seus líderes o falecido Arcebispo Desmond Tutu, um famoso e declarado opositor do apartheid na África do Sul".
“Em virtude do firme empenho da nossa Igreja pela justiça racial e a reconciliação e nossos laços históricos com a Igreja Anglicana na África Austral, não podemos tomar essa medida”, escreveu Rowe. “Consequentemente, decidimos que, até o fim do ano fiscal federal, concluiremos nossos acordos de concessão de subsídios para reassentamento de refugiados com o governo dos Estados Unidos”.
A minoria branca na África do Sul, como escreve a revista Internazionale, “representa pouco mais de 7% da população sul-africana, mas em 2017 possuía 72% das terras agrícolas, segundo dados do governo. Essa situação, que as leis aprovadas na África do Sul desde 1994 visam corrigir, é consequência das políticas de expropriação promovidas em época colonial e durante o apartheid. Os africâneres constituem a maioria da população branca do país. É dessa minoria que provinham os líderes políticos que instituíram o apartheid, um sistema de segregação racial que privou os negros de todos os seus direitos de 1948 até o início da década de 1990”.
Um primeiro grupo de 49 africâneres, descendentes de colonos holandeses que se estabeleceram na África do Sul no século XVII, desembarcou em 12 de maio. Com base numa ordem executiva assinada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, essas pessoas têm direito à proteção porque, segundo a ordem executiva, elas “sofreram a expropriação de suas terras e são vítimas de ‘genocídio’".
Rowe enfatizou que, enquanto o Episcopal Migration Ministries estiver tratando de "encerrar todos os serviços financiados em nível federal até o final do ano fiscal em setembro", a denominação continuará a apoiar os imigrantes e os refugiados de outras maneiras, por exemplo, oferecendo assistência aos refugiados que já foram reassentados.
O governo sul-africano negou veementemente as acusações de animosidade racial sistêmica, assim como reiterou uma coalizão de líderes religiosos brancos da região, que inclui muitos anglicanos.
"Os motivos declarados (para as ações de Trump) são as reivindicações de vitimização, a violência e a retórica odiosa contra as pessoas brancas na África do Sul, juntamente com a legislação que prevê a expropriação de terras sem indenização", consta na carta dos líderes religiosos sul-africanos brancos, cujos quatro autores incluem um sacerdote anglicano. "Como sul-africanos brancos que exercem liderança ativa na comunidade cristã e que representam diversas perspectivas políticas e teológicas, rejeitamos unanimemente essas afirmações".
Além de seus laços com Tutu, a Igreja Episcopal tem uma longa história de defesa contra o apartheid na África do Sul. Ela começou a modificar suas participações financeiras na região em 1966 e em meados da década de 1980 votou pelo desenvestimento em empresas que operavam na África do Sul.
Em um comunicado, a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, disse que a decisão da Igreja Episcopal "levanta sérios questionamentos sobre seu suposto empenho com as ajudas humanitárias". Ela disse que "os africâneres enfrentaram horrores indizíveis" e "não são menos merecedores de reassentamento como refugiados do que as centenas de milhares de outras pessoas que foram admitidos nos Estados Unidos durante o governo anterior".
Kelly acrescentou: "O presidente Trump foi claro: o reassentamento de refugiados deve ser uma questão de necessidade, não de política".
O governo Trump praticamente congelou o programa para os refugiados, com os africâneres entre as poucas — e talvez as únicas — pessoas a quem foi concedida entrada como refugiados desde janeiro, apesar dos milhares de pessoas de outros países esperando entrar nos Estados Unidos para evitar perseguições e violências. Pouco depois de assumir o cargo, Trump assinou uma ordem executiva que substancialmente bloqueou o programa para os refugiados e suspendeu os pagamentos a organizações que prestam assistência no reassentamento de refugiados — incluindo os pagamentos por trabalho já realizado. A mudança deixou os refugiados — incluindo cristãos em fuga da perseguição religiosa — sem um caminho claro a seguir e forçou os 10 grupos que nos Estados Unidos atuam no reassentamento de refugiados, sete dos quais baseados na fé, a demitir dezenas de funcionários enquanto tentavam ainda sustentar os refugiados recém-chegados. Quatro dos grupos religiosos entraram com duas ações judiciais separadas, uma das quais resultou recentemente em uma decisão que deveria ter reiniciado o programa. No entanto, grupos de refugiados acusaram o governo de "atrasar o cumprimento" da ordem judicial.
Um representante do Church World Service, que está entre os grupos que estão processando o governo, declarou que a organização "concordou em dar apoio a uma família por meio de serviços a distância", mas apontou para uma outra declaração da semana passada expressando a contínua frustração com as ações do governo. “Estamos preocupados com o fato de o governo dos EUA tenha escolhido acelerar a admissão de africâneres enquanto se opõe ativamente às ordens judiciais de fornecer reassentamento vital a outras populações de refugiados em extrema necessidade”, declarou na semana passada Rick Santos, chefe do Church World Service, um dos grupos de reassentamento que processam o governo.
“Ao reassentar essa população, o governo demonstra que ainda tem capacidade para examinar, processar e transportar os refugiados para os Estados Unidos com rapidez”, disse Santos.
“É hora de o governo honrar o compromisso da nossa nação com as milhares de famílias de refugiados que abandonou com sua ordem executiva cruel e ilegal”. Matthew Soerens, vice-presidente da World Relief, um grupo cristão evangélico que ajuda no reassentamento de refugiados, declarou em um e-mail que seu grupo planeja “ajudar um pequeno número” de recém-chegados que se qualificam para serviços financiados pelo Escritório de Reassentamento de Refugiados. Mas ele acrescentou que a situação é "complicada pelo fato de que o governo não está trazendo-os para os Estados Unidos por meio do processo tradicional de reassentamento inicial do Departamento de Estado, onde a World Relief é historicamente uma das dez agências privadas que atendem essa parceria público-privada, porque esse processo permanece suspenso". E acrescentou: "Nossa principal resposta a essa situação é continuar a instar o governo a retomar o processo de reassentamento inicial para uma ampla gama de indivíduos que fugiram das perseguições por causa de sua fé, suas opiniões políticas, sua raça ou outros motivos previstos pelas lei dos EUA — e destacar a determinação para que seja feito por cristãos evangélicos que são a principal base de apoio da World Relief, incluindo alguns evangélicos muito conservadores que veem o reassentamento de refugiados como uma ferramenta vital para proteger aqueles a quem a liberdade religiosa é negada no exterior".