06 Mai 2025
"A diversidade, se honesta e radicada na pesquisa sincera, é geradora", escreve Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por La Repubblica, 04-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No debate que perpassa a Igreja Católica hoje, no limiar de um Conclave exigente - entre diferenças culturais, tensões internas e desafios globais - o tema da unidade é frequentemente evocado como um ideal a ser defendido. Mas será que é realmente o ponto central? Alguns dizem que o verdadeiro problema da Igreja hoje, após o pontificado de Francisco, é a falta de unidade: muitas vozes discordantes, muitas sensibilidades diferentes, muitas tensões sobre temas éticos e sociais. Mas essa visão corre o risco de ser enganosa.
Vejamos o porquê.
As diferenças são uma característica da sociedade global, uma condição estrutural. Pretender que a Igreja - como qualquer outra realidade coletiva - se expresse de maneira uniforme e monocórdica é ignorar essa transformação. A coesão não pode ser buscada na uniformidade, mas na capacidade de acolher e harmonizar o múltiplo.
Bergoglio entendeu a instituição eclesial como uma harmonia que está constantemente se formando a partir da desordem da diversidade e dos contrastes, sabendo que tanto a desordem quanto a harmonia são suscitadas pelo próprio Espírito Santo e, portanto, ambas têm um profundo valor espiritual. O Espírito não impõe a homogeneidade, mas harmoniza e concilia as diferenças. A unidade da Igreja, portanto, é fruto da liberdade do Espírito, que atua na história e nas consciências.
Pensar na unidade em termos de compactação ideológica ou de consenso absoluto é, hoje, uma ilusão perigosa. Significa simplificar a realidade, reduzindo-a a categorias estáticas, quando, de fato, a realidade é fluida, perpassada por conflitos que nem sempre podem ser resolvidos de forma linear. Mas é justamente dessa complexidade que pode nascer algo vital, caso se tenha a coragem de enfrentá-la sem medo e à luz de um Evangelho radical e sem as adaptações próprias daquilo que Francisco chamava de “introversão eclesial”, que nada tem a ver com a verdadeira forma católica da Igreja. Contra essa introversão, Francisco lutou também invocando a liberdade de expressão. Ele disse em 2014 aos bispos reunidos no Sínodo: “Que ninguém diga: ‘Isto não pode ser dito; pensará de mim desta ou daquela maneira...’”. E ele citou um cardeal que lhe escreveu: “é uma pena que alguns cardeais não tenham tido a coragem de dizer algumas coisas por respeito ao papa, talvez considerando que o papa pensasse algo diferente”.
A reação de Francisco foi clara e incisiva: “Isso não é bom, porque é preciso dizer tudo o que se sente que deve ser dito no Senhor: sem respeito humano, sem covardia. E, ao mesmo tempo, é preciso escutar com humildade e acolher de coração aberto o que os irmãos dizem. E façam isso com muita tranquilidade e paz, porque o Sínodo sempre acontece cum Petro et sub Petro, e a presença do Papa é uma garantia para todos e a custódia da fé”. Para Bergoglio, a primazia papal sempre foi o fundamento da liberdade de expressão das diferenças importante para a missão da Igreja (não para um confronto ideológico dialético!).
A Igreja Católica é uma realidade global, presente em todos os cantos do mundo, imersa em contextos culturais muito diferentes.
E, depois deste pontificado, muito mais do que antes. Ela só pode ser pluralista em suas expressões, em suas formas de pensamento, em suas prioridades pastorais. Tentar trazê-la de volta a um passado mais “ordenado” significa sufocar sua vitalidade.
Francisco foi muito lúcido quando, na conclusão do Sínodo de 2015, disse: “para além das questões dogmáticas bem definidas pelo Magistério da Igreja, também vimos que o que parece normal para um bispo de um continente pode ser estranho, quase como um escândalo - quase! - para o bispo de outro continente; o que é considerado violação de um direito em uma sociedade, pode ser preceito óbvio e intangível em outra; o que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser apenas confusão”.
A questão, portanto, é saber como ler e interpretar as diferenças. Uma tarefa que exige discernimento, ou seja, escuta, confronto e paciência.
A identidade católica é a do “povo de Deus em caminho”, e não é defendida se enrijecendo movidos pelo medo. É necessário sentar-se à mesa e conversar, como foi feito nos últimos Sínodos. Acima de tudo, para se compreender melhor, cada um em suas próprias exigências e esperanças.
E precisamos sair do atoleiro da oposição entre conservadores e progressistas. Lembremos, apenas como exemplo, que Francisco, no início do Ano Jubilar sobre a misericórdia, concedeu aos sacerdotes lefebvrianos a faculdade de confessar validamente, e o próprio Bergoglio não hesitou em ajudar as comunidades tradicionalistas quando era cardeal de Buenos Aires, facilitando sua presença legal no país.
Não está na oposição ideológica o verdadeiro nó a ser desfeito.
O Concílio Vaticano II já havia reconhecido que a Igreja não pode ser um bloco monolítico, mas um organismo vivo, capaz de dialogar com a história, com as culturas, com a ciência e com o pensamento contemporâneo. Hoje, deixar de lado essa lição significa deixar de ter credibilidade.
Até mesmo o pensamento teológico é, na verdade, um importante banco de testes. Diferentes escolas de pensamento, sensibilidades mais progressistas ou mais tradicionalistas, perguntas feitas por teólogos de todos os continentes, não são uma ameaça a ser neutralizada, mas um recurso a ser compreendido. A diversidade, se honesta e radicada na pesquisa sincera, é geradora. A unidade é alcançada em um processo, lento e muitas vezes árduo: não evitando os conflitos, mas atravessando-os com um olhar profundo. A versão espelhada dessa visão sobre a política internacional é o apelo obstinado de Francisco ao multilateralismo, um apelo que, na maioria das vezes, não foi ouvido, mas sempre sustentado pela diplomacia da Santa Sé. Em um mundo dividido por polarizações cada vez mais radicais, a capacidade de manter as diferenças unidas talvez seja o desafio mais urgente. Não apenas para a Igreja, mas para a sociedade como um todo.
A verdadeira unidade nasce da reconciliação, da qual temos hoje uma imensa necessidade. Ela não é a negação da diversidade, mas sua transformação em comunhão. É nessa perspectiva que a Igreja pode ser um laboratório aberto, um lugar para aprender que a convivência não é a ausência de conflitos, mas a arte paciente de reconhecê-los, acolhê-los e os transformar.
E, nisso, ela tem algo muito importante a dizer ao mundo.